Como combater a pseudociência e a fé irracional?

A fé racional consiste em qualificar como altamente provável a informação que a gente recebe. Por exemplo, tenho uma fé racional em que, ao ligar meu computador, este não explodirá, matando-me no ato. Creio, tenho fé nisso, porque posso ler como um computador funciona exatamente, e porque há poucos casos sobre explosões de eletrodomésticos, o que me dá a confiança e a fé de usá-lo sem medo.

Já a fé irracional, no entanto, nutre-se de fontes menos confiáveis -ou inclusive de escassas fontes, como livros antigos ou sagrados-, e pior ainda: das experiências concretas de uma pessoa ou da gente que lhe rodeia. Por exemplo: como não morri ao adotar uma dieta de capim e as pessoas que me acompanham também não morreram, concluo que capim faz bem à saúde. E nesse ponto permaneço criando meias verdades em relação ao capim o resto de minha vida.

Então há a necessidade de combater as pseudociências e, sobretudo, a fé irracional, mas com uma advertência: podemos em muitos casos anular algumas pseudociências para evitar determinados efeitos perniciosos imediatos e também podemos acabar convencendo alguém de que sua fé irracional em algum caso particular é errônea. Mas dificilmente conseguiremos erradicar uma ou outra coisa. Ao menos não em pouco tempo. Ao menos não da forma na qual desejamos.

Nosso cérebro está desenhado para aceitar a fé irracional, e por essa razão, as pseudociências se espalham como fogo morro acima. Assim que cortamos a cabeça de uma, nascerão outras duas, mais complexas ou mais difíceis de combater. As primeiras são Papai Noel ou os Reis Magos, depois vêm os horóscopos ou a bola de cristal. Essas são fáceis. Mas e a homeopatia, a acupuntura ou o criacionismo? E o desenho inteligente ou os extraterrestres? 2012?

Essas são mais difíceis de combater porque são bem mais complexas, mais inteligentes, mais intrincadas e, sobretudo, bem mais maduras e apoiadas por determinadas vozes com reputação -ao menos no que se refere no âmbito mediático-, que abrilhantam-nas com terminologia científica recente. Isto é, requerem de críticos com maiores conhecimentos, como Sokal e Bricmont, em seu livro Imposturas intelectuais.

Por conseguinte, o problema parece ser básico. Quanto mais culta e científica seja uma sociedade, mais sutis e aparentemente científicas serão suas pseudociências. E também mais difíceis de combater. Mas o objetivo principal que nos converterá em uma sociedade mais madura e responsável, consiste em erradicar a tendência do cérebro ao pensamento mágico, à fé irracional, a crer em tudo sem que passe por um crivo mais seleto do que o natural. O objetivo é romper o feitiço.

E isso só pode ser alcançado praticando o ceticismo com disciplina. Ninguém nasce cético -salvo alguma mutação estranha-. E só uma minoria se converte em cético na idade adulta já que vivemos em um mundo onde o ceticismo não é muito bem aceito, nem sequer no âmbito acadêmico. Por conseguinte, ser cético é uma atividade contra a tendência social vigente que deve ser exercida durante muito tempo para que nossa maneira de pensar e interpretar o mundo prospere.

Deste modo, chamar alguém, que se deixe levar pela fé irracional, de ignorante, inculto ou otário não vai levar a nada. É como insultar alguém por realizar algo tão natural como respirar. Conhece alguém que tenha se tornado cético porque foi ridicularizado por crer em magos de araque como Paulo Coelho ou por suas crenças? Alguém se tornou cético depois de ser chamado de iludido? Acho que não.

O meu ceticismo fundamentou-se com maior força depois da leitura de O Mundo Assombrado pelos Demônios - A Ciência vista como uma vela no escuro, de Carl Sagan. Um livro superficial, para todos os públicos; mas sobretudo amável, persuasivo, respeitoso que encoraja as pessoas a pensar de maneira crítica e cética, demonstrando métodos para distinguir ciência de pseudociência e propondo o questionamento ao abordar novas ideias.

Estou convencido de que Sagan conseguiu mostrar a luz para muitas pessoas graças a esse tom compreensivo que sempre lhe foi peculiar.