O padre que criou a teoria do Big Bang

Antes de ser apresentado a Carl Sagan, minha referência da ciência da evolução e/ou do ceticismo era, pasmem, um padre muito "gente fina" que foi meu professor de Ciência e Português no segundo grau. Durante a semana ele falava com a maior desenvoltura sobre a evolução das espécies; nos finais de semana, com paramentas do sacerdócio, falava do pecado original no Jardim do Éden, quando Eva foi instigada pela cobra a provar do fruto proibido. Ele fazia isso de uma forma tão natural que demorei a perceber que Evolucionismo e Gênesis não combinam entre si.

Durante muito tempo eu vivi neste tipo de sincretismo. Religioso que eu era, acendia uma vela com a mão direita e apagava com a esquerda ao constatar que estava queimando cera à toa. Com o passar do tempo sucumbi ao lado ateu da força, mas até hoje, por força do costume, me vejo agradecendo a Deus por nada. Ainda assim eu admiro quem consegue transitar entre as duas teorias, Criacionismo e Evolucionismo, como o fez o padre católico Georges Henri Lemaître, que longe de considerar religião e ciência como pólos opostos de ver a vida, dedicou toda a sua vida às duas.

Lemaître não tentou revestir o Criacionismo com uma capa de pseudociência para continuar cooptando incautos não tão mais crentes. Simplesmente da sua forma, contribuiu para a Religião e para a Ciência ao criar a teoria do Big-Bang, aceita atualmente pela comunidade científica como a explicação à origem do Universo.

Muitos não podem entender como fé e ciência podem conviver em uma mesma mente e pessoa. No entanto o exemplo deste homem é notório, afinal teve que questionar a veracidade de muitas coisas, inclusive de sua fé, para desenvolver suas teorias. Além de ser uma mente brilhante -um dos poucos a acompanhar e entender profundamente a recém estreada teoria da relatividade de Einstein-, era um crente, e levou sua fé até o ponto de se ordenar sacerdote.

Este cientista nasceu em 17 de julho de 1894 e cursou engenharia civil. Após servir como voluntário durante a Primeira Guerra Mundial, estudou física e matemática, incluindo as teorias de Einstein, recebendo o doutorado em 1920. Nesse mesmo ano ingressou no seminário, ordenando-se sacerdote 3 anos mais tarde.

Em 1927 ele foi o primeiro a formular a lei de proporcionalidade entre distância e velocidade de afastamento das galáxias que foi descoberta empiricamente por Hubble alguns anos mais tarde. Nela, Lemaître propõe uma evolução a partir de um "átomo primitivo" ou "ovo cósmico". O estudioso afirmava que a matéria comprimida naquele átomo se fragmentou numa quantidade descomunal de pedaços e cada um acabou se fragmentando em outros menores sucessivamente até chegar aos átomos atuais numa gigantesca fusão nuclear.

Essa teoria foi sarcasticamente apelidada de "Big Bang" pelo nobre astrônomo britânico e medíocre escritor de ficção Fred Hoyle, que era defensor da Teoria do universo estacionário, durante a transmissão de um programa de rádio da BBC.

Em 1965, um ano antes de sua morte e já adoentado na cama de um hospital, recebeu com alegria a notícia de que sua Teoria do Big Bang fora confirmada pelas experiências de Arno Penzias e Robert Woodrow Wilson e aceita como a teoria padrão da criação do Universo pela comunidade científica.

Morreu em 20 de junho de 1966, depois de uma vida produtiva para a Ciência e Religião, dando um exemplo de como as duas podem conviver sem maiores problemas.