![]() | Nos anos 90, a professora de Neurociência Cognitiva Nancy Kanwisher estava em uma máquina de Ressonância Magnética Funcional (fMRI) gravando respostas de seu próprio cérebro. Um hobby estranho, eu sei. Mas quando ela olhou para imagens de rostos de pessoas, notou algo peculiar sobre suas respostas. Uma pequena parte de seu cérebro estava muito mais ativa do que as outras. Eela havia tropeçado em uma nova parte do cérebro chamada "área fusiforme do rosto: uma região inteira parcialmente dedicada ao reconhecimento de rostos. |

A descoberta revolucionou essa área da neurociência e levou a outras descobertas bem surpreendentes. Como o fato de que pessoas cegas usam essa área do cérebro para identificar rostos também. E que às vezes, tudo o que você precisa para reconhecer um rosto é o som da mastigação.
Há uma longa, às vezes orgulhosa, às vezes lamentável, história de cientistas fazendo experimentos em si mesmos. Isso aconteceu vezes suficientes para encher vários posts do MDIg com exemplos.
Não estou dizendo que é o protocolo recomendado, mas há algo legal em um cientista que está tão confiante na segurança de seus métodos que se torna seu próprio sujeito de teste. E Nancy certamente faz parte dessa história.
No caso dela, ela estudou seu próprio cérebro. Deixe-me transportá-lo de volta no tempo para o final dos anos 90. Os cientistas estavam finalmente começando a usar ferramentas como ressonância magnética funcional, para ver dentro do cérebro enquanto ele ainda estava funcionando.
Na época, havia apenas quatro máquinas de fMRI no mundo. Então, se você tivesse a chance de usar uma entre 6 e 9 da manhã de um sábado, você viraria cambota de alegria. E se os experimentos que você conseguiu executar naquele horário impopular da semana não produzissem resultados significativos... Bem, você deixava de ser um cientista legal e antenado.
No começo, Nancy queria estudar se o olho da nossa mente usa os mesmos caminhos neurais que nossos olhos reais. Ela se perguntou em que ponto do processo a atenção se intromete e como reconciliamos novas informações com o que vimos no passado. Mas depois que essas investigações não deram certo, ela percebeu que sua melhor chance de obter alguns dados publicáveis era observar rostos.
Os neurocientistas sabiam que humanos e outros animais têm células cerebrais que respondem a rostos, então esse era pelo menos um ponto de partida. Mas eles não sabiam muito mais sobre o processo. Quando Nancy entrou na máquina de fMRI e olhou para fotos de rostos, ela notou que uma parte do seu cérebro realmente se destacava das outras.
Estava muito mais ativamente envolvida no processamento facial do que qualquer outra parte. Ela sabia que estava no caminho certo. Então seu grupo de pesquisa comparou os cérebros de várias outras pessoas e descobriu que, em muitos casos, essa região dos cérebros deles também era particularmente excitada por rostos.
As imagens de fMRI mostravam muito menos atividade nessa área do cérebro quando os participantes do estudo olhavam para fotos de casas, mãos, caranguejos ou outros objetos.
Parecia estar sintonizado com rostos. E isso inclui os rostos de outros animais ou desenhos animados. Então isso explica por que eles decidiram incluir "rosto" no nome dessa região do cérebro. E como ela estava localizada em uma parte chamada "giro fusiforme", pronto! Tínhamos a área fusiforme do rosto, ou AFR.
A equipe de Nancy não teria descoberto a AFR sem os dados de pessoas em máquinas de fMRI. Mas essas técnicas não podiam dizer a eles o que estava acontecendo dentro da AFR, como quais células cerebrais eram responsáveis por focar em cada detalhe facial minucioso. Para obter essa informação, um de seus pesquisadores de pós-doutorado, Winrich Freiwald, e uma colaboradora, Doris Tsao, recorreram a macacos.
A versão da AFR para macacos não é idêntica à nossa, mas é semelhante em sua seletividade para rostos. Na verdade, esses pesquisadores publicaram uma comparação completa entre macacos e humanos mostrando o quão semelhantes eles são. Então, eles colocaram macacos na máquina de fMRI, assim como Nancy e os outros participantes humanos.
Os macacos viram os mesmos tipos de imagens que os humanos, e os pesquisadores registraram respostas de células individuais dentro da AFR do macaco. Eles descobriram que mais de 90% delas eram dedicadas ao reconhecimento facial. Agora que eles sabiam que a maioria das células na AFR do macaco trabalhavam juntas no mesmo projeto de reconhecimento de um rosto, esta equipe de pesquisa levou suas descobertas para o próximo nível.
Eles previram com sucesso para qual rosto o macaco estava olhando com base em quais células estavam ativas! É como olhar para uma equação quadrática e saber qual forma aparecerá no gráfico resultante, mas para cérebros!
Tipo, leitura literal da mente! Como você provavelmente adivinhou, a leitura da mente dos macacos não era necessariamente o objetivo final desses estudos.
As pessoas são bem egocêntricas. Então ainda tínhamos muito a aprender sobre como as AFRs humanas funcionam em diferentes circunstâncias. Como quando você não consegue ver rostos. O que levou ao próximo estudo.
O mais surpreendente sobre a AFR pode não ser o quão específica ele se torna, mas o quão amplamente ela é usada. Quer dizer, você pode nascer cego e ainda ter uma AFR ativa usado para os mesmos propósitos que o de uma pessoa com visão.
Este foi outro grande estudo de Nancy. Um dos primeiros desafios que sua equipe enfrentou foi projetar um experimento para pessoas que não conseguem enxergar. Eles contornaram isso de algumas maneiras. Uma delas foi imprimir em 3D modelos de rostos, mãos, cadeiras e labirintos para pessoas cegas tocarem enquanto estavam em uma máquina de fMRI.
Eles testaram pessoas videntes para ver como seus cérebros respondiam ao tocar um rosto versus ver um. Em ambos os casos, a AFR foi ativada. Então, eles compararam os resultados de participantes cegos tocando esses modelos com participantes videntes fazendo o mesmo, e eles descobriram que seus resultados se alinharam muito bem.
E para adicionar outra camada de segurança, eles trocaram a sensação de um rosto pelos sons de um rosto. Eles compararam o riso e a mastigação com outros sons como andar, bater palmas, motores e ondas. E os sons de riso e mastigação que vêm dos rostos ativaram as AFRs dos participantes mais do que quaisquer outros sons testados.
Seja por meio do toque ou do som, eles mostraram que você não precisa ver um rosto para reconhecê-lo. Na verdade, a AFR funciona da mesma forma para pessoas que nunca viram nada em suas vidas e pessoas que olham para coisas o dia todo, todos os dias. Talvez porque esteja conectado às mesmas outras partes do cérebro que ajudam a preencher as lacunas.
O que pode explicar por que há pessoas que conseguem ver, mas ainda não reconhecem rostos. É uma condição chamada prosopagnosia. Nesses casos, a AFR parece funcionar como a de qualquer outra pessoa. Mas sua comunicação com outras partes do cérebro pode ficar descontrolada. Graças à nossa compreensão do papel que a AFR desempenha no reconhecimento facial, estamos chegando mais perto de descobrir o que está acontecendo com essa condição e outras semelhantes.
Então, assim como precisávamos que vários pesquisadores se unissem para fazer essas descobertas, precisamos que muitas partes do cérebro trabalhassem juntas para criar nossa visão do mundo e das pessoas nele. Por suas contribuições para nossa compreensão do reconhecimento facial, Nancy recebeu o Prêmio Kavli de Neurociência de 2024.
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