David Lyall prendeu a respiração ao fazer a primeira incisão na barriga de um passarinho rechonchudo marrom-oliva, que estava sobre sua mesa. David, um ornitólogo amador, nunca tinha visto esse pássaro antes e sabia que precisava trabalhar rápido e secar o espécime rapidamente antes que ocorresse a infestação de larvas. Durante as horas seguintes, os dedos de David trabalharam rápida e habilmente enquanto ele afastava a pele do músculo, percorrendo o caminho do abdômen até as costas e a cauda, e depois subindo em direção ao pescoço e à cabeça, até destacar todo o corpo da pele. |
Ele até fez um pequeno buraco na parte de trás do crânio e retirou cuidadosamente o cérebro. Depois de retirar todos os tecidos, embalou o corpo agora vazio com lã de ovelha, costurou a incisão e colocou o espécime na janela para secar ao sol.
Nos meses seguintes, David repetiu esse processo várias vezes, criando pelo menos 15 espécimes do que hoje é conhecido como carruíra-de-Lyall ou carricinha-de-Stephens (Traversia lyalli). Esses espécimes, que agora existem em nove museus diferentes ao redor do mundo, são tudo o que resta desta espécie.
Os gatos matam milhares de milhões de aves e mamíferos em todo o mundo todos os anos e têm sido responsáveis pela extinção de dezenas de espécies. Só na Austrália, os gatos assilvestrados causam o caos no já conhecido frágil ecossistema australiano, matando em torno de dois bilhões de animais anualmente.
Carricinha-europeia (Troglodytes troglodytes);
David Lyall era o faroleiro assistente do farol recém-inaugurado na Ilha Stephens, uma pequena ilha varrida pelo vento, com menos de 800 metros quadrados, no extremo norte de Marlborough Sounds, na Ilha Sul, da Nova Zelândia. O farol foi inaugurado em 1894 e, pouco depois, David, junto com outras dezesseis pessoas, chegaram ao novo posto avançado.
Naturalista, David ansiava por seu novo posto na ilha praticamente inexplorada e desabitada, um lugar onde pudesse perseguir suas paixões. Como a vida como faroleiro era principalmente de isolamento, David também levou consigo sua gata grávida chamada Tibbles, para lhe fazer companhia. Talvez ele até esperasse que Tibbles desse à luz uma ninhada de gatinhos, sem saber da destruição que eles causariam na população de pássaros da ilha.
Ilustração da carruíra-de-Lyall.
Os gatos são predadores fantásticos. No livro Cat Wars, os autores Peter Marra e Chris Santella estimam que os gatos que vivem ao ar livre matam cerca de 2,4 bilhões de pássaros somente nos Estados Unidos. Um grande número destas vítimas é morto não por comida, mas por diversão. Os gatos são estimulados pela perseguição e mesmo que não tenham fome, ainda assim matam. Às vezes, gatos domesticados que podem andar livremente do lado de fora levam aos seus donos pequenos presentes na forma de um pássaro morto ou de um rato.
Pouco depois de David assumir o cargo de faroleiro assistente na Ilha Stephens, Tibbles começou a trazer-lhe esses presentes. Embora David estivesse na ilha há pouco tempo, ele conseguia dar um nome à maioria dos pássaros que Tibbles lhe trazia, exceto um espécime peculiar.
Este pássaro era pequeno, de dorso verde-oliva, peito pálido e penas do corpo com bordas marrons. Tinha uma estreita faixa amarela esbranquiçada acima do olho, asas curtas e um bico longo e reto. David nunca tinha visto esse pássaro antes e, aliás, nenhum biólogo jamais o viu.
Um dos espécimes empalhados por David Lyall.
Sentindo que estava prestes a fazer uma nova descoberta, David sentou-se uma noite e, à luz de uma lanterna de parafina, começou a preparar os espécimes. Ele enviou vários deles para alguns dos ornitólogos mais renomados da época, incluindo Walter Rothschild e Walter Buller.
Walter Buller reconheceu-o imediatamente como espécie distinta e começou a preparar uma descrição científica a ser publicada numa revista futura. Walter Rothschild, um banqueiro e zoólogo britânico, adquiriu vários espécimes de David por um preço considerável. Foi Rothschild quem sugeriu o nome científico Traversia lyalli em homenagem a David Lyall, o descobridor, e ao naturalista Henry Hammersley Travers, que o ajudou a obter os espécimes.
Outro dos espécimes empalhados por David Lyall.
Enquanto isso, a população de gatos na Ilha Stephens cresceu e eles começaram a matar pássaros em números alarmantes. A situação foi agravada pelo fato da carricinha ser um passarinho desajeitado. Diferente da carricinha-europeia não podia voar e só conseguia correr rasteira ou pular de galho em galho. A ave era originalmente encontrada em toda a Nova Zelândia, mas predadores, como o rato-do-pacífico ou kiore (Rattus exulans), mataram quase toda a população, exceto uma pequena colônia na Ilha Stephens.
As aves provavelmente migraram para esta ilha isolada durante a última glaciação, quando esta estava ligada ao continente. Quando o nível do mar subiu, a Ilha Stephens tornou-se um paraíso isolado e seguro, sem predadores naturais, até que David Lyall chegou com seu gato.
Em fevereiro de 1895, menos de um ano desde que Tibbles trouxe o primeiro espécime, tornou-se impossível encontrar a carruíra. Naquele mesmo mês, David escreveu lamentavelmente a Walter Buller que os gatos tornaram-se selvagens e estavam causando tristes estragos entre todos os pássaros. Até então, o pássaro foi visto vivo apenas duas vezes. Em 16 de março de 1895, um editorial do jornal The Press de Christchurch relatou:
Ilha Stephens.
- "Há boas razões para acreditar que a ave não é mais encontrada na ilha e, como não se sabe se ela existe em nenhum outro lugar, ela aparentemente se tornou bastante extinta. Este é provavelmente um desempenho recorde em termos de extermínio."
Nem todo mundo culpa Tibbles, no entanto. É possível que a história da carriça da Ilha Stephens seja mais complicada do que a lenda faz parecer. Em um ensaio de 2004 publicado pela Sociedade Ornitológica da Nova Zelândia, Ross Galbreath e Derek Brown argumentam que a extinção da carruíra pode ter-se espalhado por um período de tempo ligeiramente mais longo, documentos históricos sugerem que mais alguns espécimes podem ter surgido ao longo do próximos dois ou três anos.
O farol da Ilha Stephens.
No entanto, é incontestável que a predação por gatos foi o prego no caixão do agora extinto passarinho. E Tibbles, quer ela realmente trabalhasse sozinha ou não, tornou-se o modelo dos perigos representados pelos gatos ao ar livre.
Em 1898, a Ilha Stephens conseguiu um novo faroleiro que, imediatamente, solicitou ao Departamento da Marinha espingardas e munições para se livrar da crescente população felina da ilha. Nove meses depois, ele relatou com orgulho que havia atirado em mais de 100 gatos assilvestrados, 4 anos apenas depois da chegada de Tibbles. Demorou mais 26 anos, mas em 1925 a ilha finalmente ficou livre de gatos.
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