Tente só imaginar a seguinte situação: alguém leva um tiro na barriga, sobrevive e vai ao médico. O médico puxa sua calça e começa a bombear hidrogênio no furico e logo depois acende um fósforo na ferida de entrada da bala. Bizarro, não é mesmo? Mas tal diagnóstico foi praticado pelo Doutor Nicholas Senn, cirurgião americano e fundador da Associação de Cirurgiões Militares dos Estados Unidos. Ele foi presidente da Associação Médica Americana de 1897-1898 e cirurgião chefe do Sexto Corpo do Exército durante a Guerra Hispano-Americana em 1898. |
Enquanto servia como militar, Nicholas frequentemente encontrava ferimentos de bala no abdômen de seus pacientes. Na falta de ferramentas de diagnóstico adequadas -os raios X estavam apenas começando a ser usados na medicina-, Nicholas e sua equipe de médicos lutaram para identificar se a ferida penetrante era "simples" ou se era complicada por uma lesão no canal gastrointestinal. Lesões no intestino não apresentam sintomas confiáveis sobre os quais os cirurgiões possam agir para fazer um diagnóstico positivo, nem essas feridas viscerais são evidentes em um exame físico comum.
Ocorreu a Nicholas que uma ferida no intestino podia ser detectada da mesma maneira que um encanador localiza um vazamento em um encanamento de gás. Para conseguir isso, Nicholas propôs inflar os intestinos com um gás inofensivo por meio do reto. Se houvesse um vazamento, o gás escaparia do intestino para a cavidade peritoneal e dali pela ferida externa, onde sua presença poderia ser comprovada por algum teste infalível.
Nicholas recomendou o hidrogênio porque é desprovido de propriedades tóxicas, não é irritante quando entra em contato com tecidos vivos e é rapidamente absorvido pelos tecidos. Além disso, o hidrogênio que escapava poderia ser facilmente detectado colocando um fósforo aceso sob a ferida. Pôr fogo na barriga de um soldado ferido também era uma maneira eficaz de esterilizar a ferida, argumentou Nicholas.
Nicholas Senn realizou três experiências com cães primeiro. Nesses experimentos, os animais foram amarrados às mesas de operação, anestesiados e depois baleados no abdômen a curta distância com um 32. Imediatamente após, um balão de borracha cheio de hidrogênio era anexado ao reto do animal e o gás era bombeado lentamente para o intestino. Quando uma chama exposta era levada para perto da ferida, o gás que escapava acendia com uma chama azul constante, indicando que a bala havia perfurado o intestino.
Nicholas conduziu experimentos com vários de seus pacientes humanos para determinar os efeitos negativos da introdução de gás via gastrointestinal. Curioso por experimentar a sensação, Nicholas passou pelo experimento, pedindo que um assistente bombeasse hidrogênio no seu ânus. Ele relata sua experiência da seguinte forma:
"Sob uma pressão de 0,4 kg (1/2 libra), quase 6 litros de gás foram insuflados pelo reto. A distensão do cólon causou simplesmente uma sensação de distensão ao longo de seu curso, mas, assim que o gás escapou para o íleo, surgiu uma forte cólica, que aumentava à medida que a insuflação avançava e só cessava após todo o gás ter escapado, como era o caso só depois de uma hora e meia. Quando os intestinos e o estômago ficaram completamente distendidos, a sensação de distensão foi angustiante e foi acompanhada por uma sensação de desmaio que causou uma forte transpiração. Grande parte do gás escapou por eructação, seguida por um grande alívio. As cólicas que acompanham a inflação do intestino delgado por ar ou gás são evidentemente causadas pelo aumento da ação peristáltica do intestino na tentativa de expulsar seu conteúdo, pois sempre assumiu um tipo intermitente e diminuiu rapidamente após a fuga do gás."
Embora o primeiro paciente humano, um afro-americano de 27 anos, com um tiro de pistola de calibre 38 na barriga, não tenha sobrevivido, o procedimento em si foi um sucesso e acabou sendo utilizado em cirurgias militares para detectar feridas intestinais em soldados. Os métodos do Dr. Nicholas só se tornaram obsoletos quando os raios-X se tornaram uma ferramenta de diagnóstico padrão.
Nicholas Senn foi pioneiro em medicina cirúrgica. Além de seu trabalho em perfuração gastrointestinal, ele esteve envolvido em pesquisas experimentais sobre pancreatite aguda, cirurgia plástica, oncologia de cabeça e pescoço e no tratamento de leucemia com raios-x. Ele apoiou fortemente a operação inicial para apendicite, que não era a prática da época. Ele também enfatizou a importância dos primeiros socorros, apresentados pela primeira vez às forças armadas pelo cirurgião alemão Friedrich von Esmarch em 1870. Nicholas frequentemente citava o ditado alemão: "O destino dos feridos recai sobre quem aplica o primeiro curativo".
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