Dias atrás contávamos a história de Georg Gaertner, um prisioneiro de guerra alemão que passou 40 anos fugido por não querer retornar para seu país. As circunstâncias do sumiço do alemão, no entanto, eram muito diferentes dos dois soldados japoneses, Shoichi Yokoi e Hiro Onoda, que após décadas ainda acreditavam que a guerra continuava, enquanto Gaertner já sabia que acabara, mas precisava se ocultar atrás de outra identidade. Agora somamos mais uma biografia às três fantásticas. Esta é provavelmente a mais incrível delas, mas não se estendeu porque o governo japonês não tinha muito interesse em contar a história, a de Teruo Nakamura. |
Teruo Nakamura foi realmente o último veterano da Segunda Guerra Mundial a se render, em 1974. Ele era um nativo da etnia Amis, quando Taiwan era uma colônia japonesa, cujo nome verdadeiro em língua nativa era Attun Palalin, mas que passou a ser chamado de Lee Guan-Rui pela imprensa taiwanesa depois de sua reaparição.
A explicação para essa confusão de nomes é que quando ele, com 24 anos, foi "obrigado" a se alistar na Unidade "Voluntária" Takasago do Exército Imperial Japonês e enviado à ilha Morotai na Indonésia, em 1943, deixou de ser Palalin e passou a ser o recruta Teruo Nakamura. Quando ressurgiu 30 anos depois. o ressentimento dos taiwaneses com o Japão fez com que ele fosse rebatizado novamente, dessa vez como Lee Guan-Rui.
Em setembro de 1944, quando as tropas aliadas assumiram o controle da ilha, Nakamura e vários outros soldados se esconderam em redutos na selva. Por uma causa ou outra, em 1950 Nakamura decidiu se separar do restante e foi viver por sua conta em uma cabana que ele construiu em um lugar de difícil acesso. Quando questionado por qual motivo decidiu ir viver sozinho, Nakamura alegou que os outros haviam tentado assassiná-lo. Entretanto, esta alegação foi negada por três outros soldados, que foram descobertos no final da década de 1950.
Quase diariamente ele via aviões sobrevoando a zona onde estava escondido, pois era próxima uma base da força aérea indonésia, e se dava conta da evolução de seus desenhos, mas sua conclusão foi que ainda estavam em guerra, que era o resultado de uma corrida armamentista e que o melhor para ele era continuar embrenhado no mato em vez de lutar uma guerra que não era dele. Como dizíamos parágrafos acima, ele foi obrigado a se alistar, apesar de sua natureza pacífica.
Um voo de reconhecimento descobriu a cabana e, pouco mais tarde, apareceram reportagens sobre um homem selvagem quase nu que tinha sido visto em um clarão na mata em meados de 1974. A embaixada do Japão em Jacarta, intercedeu solicitando a assistência do governo Indonésio para organizar uma missão de busca, que foi conduzida por um grupo de reconhecimento da força aérea de Morotai. Ele foi encontrado em 18 de dezembro de 1974, vestindo apenas alguns trapos e cortando lenha. A notícia da sua descoberta só chegou ao Japão em 27 de dezembro de 1974.
Teruo foi levado a Jacarta onde foi hospitalizado. E ali começou o problema, porque ele era originário de Taiwan e sua terra natal já não fazia parte do Japão. De modo que propuseram a ele a questão de para onde desejava ser repatriado: Japão ou Taiwan. Nakamura escolheu Taiwan, sem deixar de colocar na mesa a questão das compensações econômicas dos soldados taiwaneses que tinham lutado sob a bandeira do Japão.
O repatriamento de Nakamura e a sua percepção para o governo japonês foi muito diferente dos remanescentes anteriores, Shoichi Yokoi e Hiroo Onoda, este último encontrado meses antes, foram recebidos como heróis com toda pompa e circunstância, mas Teruo nem japonês era. Nasceu etnicamente Amis e como a nacionalidade sempre foi de fundamental importância para os japoneses não lhe deram tanta importância e o governo decidiu fazer cara de paisagem olhando para o outro lado.
Ademais, no momento em que foi capturado, ele não falou em japonês, mas, que diabos, ele pouco sabia o idioma. Outro problema era que, enquanto Onoda e Yokoi eram oficiais, Nakamura não passava de um soldado raso de uma colônia japonesa, e era do interesse do governo japonês não suscitar na imaginação do público a colonização japonesa de Taiwan durante a Guerra.
Para o governo japonês estava claro: os soldados taiwaneses não podiam receber nenhuma compensação econômica porque já não eram cidadãos japoneses. Ainda que Nakamura recebeu uma pequena compensação por sua lealdade ao Japão, uma merreca de 608 mil ienes, ou, se preferir, o equivalente a uns mil reais hoje.
Com isso Nakamura levantou um clamor considerável na imprensa, motivando o próprio governo de Taiwan e alguns empresário japoneses a doarem uma boa quantia a ele. Quando a opinião pública do Japão começou a criticar o papelão do governo, as autoridade voltaram atrás e pagaram a Nakamura uma quantia semelhante ao que fora dado a Onoda, que, por sua fez, serviu para mobilizar o restante de ex-combatentes taiwaneses a levar seus casos aos tribunais, devido ao tratamento diferenciado dado aos repatriados japoneses em relação aos taiwaneses.
Foram necessários anos de demandas e campanhas de sensibilização, mas o governo japonês promulgou uma lei especial em 18 de setembro de 1987 para pagar 2 milhões de ienes (uns 3.300 reais) à cada ex-soldado taiwanês gravemente ferido em batalha, bem como às família dos que pereceram. Ainda assim, nada a ver com o recebido pelos soldados japoneses, que também tinham direito a uma atribuição anual.
E o que foi da vida de Nakamura a partir daí? Com efeito há muito pouco para contar, mas seu regresso foi agridoce, já que seus pais tinham morrido, só dois irmãos sobreviveram, e sua esposa voltou a se casar (ele fora dado como morto).
De fato, o novo marido, compreensível e com aquela paradoxal situação, estava disposto a se mudar e deixar que o casal retomasse sua vida em comum, mas Nakamura não permitiu. Entendeu que ele devia recomeçar uma nova vida, que foi curta.
Attun Palalin morreu no alistamento, Teruo Nakamura morreu no repatriamento e apenas quatro anos após seu regresso, o último veterano da Segunda Guerra Mundial a se render morreu de câncer de pulmão, em 15 de junho de 1979. Lee Guan-Rui tinha apenas 59 anos.
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