No meio do Oceano Atlântico Sul, a milhares de quilômetros de praticamente qualquer lugar, fica uma ilha vulcânica isolada chamada Ascensão. Há duzentos anos, era uma ilha deserta com pouco apelo para os navios de passagem, exceto para coletar tartarugas-verdes e aves para consumo enquanto navegavam para outras regiões. Hoje, seus picos estão cobertos por exuberantes florestas verdes, onde antes só havia campos de lava e depósitos de cinzas e rochas vulcânicas. |
Esta transformação surpreendente é o resultado de um experimento ecológico notável conduzido pelo famoso botânico britânico Joseph Hooker com o incentivo de Charles Darwin. Muitos cientistas acreditam que esta fantástica terraformação pode ser a chave para a futura colonização de Marte.
A Ilha da Ascensão é muito jovem, geologicamente falando, tendo emergido do oceano apenas cerca de um milhão de anos atrás. A atividade vulcânica continuou a moldar a ilha até mil anos atrás. Como tal, a maior parte da ilha está coberta por solos vulcânicos jovens. Pequenos arbustos e gramíneas eram as únicas coisas que cresciam ali antes da intervenção humana.
A ilha foi descoberta pela primeira vez em 1501 pelo navegador português João da Nova no Dia da Ascensão, daí o nome da ilha. Pelos próximos 300 anos, a ilha funcionou como um ponto de parada útil para viagens distantes, permitindo aos marinheiros reabastecer seu estoque de água doce pois há uma forte nascente de água no alto interior da ilha e uma fonte de água menor, mais abaixo, e carne fresca. A Ilha da Ascensão é o lar de tartarugas-verdes (Chelonia mydas) e de grandes colônias de reprodução de aves marinhas.
Reconhecendo sua importância estratégica, a Marinha Real estabeleceu uma guarnição na ilha em 1815, originalmente para vigiar Napoleão Bonaparte, que vivia no exílio na ilha vizinha de Santa Helena, e a designou como fragata de pedra, HMS Ascension.
Para possibilitar a sobrevivência da guarnição, os marinheiros britânicos plantaram uma horta de frutas e vegetais no solo ralo do cume da montanha central, conhecida como Monte Verde, e também introduziram centenas de ovelhas e cabras como fontes de carne, bem como vacas e cavalos.
Em 1836, o jovem Charles Darwin, chegando ao fim de sua longa viagem ao redor do mundo a bordo do HMS Beagle, fez uma breve parada na Ascensão. Vindo de Santa Helena, Darwin não esperava muito da ilha. Antes de sua partida de Santa Helena, seus residentes brincaram:
- "Sabemos que vivemos sobre uma rocha, mas os pobres da Ascensão vivem sobre cinzas."
Quando Darwin pisou na ilha, ele tomou conhecimento da fazenda e se maravilhou com a forma como as nascentes eram administradas para que uma única gota d'água não se perdesse. Ele ficou impressionado com o trabalho que os britânicos fizeram para tornar a Ilha da Ascensão habitável, embora tenha notado que a ilha estava desprovida de árvores.
- "De fato, toda a ilha pode ser comparada a um enorme navio mantido em ordem de primeira", comentou ele. Outros compartilhavam o sentimento de Darwin. O naturalista francês René Primevère Lesson observou que somente a nação inglesa teria pensado em fazer da Ilha da Ascensão um local produtivo; qualquer outra pessoa a teria considerado uma mera fortaleza no oceano.
Sete anos depois, o botânico e explorador britânico Joseph Hooker visitou a ilha. Impulsionado por Darwin, Hooker aconselhou a Marinha Britânica que vegetar a ilha ajudaria a capturar a chuva e melhorar o solo. As árvores capturariam a umidade e reduziriam a evaporação, enquanto suas raízes quebrariam as rochas de lava e criariam solos mais espessos e argilosos.
Começando em 1850 e continuando por uma década, a Marinha Real importou milhares de mudas, abrangendo mais de 330 espécies diferentes, de jardins botânicos na Europa, África do Sul e Argentina. As plantas foram escolhidas especificamente para resistir às duras condições de vida neste deserto vulcânico.
Em vinte anos, mais de cinco mil árvores começaram a criar raízes. Elas cobriam a coroa do Monte Verde, o ponto mais alto da ilha, em um halo exuberante de bambus, enquanto altos pinheiros de Norfolk flanqueavam as encostas. Essas árvores foram plantadas para serem usadas como mastros de reposição para navios à vela.
Com a mudança da vegetação, o clima da ilha também mudou. Antes do início da terraformação, dificilmente uma nuvem passava por cima e as chuvas eram raras. Depois que a vegetação começou, os colonos da ilha notaram que as tempestades de chuva se tornaram mais frequentes.
Caroline Power, que visitou a ilha em 1834, relatou que - "...nos últimos três anos se percebeu uma mudança considerável no clima. Por meses juntos, tenho ouvido de vários que residem de 3 a 7 anos, assim como pelo capitão Bateb, nenhuma nuvem passaria sobre os céus, nem uma gota d'água cairia; mas, como a terra na montanha foi muito cultivada, ocorreu um aumento gradual da chuva e raramente passa mais de um dia sem chuva ou névoa na montanha; e durante os primeiros dez dias em que estivemos aqui caíram pequenas chuvas constantes."
O desenvolvimento da floresta na Ilha da Ascensão também causou uma mudança no ciclo da água da ilha. Anteriormente, o maior problema com a Ilha da Ascensão era a retenção de água. Agora, com as florestas, a água da chuva não escoava de volta para o mar, mas era retida pelo solo e pela floresta da ilha, absorvida pelas raízes e eventualmente evaporava das folhas para colocar mais umidade no ar. Isso criou um microclima úmido que esfriou a paisagem e aumentou as chances de mais chuva.
A flora do Monte Verde agora pode ser dividida em três zonas distintas: uma zona seca e quente abaixo de 330 metros com manchas de grama, arbustos adaptados a seco e pequenas algarobas espinhosas ou árvores de tabaco; de 330 a 630 metros, a cobertura é mais completa incluindo gramíneas, figos da Índia e árvores como o zimbro, o carvalho e a acácia.
Acima, em 660 metros está a zona enevoada e úmida que é completamente arborizada. Além de bambus e pinheiros Norfolk, há banana, gengibre, zimbro, framboesa, café, samambaias, figueiras e teixos do cabo. No cume, encontra-se um corpo aberto de água doce, a Lagoa do Orvalho, repleta de nenúfares azuis.
Esta zona é cerca de 7 graus mais fria do que as terras baixas, proporcionando aos residentes -a ilha tem uma população de 800 habitantes distribuída em cinco povoados- e aos turistas uma fuga do calor que dura um ano dos trópicos.
Em 2005, o Monte Verde se tornou o primeiro Parque Nacional da Ilha da Ascensão.
Há uma lição importante a ser aprendida com a Ilha da Ascensão. Se uma pequena floresta pode mudar completamente o clima daquela região, imagine o que a perda de plantas de habitats em todo o mundo está causando ao clima da Terra. Desde 1990, a terra perdeu cerca de 420 milhões de hectares de floresta. À medida que a população humana continua a crescer, esse número tende a aumentar. A única boa notícia é que a taxa de desmatamento vem apresentando tendência de queda nos últimos dois anos.
O Dr. Dave Wilkinson, ecologista da Universidade John Moores de Liverpool, acha o estranho ecossistema da Ilha da Ascensão empolgante.
- "O que isso nos diz é que podemos construir um ecossistema totalmente funcional por meio de uma série de acidentes fortuitos ou tentativa e erro." Wilkinson acredita que a Ilha da Ascensão é um grande exemplo onde os aspectos da construção e função do ecossistema, bem como a mitigação das mudanças ambientais globais causadas pelo homem, podem ser estudados.
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