Na década de 1920, a Ford procurou evadir o monopólio britânico sobre o fornecimento de borracha, usada principalmente para a produção de pneus e outras peças de automóveis. Henry Ford buscava alternativas e um local permanente para estabelecer uma colônia para produzir borracha. A América Central foi considerada; no entanto, ele ficou sabendo sobre as seringueiras nativas da Amazônia e isso, juntamente com outros fatores, causou uma mudança de planos. As negociações com o governo brasileiro começaram durante a visita do então governador do Estado do Pará, Dionísio Bentes, aos EUA para conhecer Ford. |
Fordlândia em 1934.
Um acordo foi assinado e o industrial americano recebeu uma área de cerca de 2,5 milhões de acres chamada "Boa Vista". O acordo isentava a Ford de impostos sobre a exportação de bens produzidos no Brasil em troca de 9% dos lucros, 7% indo para o governo brasileiro e 2% dos lucros para os municípios locais.
As obras na área começaram em 1926 pela Companhia Ford Industrial do Brasil, mas o projeto foi imediatamente prejudicado pela má logística e doenças que afetaram os trabalhadores que sucumbiram à febre amarela e à malária. Não havia estradas disponíveis na região, portanto, a área só era acessível pelo rio Tapajós.
O local foi desenvolvido como uma comunidade planejada com diferentes áreas da cidade sendo destinadas aos trabalhadores brasileiros e aos gestores americanos, que viviam na chamada Vila Americana. Casas típicas americanas foram construídas, assim como um hospital, escola, biblioteca e hotel. A cidade também tinha uma piscina, um parque infantil e um campo de golfe.
Em 1928, a Ford enviou dois navios mercantes -Lake Ormoc e Lake Farge- carregados de equipamentos e móveis, desde maçanetas até a torre de água da cidade. A cidade foi então fundada sob o nome de Fordlândia. Em busca de trabalhadores, foram abertos diversos escritórios nas cidades de Belém e Manaus, e, com a promessa de bons salários, pessoas dos estados vizinhos atenderam.
Em temperaturas mais baixas o látex se concentra nas áreas mais baixas da árvore, à medida que a temperatura aumenta durante o dia o látex se espalha por toda a árvore, tornando a sangria menos eficaz. Devido a isso, a jornada típica de um seringueiro começava de manhã cedo, por volta das 5h, terminando ao meio-dia. A plantação foi dividida em áreas e cada trabalhador foi atribuído a uma área diferente para evitar que os trabalhadores explorassem as mesmas árvores sucessivamente.
A cidade tinha um conjunto rigoroso de regras impostas pelos gestores. Álcool, mulheres, tabaco e até futebol eram proibidos dentro da cidade, inclusive dentro das próprias casas. Os inspetores iam de casa em casa para verificar como as casas estavam organizadas e fazer cumprir essas regras.
Os habitantes contornaram essas proibições remando para barcos mercantes ancorados fora da jurisdição da cidade, muitas vezes escondendo mercadorias contrabandeadas dentro de frutas como melancias. Foi assim que nasceu um pequeno assentamento a 8 quilômetros a montante na "Ilha da Inocência", com bares, boates e bordéis.
A terra era rochosa e infértil. Nenhum dos gerentes de Ford tinha o conhecimento necessário de agricultura tropical. Na natureza, as seringueiras crescem separadas umas das outras como mecanismo de proteção contra pragas e doenças, muitas vezes crescendo próximas a árvores maiores de outras espécies para maior suporte. Em Fordlândia, no entanto, as árvores foram plantadas juntas alinhadas, presas fáceis para a praga das árvores, formigas-do-mato, percevejos, aranhas vermelhas e lagartas das folhas.
Os trabalhadores das plantações recebiam comida desconhecida, como hambúrgueres e comida enlatada, e eram forçados a viver em casas de estilo americano. A maioria não gostava da maneira como eram tratados, sendo obrigados a usar crachás de identificação e trabalhar até o meio do dia sob o sol tropical, e muitas vezes se recusavam a trabalhar.
Foi assim que em 1930, os funcionários se cansaram da comida americana e se revoltaram no refeitório da cidade. Isso ficou conhecido como a Revolta de Quebra-Panelas. Os rebeldes cortaram os fios do telégrafo e afugentaram os gerentes e até mesmo o cozinheiro da cidade na selva por alguns dias até que o Exército Brasileiro chegasse para debelar o motim. Acordos foram então feitos sobre o tipo de comida que os trabalhadores receberiam a partir de então.
O governo brasileiro desconfiava de qualquer investimento estrangeiro na região norte da Amazônia, e ofereceu pouca ajuda. Não demorou muito para que os inúmeros problemas começassem a afetar o projeto e foi tomada a decisão de se mudar. Fordlândia foi abandonada pela Ford em 1934, e o projeto foi transferido rio abaixo para Belterra, 40 quilômetros ao sul da cidade de Santarém, onde existiam melhores condições para o cultivo da borracha.
Em 1945, a borracha sintética foi desenvolvida, reduzindo a demanda mundial por borracha natural. A oportunidade de investimento da Ford secou da noite para o dia sem produzir nenhuma borracha para os pneus da Ford, e a segunda cidade também foi abandonada. Apesar do enorme investimento e dos inúmeros convites, Henry Ford nunca visitou nenhuma de suas malfadadas cidades.
Com a morte de Henry Ford, seu neto Henry Ford II assumiu o comando da empresa nos Estados Unidos e decidiu encerrar o projeto de plantação de seringueiras no Brasil. Em 24 de dezembro de 1945, o governo definiu as condições de compra do acervo da Companhia Ford Industrial do Brasil e a empresa foi indenizada em aproximadamente 250 mil dólares, aproximadamente 10% do que a Ford gastou no projeto, causando um prejuízo na época de mais de US$ 20 milhões (equivalente a US$ 301 milhões hoje).
O governo brasileiro assumiu as obrigações trabalhistas dos trabalhadores remanescentes, além de todas as instalações: seis escolas (quatro em Belterra e duas em Fordlândia), dois hospitais, estações de captação, tratamento e distribuição de água, usinas de força; mais de 70 quilômetros de estradas, dois portos fluviais, estação de rádio e telefonia, duas mil casas para trabalhadores, trinta galpões, duas unidades de beneficiamento de látex e a plantação de 1.900.000 seringueiras em Fordlândia e 3.200.000 em Belterra.
Entre a década de 1950 e o final da década de 1970, após a devolução dos direitos às terras, o governo, por meio do Ministério da Agricultura, realizou uma série de instalações na área. As casas que antes pertenciam aos seringueiros de Ford foram entregues às famílias dos funcionários do Ministério, cujos descendentes ainda as ocupam.
Este projeto também teve vida curta e deixou a cidade quase completamente abandonada ao chegar ao seu fim. A cidade permaneceu habitada por cerca de 90 pessoas até a segunda metade da primeira década do século XXI. Nenhum serviço básico era oferecido na região, com ajuda médica vindo apenas de barco em longos intervalos. Isso mudou quando as pessoas que procuravam lugares para morar decidiram voltar para a cidade, muitas vezes reivindicando casas. A cidade, agora um distrito de Aveiro, é o lar de cerca de 3.000 pessoas.
A maioria dos edifícios originais ainda está de pé, com exceção do hospital, que foi desmantelado por saqueadores no final dos anos 2000. Antes de ser desmontado, várias polêmicas ocorreram em relação às máquinas de raios X do hospital. Várias caixas marcadas contendo material radioativo foram deixadas para trás. Isso gerou temores de contaminação entre a população das cidades vizinhas, com muitas pessoas mencionando o acidente do Césio 137 em Goiânia, fazendo com que as autoridades retirassem os materiais após um clamor.
Considerada o símbolo de Fordlândia, a torre d'água de 50 metros de altura está localizada ao lado dos armazéns principais. Assim como a maioria dos equipamentos da cidade, foi construída em Michigan e levada para Fordlândia por navio mercante. A torre de água, a estação de tratamento de água e toda a sua canalização original ainda estão em funcionamento.
As seis casas da Aldeia Americana ainda tinham seus móveis originais, talheres e até roupas que foram abandonadas quando a cidade ficou deserta. As casas foram reivindicadas por moradores e a maioria dos itens foram vendidos ou levados como lembranças. Uma das casas foi destruída por um incêndio.
Fordlândia não foi completamente esquecida. Muitos escritores já destacaram a utopia de Ford em suas obras. O historiador da Universidade de Nova Iorque Greg Grandin lançou o livro "Fordlândia: A ascensão e a queda da cidade perdida na selva de Henry Ford", considerado um dos cem melhores livros publicados em 2009 pela Amazon.
Além disso, um documentário sobre a cidade, intitulado "O delírio perdido de Ford (acima), também foi
realizado por Marinho Andrade e Daniel Augusto, em 2008.
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