Masabumi Hosono era um funcionário do Ministério dos Transportes do Japão que viajou para a Rússia e depois para a Inglaterra para estudar operações ferroviárias que depois seriam aplicadas em seu país. Ele embarcou no RMS Titanic em Southampton, também chamado de "o navio dos sonhos", antes que a tragédia acontecesse. Hosono foi acordado por uma batida na porta de sua cabine de segunda classe com o alerta que o navio estava afundando. Ele correu para fora, mas, como estrangeiro, foi mandado para os conveses inferiores, longe dos barcos salva-vidas. |
Como funcionário do governo, ele tinha dinheiro para viajar na primeira classe se quisesse, mas como não-brancos não eram bem-vindos na primeira classe na época, ele viajou como passageiro de segunda classe.
- "O tempo todo, sinalizadores de emergência estavam sendo disparados para o ar sem parar, e horríveis flashes azuis e ruídos eram simplesmente aterrorizantes", escreveu Hosono em uma carta à sua esposa. - "De alguma forma, não consegui dissipar o sentimento de medo e desolação absolutos."
Quando todos os bote salva-vidas já estavam ocupados, ele fez resignado o seu caminho de volta para o convés superior.
- "Tentei me preparar para o último momento sem agitação, decidindo não deixar nada vergonhoso como japonês" explicou. - "Mas ainda assim me vi procurando e esperando por qualquer chance possível de sobrevivência."
Sua chance veio quando um oficial que controlava a entrada nos botes salva-vidas gritou "Espaço para mais dois". Um primeiro homem interveio, Lawrence Beasley, correu e pulou no bote. Hosono estava mergulhado em um pensamento desolado de que não poderia mais ver sua amada esposa e filhos, pois não havia alternativa para ele a não ser compartilhar o mesmo destino do Titanic. Mas o exemplo do primeiro homem o levou a aproveitar esta última chance.
- "Depois que o navio afundou, voltaram novamente os gritos assustadores daqueles que se afogavam na água", contou o homem. - "Nosso bote salva-vidas também estava cheio de choro, crianças e mulheres preocupadas com a segurança de seus maridos e pais. E eu também estava tão deprimido e infeliz quanto eles, sem saber o que seria de mim a longo prazo."
Por volta das 8h do dia 15 de abril, os passageiros do bote salva-vidas foram resgatados pelo RMS Carpathia. Uma vez a bordo, Hosono dormiu na sala de fumantes, mas evitou a tripulação o quando pôde, pois era alvo de piadas dos marinheiros, a quem chamava de "um bando de marinheiros inúteis para quem qualquer coisa que eu diga cai em ouvidos moucos". No entanto, ele acabou revidando, mostrando-lhes uma tenacidade de buldogue e acabou ganhando o que chamou de "um pouco de respeito".
Ele ainda tinha nos bolsos do casaco um maço de papel timbrado com o timbre do Titanic no qual ele havia começado a escrever uma carta para sua esposa em inglês. Durante a estadia no Carpathia, ele usou o papel para escrever um relato em japonês de suas experiências. Este é o único documento conhecido que existe em papel timbrado do Titanic.
Inicialmente, quando voltou ao Japão, foi saudado como sobrevivente e se tornou uma subcelebridade dando entrevistas para várias revistas e jornais, mas, logo após algumas semanas, a opinião pública mudou e ele foi execrado e atacado em seu próprio país só por ser um sobrevivente quando tantos outros morreram. Não ajudou muito também que supostamente um "testemunho" de que "...havia um japonês desagradável que subiu em um bote salva-vidas empurrando os outros para longe" se espalhou no Japão.
Ele foi então demitido do Ministério dos Transportes, jornais japoneses caluniaram sua covardia, livros didáticos citaram sua sobrevivência como um modelo de comportamento vergonhoso e um professor de ética o denunciou como imoral.
Mais tarde, ele foi denunciado como clandestino, primeiro por Archibald Gracie, passageiro de primeira classe e sobrevivente do Titanic, que escreveu um livro muito popular com seu relato do desastre, enquanto o marinheiro no comando do bote, Edward Buley, "falsamente" testemunhou durante o Inquérito do Senado Americano que Hosono e Lawrence Beasley tinham se disfarçado de mulher para poder se esconder a bordo do bote 13.
Uma investigação posterior, feito por um estudioso da história do Titanic, descobriu que Beasley e Hosono entraram em outro bote salva-vidas com base em uma pesquisa de registros de outros passageiros. Os registros indicavam que apenas homens e mulheres armênios estavam no bote salva-vidas número 10 em que Hosono embarcou. Ademais no momento do naufrágio Hosono estava barbudo e jamais poderia ter se passado por mulher. Por outro lado, havia um chinês no barco 13, que Edward Buley pode ter confundido com Hosono.
Diferente de Hosono, o jornalista e escritor inglês Lawrence Beasley (foto acima mostra ele na academia do Titanic) jamais foi assediado pela mídia, ao contrário, escreveu um livro de sucesso sobre sua experiência, "The Loss of the SS Titanic", publicado apenas algumas semanas após o desastre.
Estranhamente, um artigo sensacionalista de 1997 diz que em uma passagem do livro de Beasley consta que Hosono foi abominado no Japão pelo tal "testemunho" do "japonês desagradável que empurrou todo mundo no bote". Mas em nenhum momento Beasley, que, sim, era um riquinho mimado, cita Hosono ou qualquer japonês.
Hosono nunca procurou se defender, de fato, vivia nas sombras da vergonha e nem com a família falava sobre o assunto. Mas acabou sendo recontratado em seu antigo cargo mais tarde -seus conhecimentos eram de vital importância para o sistema ferroviário japonês que começava a florescer-, quando as inverdades sobre ele foram mais ou menos desmentidas, mas sua carreira nunca mais foi a mesma. Ninguém nunca se desculpou. Nenhum jornal publicou uma retratação.
A vergonha do homem quebrado pela vida, cujo "erro" foi tentar sobreviver, persistiu até sua morte em 1939, e mesmo muito depois a história de Hosono permaneceu uma fonte de vergonha para sua família por décadas.
Quando o navio japonês Toya Maru afundou em 1954, Hosono foi novamente arrastado para a lama. E outra vez a imprensa sapateou sobre sua sepultura no lançamento do filme de enorme sucesso de James Cameron em 1997, "Titanic". Foi quando a filha de Hosono, cansada de ver o nome do pai na lama, divulgou a carta para a mídia. Desde então a apreciação mediática de Hosono ficou em um espécie de limbo: ninguém fala bem, mas também não fala mais mal.
Matt Taylor, presidente e diretor executivo do Titanic Exhibition Japan, um organização de exposições sobre o Titanic, disse que as memórias de Hosono foram tão chocantes que seu corpo tremeu quando as leu, e que não há outro registro que descreva com precisão o estado psicológico dos passageiros no momento do acidente.
Em 2015 a rede de TV NHK decidiu desenterrar o caso. Em uma entrevista com Bob Bracken, diretor da Fundação Titanic, ele diz que o depoimento de um armênio chamado Frekorian, indica que tanto Hosono quanto Beasley embarcaram no bote 10 a convite, sem empurrar ninguém. De fato eles ajudaram a colocar crianças e mulheres no bote e este pode ter sido o motivo pelo qual foram convidados a embarcar.
Ademais as amarras do bote 10 e 15 se entrelaçaram e quase que ambos despencaram no mar, mas um foguista conseguiu soltar as cordas. Um dos homens acendeu um cigarro, mas logo apagou quando foi advertido. Ambos foram muito solícitos com as crianças no barco. A Fundação, com efeito, publicou um boletim de 12 páginas em 1998, logo após o filme, indicando que não há nenhuma ação desonrosa de Hosono.
Haruomi Hosono, neto de Masabumi e membro principal da banda Yellow Magic Orchestra, declarou que estava extremamente aliviado:
- A honra dos Hosonos foi finalmente restaurada!"
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