No norte do Haiti, no topo do monte Bonnet a uma altitude de cerca de 900 metros, e 27 quilômetros ao sul da cidade de Cabo Haitiano, está é a maior fortaleza de toda a América, a Cidadela de Laferrière. É considerada a única fortificação militar de origem africana do Novo Mundo e um ícone do país caribenho. A construção começou em 1805 e a obra durou 15 anos até sua conclusão em 1820. Foi projetada e encomendada por Henri Christophe como parte de um sistema de fortificações destinado a impedir uma possível incursão francesa no local. |
Christophe era um general do exército haitiano durante a revolução que trouxe a independência do país da França, e que foi a única revolta de escravos bem-sucedida na história. Apesar da liberdade da instituição da escravidão e conseguir sua independência da colônia, sendo o primeiro país da América a realizar este feito, o Haiti vivenciou um processo posterior que levou o país à miséria. Situação em que se encontra até os dias atuais.
O confronto com o seu colega revolucionário Alexandre Pétion, do movimento dos Jacobinos Negros, levou-o a separar o norte do país, que controlava, e a proclamar-se rei em 1811.
A fortaleza, que foi erigida por mais de 20.000 ex-escravos, dos quais aproximadamente 2.000 morreram, foi construída no interior como um ponto de observação que permitiu que as forças haitianas observassem desde os vales próximos até a costa.
Uma vez concluída, foi equipada com 365 canhões de diferentes tamanhos, recuperados do grande número de peças de artilharia deixadas pelos europeus na ilha. Ainda hoje é possível ver as grandes reservas de balas de canhão acumuladas em pilhas piramidais na base das muralhas da fortaleza.
O plano de Christophe era que seus homens queimassem as colheitas e alimentos armazenados ao longo de toda a costa e depois se retirassem para a fortaleza pela única estrada de montanha que leva a ela. No entanto, o esperado ataque dos franceses nunca aconteceu e, com o tempo, a cidadela foi abandonada.
A França sabia que não podia mais medir forças com os ex-escravos revoltosos, que exterminaram a quase totalidade da população branca da ilha, formada pelos proprietários e administradores, que contava com um número de mais 35 mil pessoas.
Mas antes de terminar a construção em 1820, o ataque partiu de suas próprias tropas, insatisfeitas com seu governo despótico. Christophe, assim como os monarcas europeus decidiu se cercar de príncipes, condes, marqueses e cavaleiros. O General escolheu resolver o assunto atirando uma bala de prata no próprio peito. Diz a lenda que seus seguidores mais leais o enterraram em algum lugar dentro da cidadela.
Seu filho, o herdeiro do trono, não se saiu melhor nas mãos dos rebeldes e o Reino do Haiti desapareceu para sempre. A rainha viúva e suas filhas conseguiram fugir para a Itália e viveram em Pisa até o fim de seus dias.
A fortaleza tem dimensões colossais com paredes que se elevam 40 metros do topo da montanha nas partes mais altas, e chegam a 9 metros de largura nas mais grossas. Toda a estrutura cobre uma área de 10.000 metros quadrados. As grandes pedras de fundação repousam diretamente sobre a rocha do cume, e os haitianos teriam usado uma mistura de argamassa que incluía cal, melaço, sangue animal e cascos de vaca cozidos em uma pasta pegajosa.
Dentro há grandes cisternas e armazéns que foram projetados para armazenar comida e água suficientes para 5.000 defensores por um ano. As instalações também incluem masmorras, banheiros e fornos de pão.
A estrutura parece, desde o caminho que atravessa a montanha até sua base, a proa de um grande navio de pedra que se projeta sobre a encosta. Sua estrutura é angular e irregular, algo destinado a desviar balas de canhão em caso de ataque.
Nunca foi terminada ou usada e é por isso que a maior parte da fortaleza não tem telhado, mas a sua parte superior é constituída por uma rede de passarelas de pedra. Foi severamente afetado pelo terremoto de 1842.
Hoje você pode percorrer o caminho de 11 quilômetros que leva à cidadela a partir do Palácio Sans-Souci em Milot, a pé ou de jipe, embora também haja a possibilidade de alugar um cavalo. A viagem é toda uma subida. Você pode escalar as passarelas de pedra no telhado, com cautela, pois elas não possuem grades ou qualquer outro sistema de segurança.
O Haiti continua a ser o país mais pobre da América e um dos mais pobres do mundo, segundo o Banco Mundial. As razões para isso são várias. O país foi cenário da colonização europeia, ocupado pelos Estados Unidos, passou por revoluções e diversas ditaduras. Em 1957, por exemplo, François "Papa Doc" Duvalier impôs ao longo de 28 anos um dos regimes mais corruptos e repressivos da história moderna.
A brutal vingança contra os brancos levada a cabo após a França se render trouxe o desprezo de várias nações, quase todas escravocratas. Nenhuma reconheceu o Haiti diplomaticamente.
Foi ai que ocorreu um dos mais vergonhosos capítulos do colonialismo europeu. Em 17 de abril de 1825, o então presidente haitiano Jean-Pierre Boyer assinou um acordo com o rei Carlos 10, da França. O acerto prometia ao Haiti reconhecimento diplomático pela França em troca de uma redução de 50% das tarifas alfandegárias às importações francesas e uma indenização de 150 milhões de francos (cerca de US$ 21 milhões hoje), pagos em cinco parcelas.
Supostamente essa seria a compensação aos produtores franceses pelas propriedades que haviam perdido -em uma terra que não era deles- não apenas as terras mas também os escravos. Se o governo haitiano se recusasse a assinar o tratado, o país não só se manteria isolado diplomaticamente como seria cercado por uma frota de embarcações de guerra francesas que estava na costa haitiana.
Os 150 milhões de francos equivaliam ao décuplo das receitas anuais do governo haitiano, assim o Haiti teve que recorrer a um empréstimo para pagar a primeira parcela. Foi dessa forma que iniciou formalmente o que se conhece hoje como a dívida da independência.
Um banco francês emprestou ao Haiti 30 milhões de francos,que era o valor da primeira parcela devida, e deduziu automaticamente desse valor 6 milhões em comissões bancárias. Com os 24 milhões de francos que sobraram, o Haiti começou a pagar as indenizações à França, Vejam só a rapinagem descarada: o dinheiro passou direto dos cofres de um banco francês para os do governo francês.
Dessa forma, o Haiti ficou devendo 30 milhões de francos ao banco francês, e mais 6 milhões de francos ao governo da França referentes ao valor que faltou da primeira parcela.
Isso acabou se tornando uma espiral sem fim de dívidas para pagar a indenização que era alta demais para os cofres do país caribenho mesmo quando foi reduzida à metade, em 1830. Foi exatamente por isso que mais tarde, em 1844, o lado leste da ilha se declarou definitivamente independente do oeste, formando a República Dominicana.
Desde aquele acordo vergonhoso de 1825, o Haiti teve que pedir grandes empréstimos a bancos americanos, franceses e alemães, com taxas de juros exorbitantes que comprometiam a maior parte das receitas do país.
Finalmente, em 1947, o Haiti terminou de compensar os produtores franceses, mas foram 122 anos pagando dívidas desde a independência. Isso explica, em parte, porque a república de população majoritariamente negra mais antiga do mundo, que no continente americano como um todo, foi a segunda república a se formar, atrás apenas dos Estados Unidos, continua na miséria.
O MDig precisa de sua ajuda.
Por favor, apóie o MDig com o valor que você puder e isso leva apenas um minuto. Obrigado!
Meios de fazer a sua contribuição:
- Faça um doação pelo Paypal clicando no seguinte link: Apoiar o MDig.
- Seja nosso patrão no Patreon clicando no seguinte link: Patreon do MDig.
- Pix MDig ID: c048e5ac-0172-45ed-b26a-910f9f4b1d0a
- Depósito direto em conta corrente do Banco do Brasil: Agência: 3543-2 / Conta corrente: 17364-9
- Depósito direto em conta corrente da Caixa Econômica: Agência: 1637 / Conta corrente: 000835148057-4 / Operação: 1288
Faça o seu comentário
Comentários