As hemorróidas do Luisão

Quando Luisão, farto de sofrer em silêncio com suas hemorróidas, decidiu ir ao hospital, nem podia imaginar o aspecto que as coisas tomariam. Os banhos de assento, o toque mágico do remédio caseiro a base de babosa que sua avó ensinara e o frasco de Hemovirtus já não adiantavam mais.

Precisava ajuda urgente e especializada para recuperar a habilidade de sentar-se, de modo que chamou um táxi, ajoelhou-se no assento traseiro dando as costas a um atônito motorista e pediu para ser levado diretamente ao pronto-socorro.

Na consulta, ajoelhado sobre a maca e apoiado de cotovelos, começou a notar que algo não ia bem logo que o primeiro médico olhou suas nádegas.

- "Não pode ser", disse o médico desconcertado. "É incrível". E acrescentou dando um grito: "Pereira vem aqui ver um negócio".

Luisão nem se importou. O grau de dor era uma clara indicação que o nível de suas varizes retais eram extraordinárias, de modo que não ficou alarmado se requeresse uma segunda opinião.

Dr. Pereira chegou e, assombrado ante o espetáculo, tirou os óculos, limpou-os no jaleco branco e voltou a colocá-los. "Isso é impossível, não dá para acreditar. Mas isso é... Pqp! Nem me atrevo em dizer", comentou.

Luisão, perplexo, começou a tranquilizar os médicos:

- "Ouçam, em minha família as hemorróidas são uma coisa singular que se herda de geração em geração. Suponho que terão visto poucas como esta, mas me façam o favor, não esqueçam o juramento hipocrático. Eu preciso de ajuda".

No entanto, as vozes dos médicos tinham alertado dona Joaninha, zeladora do serviço de limpeza, nascida em São Francisco do Sul e muito devota da Virgem das Garças. De modo que quando entrou no box e topou com dois médicos observando assombrados um traseiro, dedicou só um segundo a contemplar aquela inflamação sanguinolenta e gritou em êxtase:

- "Meu Deus, Maria e José! Mas é nossa senhora Virgem das Garças".

Dr. Pereira, concordou a contragosto. "A verdade é que parece mesmo. Com sua coroa, a silhueta dos pássaros nos ombros e até o arco estrelado em sua base".

Dr. Golçalves, o primeiro médico, um homem de reta formação científica e caráter cético a prova de bombas acrescentou. "É verdade, uma das pareidolias mais espantosas que eu já vi. Mas não vamos esquecer que falamos de hemorróidas e que este jovem precisa de um remédio".

Podemos imaginar a cara de surpresa de Luisão quando os médicos, com a ajuda de dois espelhos, lhe mostraram o casual aspecto de sua "rabeta". O que não dá para imaginar foi a raiva que sentiu ao ouvir o clique do celular de Dona Joaninha, que não se importando com as elementares leis da discrição, fotografou aquela "buzanfa" judiada.

- "O que esta louca está fazendo?" Gritou Luisão como um possesso. Mas já era tarde, a zeladora saiu correndo pelo corredor gritando: "Milagre, milagre!"

Ferido também em seu orgulho e depois de ameaçar os médicos com denúncias por intromissão em sua moral e honra, Luisão da Silva preferiu em princípio centrar se em seu mau retal. A inflamação não cedia, de modo que os médicos decidiram deixar da Silva e seu ânus em observação um par de horas.

Jogado em uma maca, de bruços e coberto com uma lençol do SUS, Luisão resolveu ligar para seu advogado. Em um piscar de olhos os administradores do pronto-socorro solucionaram o assunto da malfadada foto "pelas costas". O conselho chamou Dona Joaninha, que em todo momento contemplava Luisão com um jeito reverencial e beatífico, e esta aceitou -não sem antes protestar– que a imagem da discórdia fosse apagada.

Bem mais tranquilo, Luisão resolveu relaxar. Não imaginava que seu cu virginal era nesse momento motivo de debate até nos círculos de erudição ortodoxa de todo quanto é boteco de Joiville.

Efetivamente, antes de que a mencionada zeladora aceitasse deletar sua relíquia fotográfica, enviou uma cópia por bluetooth a seu amigo Joãzinho, o entregador de marmitas que, por sua vez maravilhado, enviou a imagem por SMS a sua prima Margarida, telefonista do Hospital Dona Francisca, que então publicou a foto no seu Orkut e enviou por e-mail aos seus 382 contatos do MSN. Em pouco mais de meia hora o rabo do Luisão estava sendo exibido no Youtube com uma mensagem bacana e uma música sacra de fundo com o título "Aparecimento marianal". Apesar das brigas entre blogueiros de quem teria copiado quem, a imagem e matérias relacionadas replicaram por todos os blogs do Brasil:

• Fuinha do PV mostrou algumas fotos comprometedoras de Dona Joaninha, de quando ela ainda trabalhava no cais;
• O Thales do Lista 10 fez uma lista completa com as maiores pareidolias da história;
• Ester Beatriz do Saber conclamou seus queridos leitores a saber que a hemorróida não é nada boa e deu dicas de como evitá-la de uma forma natural;
• Oneberto resolveu trocar todas as banquetas do seu Buteco por outras mais confortáveis, já que o Luisão é freguês do local e sua hemorróida pode ter se complicado ali;
• Já o Budah do Uhull editou a imagem, colocou um balão de legenda e intitulou Habla Aih Karaih!?.
• Knuttz, escandalizado por como tinham desgraçado a vida do pobre Luisão, escreveu um Manifesto a Favor da Defesa da Intimidade nos Centros de Saúde e colocou como tópico fixo no Uêba.

Poucas horas mais tarde, um garoto de Miami enviou a imagem ao Digg, onde –entre risos e com o título "Apparition of the Holy Virgin at particular cave"– recebeu mais de 300 votos em menos de 10 minutos; 30 segundos depois ela estava no topo do Reddit. Depois vieram o Boing Boing, TotalFark, SlashDot e mais de 4 milhões de sites internacionais de diversas temáticas.

Quando Luisão da Silva recebeu alta, 50 jornalistas o aguardavam na porta do hospital e um cordão policial controlava centenas de pessoas desejosas de ver o cu da discórdia. Todo o espectro da mídia de massa estava presente:

- "Poderia dar uma entrevista exclusiva para nós, antes que a Record nos quebre de vez?" perguntava um repórter da Globo.

- "Você vai processar o hospital?", perguntava uma mocinha com o crachá da revista Veja.

- "Que tal ter passado aos anais da história?", insistia um integrante do CQC com piadinhas sem graça.

Algumas senhoras de meia idade chamavam lhe apóstata, descarado e descrente, mas os jovens defenderam Luisão e vaiaram às crentes iracundas. Ante semelhante panorama, da Silva tentou cobrir o rosto com uma jaqueta; ninguém tinha advertido do show mediático que suas hemorróidas tinham protagonizado em meio planeta enquanto estava hospitalizado. Mas uma vez mais era tarde, seu rosto apareceu em todos os telejornais fazendo par com a tristemente famosa imagem da "virgem da gruta".

Nos dias que seguiram, recebeu ameaças de morte de grupos ultra católicos e convites milionários da Globo para ser entrevistado pelo Zeca Camargo. Lula caçoou sobre sua história ante o Congresso e a "candidata" indicou de forma indireta de que Luisão faria parte do grupo de oposição.

Dona Joaninha, por sua vez, aceitou a entrevista com o Gugu e apareceu no programa vestida com um xale e um véu branco sobre a cabeça se expressando com ar afetado, como quem falasse em nome de uma horda de fiéis. Acabou ganhando do programa a construção de uma capela onde fundou a igreja da Santa Pareidolia e conseguiu esvaziar os bolsos de uns quantos crédulos; ganhou o suficiente para comprar alguns carros importados e um apartamento de luxo em Camboriú. Finalmente se declarou para o Joãozinho, que além de seu amante se tornou bispo do templo que é jocosamente conhecido pelas pessoas do lugar como templo de "Oracução"

Pressionado pela mídia, da Silva teve que se esconder na casa de uma ex-esposa à espera de que o temporal cessasse. Conseguiu-o durante 1 dia e meio, mas o valor mediático de sua história (o maior na rede desde Susan Boyle diziam alguns), fez com que sua ex terminasse por dar com a língua nos dentes em troca de um bom punhado de reais.

Ainda ontem ele apareceu no Jornal Nacional: estava algemado sendo encaminhado por policiais da federal a um presídio de segurança máxima. O motivo? Ao que parece o patronato protetor da imagem original da Virgem das Garças tinha adquirido todos os direitos de reprodução da imagem. E um juiz acatou o pedido do Ministério Público que pedia a sua prisão por considerar como provas irrefutáveis que aquelas hemorróidas eram uma flagrante reprodução não autorizada de uma obra protegida pelo copyright.

Enquanto era jogado no camburão estampado com a logo da PF, Luisão se arrependia amargamente de ter procurado ajuda, ao mesmo tempo que uma dor profunda anunciava uma nova crise almorreimal.