É uma história tão velha quanto o homem. No ano 2270 a.C., um explorador egípcio chamado Herkhuf viajou ao Sudão a procura de tesouros. Voltou carregado de marfim, ébano, borracha aromática e peles, mas nenhum destes presentes satisfez mais ao faraó Pepi II, de oito anos, que um bailarino pigmeu procedente das tribos sudanesas. Causou sensação na corte, e por isso Herkhuf foi coberto de esplêndidos presentes. |
Quatro milênios mais tarde, nos EUA, a terra dos novos faraós, repetiu-se o episódio. Com contornos mais sangrentos inclusive. Ota Benga, um pigmeu levado do Congo em 1904, acabou sendo exibido na jaula dos gorilas do zoológico de Nova York.
Hoje os aproximadamente 250.000 pigmeus que vivem entre Camarões, Congo e Gabão estão ameaçados pelos conflitos étnicos. As guerrilhas na República Democrática do Congo consideram-nos uma espécie subumana cuja carne confere poderes mágicos a quem a consome. O desflorestamento, promovido pelos fazendeiros, mas sobretudo pelas companhias madeireiras européias e chinesas, está destruindo as sua áreas de moradia, e a cada vez mais são vistos vagando por grandes cidades como Mombaça, onde sobrevivem com trabalhos ocasionais ou se dedicando à prostituição.
O lacerante exemplo de Ota Benga, serve para recordar uma das mais vergonhosas feridas abertas pelo homem branco na África.
Em 1888 o rei belga Leopoldo II, o dono do Congo, organizou na colônia um exército de mercenários chamado Force Publique. Constituíam um corpo de polícia, força anti-guerrilheira e exército de ocupação que já em 1900 atingia os 19 mil homens encarregados de conter tanto as numerosas sublevações étnicas, como de garantir o trabalho escravo de carregadores e coletores de borracha. Enforcamentos, torturas e mutilações eram os métodos de dissuasão que utilizavam em suas expedições de castigo.
Samuel Verner e um casal de pigmeus
Numa delas arrasaram um povoado, assassinando e desmembrando àqueles nativos em estado inferior de evolução. Entre os mortos estavam a mulher e os filhos de Ota Benga, um pigmeu que tinha saído a caçar e regressava ao povoado para comunicar que tinha abatido um elefante. Capturado pelos assassinos de sua família, Ota Benga foi levado a um mercado de escravos.
Ali foi visto por um famoso explorador chamado Samuel Verner, que estava procurando pigmeus para exibi-los na Exposição Universal de Saint Louis, no estado do Missouri, de 1904. Verner agachou-se e inspecionou Ota, separando-lhe os lábios para examinar seus dentes. Gostou da mercadoria e trocou-o por um saco de roupa. Ota ainda ajudou Verner a convencer outros pigmeus para que lhes acompanhassem a Saint Louis.
Não era uma prática estranha. Vistos como curiosidade antropológica pelos primeiros exploradores europeus que visitaram a África, os pigmeus, homenzinhos que mediam no máximo 1,35 metros, sempre tiveram em suas características físicas uma senha de identidade ao mesmo tempo em que um passaporte para o escárnio.
Ota Benga e outros membros da exibição de 1904
Já em 1897, Leopoldo II tinha disposto que na Exposição Universal de Bruxelas fosse apresentada uma cenografia daquele Congo longínquo e pitoresco que lhe produzia tão notáveis benefícios. Fez trazer da África 267 homens, mulheres e crianças entre os quais dois pigmeus e organizou uma representação da vida Africana que atraiu a atenção de um milhão de visitantes.
Ante eles, os africanos dançavam diante de réplicas de choupanas de bambu com telhado de palha. Os visitantes lançavam-lhes comida, o que produziu indigestões entre os indígenas até o ponto de que o próprio rei Leopoldo ordenou colocar um cartaz que dizia: "Os negros só podem ser alimentados pelo comitê organizador". Quando chegava a noite eram recolhidos nos estábulos reais.
Selvagens Primitivos
Assim como os africanos de Leopoldo, quando Ota Benga chegou nos EUA foi exibido junto com seus colegas na seção de antropologia da Exposição, expostos embaixo de uma epígrafe de "selvagens primitivos". Sua presença e a dos demais pigmeus foi muito celebrada pelo numeroso público que se acercou para visitar a Exposição, 20 milhões de pessoas que deixaram 25 milhões de dólares em bilheteria.
Alguns antropólogos aproveitaram Ota e seus colegas como ratos de laboratório para seus estudos. Neste aspecto submeteram os pigmeus a diversos testes de inteligência que, com indissimulado racismo, serviram para proclamar que os "negrinhos" se comportavam da mesma forma que pessoas mentalmente deficientes, cometendo muitos erros estúpidos e demorando muito tempo em executar as provas mais simples. Algo fácil de compreender se levarmos em conta que ainda 20 anos depois autores como Crookshank seguiam sustentando que o homem branco provia dos primatas mais inteligentes, os chimpanzés; os orientais, dos orangotangos, e os negros, dos fortes mas pouco inteligentes gorilas.
Acabada a Exposição, Verner cumpriu sua palavra e levou Ota e seus amigos de regresso a África. Ali, Ota Benga voltou a casar-se quase de imediato, mas sua segunda mulher morreu pela picada de uma cobra. Só, sem família, nem clã que lhe protegesse, e com o resto de pigmeus repudiando-o pelas más experiências passadas na terra do homem branco, Ota Benga voltou a se juntar com Samuel Verner, lhe acompanhando em sua volta a América.
De novo nos EUA, o explorador vendeu os animais capturados na África a diferentes zoológicos. Segundo explica Phillips Verner Bradford, neto de Verner e co-autor, com Harvey Blume, do livro "Ota Benga: The Pigmy In The Zoo", o explorador entrou numa bancarrota, seu patrimônio foi embargado e a tutela de Ota Benga ficou nas mãos do Museu Americano de História Natural. Ota Benga acabou em Nova Iorque.
Dentes Afiados
William Hornaday, diretor do Bronx Zoological Garden da cidade, quis então tornar realidade uma velha aspiração: formar a hierarquização das raças numa espécie de representação que mostrasse a supremacia do homem branco sobre os selvagens africanos, a quem considerava análogos aos macacos. Com tal motivo, misturando um verniz pseudo-antropológico com uma populista representação circense, Ota Benga teve os dentes limados para dar-lhes forma pontiaguda e foi encerrado numa jaula compartilhando espaço com um orangotango.
Inicialmente, ele podia caminhar pelo zoológico e inclusive ajudava na alimentação dos animais. Mas quando foi colocado em exibição, Benga passou a fazer parte da "Casa dos Macacos", além disto carregava sua rede, seu arco e flecha e inclusive os disparava como parte do bizarro show. No primeiro dia da exibição, 8 de setembro de 1906 os visitantes podiam ler a seguinte informação na frente da jaula: "Pigmeu Africano Ota Benga. 23 anos de idade. Altura: 4 pés e 11 polegadas. Peso: 103 libras. Trazido da foz do rio Kasai, Estado Livre do Congo, Centro Sul da África pelo Dr. Samuel Phillips Verner".
O Diretor do Zoológico do Bronx William Hornaday viu a exibição como um espetáculo valioso inclusive economicamente dado seu elevado número de visitantes, e foi auspiciada por Madison Grant um proeminente geneticista racista.
O público se amontoava ante seu habitáculo, ávido para contemplar aquele homenzinho, que mal media 1,35 metros. Muitos se admiravam com seus dentes afiados "para devorar carne humana", segundo era divulgado na imprensa. Explorando esta lenda, os responsáveis do zoo encarregaram-se de semear de ossos o piso da jaula, o que excitava ainda mais a curiosidade das até 40.000 pessoas que iam vê-lo em alguns domingos.
Mas aquela situação não podia se prolongar e algumas instituições religiosas foram em sua ajuda. Uns dizem que por caridade; outros, que para evitar a difusão de teorias evolutivas.
No final de setembro de 1906, Ota Benga foi levado para o Orfanato e Asilo Howard Colored onde ficou até 1910 quando passou à tutela da poetisa Anne Spencer, que mandou arrumar os seus dentes e deu-lhe roupas ao estilo americano.
Benga estudou e começou a trabalhar numa fábrica local de fumo. Apesar de sua pequena estatura, era considerado um funcionário importante porque era capaz de trepar até as polias e tirar as folhas de fumo sem ter que usar cordas. Seus amigos começaram a chamá-lo de "Bingo".
No entanto, Ota Benga, estava preso entre dois mundos, sem poder regressar a África e visto principalmente como uma curiosidade nos Estados Unidos. Em 20 de março de 1916, à idade de 32 anos, arrancou as coroas que tinham implantado em seus dentes, fez um ritual de dança tribal e disparou no próprio peito com uma pistola que tinha roubado. Em seu atestado de óbito aparece como Ota Bingo.
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Comentários
Reparem no título do libro "A origem das espécies pela seleção natural ou a preservação de raças favorecidas na luta pela vida." Dei uma pesquisada e vejam só: na época do caso Ota Benga, Louis Agassiz, professor de geologia e zoologia da Harvard que foi o cientista mais venerado dos Estados Unidos na época de sua morte (1873), tinha insistido durante mais de duas décadas que os negros eram uma espécie separada, uma “raça degradada e degenerada”.
Daniel Brinton, professor de linguística e arqueologia da Universidade da Pensilvânia - dois anos antes de Ota Benga chegar a Nova York, usou seu discurso de despedida do cargo de presidente da Associação Americana "Para o Avanço da Ciência" para atacar as afirmações de que a educação e a oportunidade seriam responsáveis pelos diferentes níveis de conquistas entre as raças. “O preto, o marrom, e as raças vermelhas, anatomicamente diferem em muito da raça branca, especialmente em seus órgãos esplâncnicos, que mesmo com a capacidade cerebral igual elas nunca poderiam rivalizar os frutos obtidos pela raça branca através de esforços iguais”, disse ele. Fica a pergunta: não teria essa tese se baseado na parte final do título de Darwin. Se afirmar não se pode, negar também não.
Aculturar também é uma forma de escravidão, de abuso . Enquanto o ser humano não entender que existe apenas UMA raça, a humana, e não as multicoloridas impostas pela sociedade, seremos sempre irracionais.
Infelizmente não me espantei, guardadas as devidas proporções(veja bem....)sofremos todos nós os mesmos abusos, conheço vários Ota Benga, no meu trabalho, os vejo nas novelas, no noticiário, na política por todo canto. alguns a exemplo de nosso protagonista se suicidam, outros são assassinados, cada um a seu tempo não tenham pressa.
que dente feio!!!!!!!!!!!
Isso não é legal, mas sim importante saber, até que ponto chega a capacidade de alguns ditos humanos de subjulgar, de oprimir, de massacrar semelhantes pela sua diferença cultural. Será que hoje somos alguns Otas Bengas mantidos nas "jaulas" do preconceito, humilhados, renegados, marginalizados? Precisamos fazer reflexões com base nessas situações que foram alicerces desse mundo que assistimos hoje, fruto do imperialismo cruel que destrói o continente africano até hoje. A situação não pertence a eles e sim a toda a humanidade.
caraka que historia arrepiadora.......
mto interessante uma historia triste + ki é a reliadade que aconteceu.
Adorei mto impressionante e legal
Caramba q triste :(
que coisa ei
ESSE KARA EH LINDOOO!!!!!!!!
HISTORIA MOT TRISTE MAIS MOT BOA DE SE REFLETIR E PENSAR NA vida boa q eu tenhu! eu pareço o bill gTES PERTO DESSE CARA AÍ!!!!!$$$$$$$$$$$$$!!!
Realmente essa história é muito chocante, mas temos que nos lembrar que ele não foi o único a sofrer tal abuso, e os negros de hoje continuam sendo discriminados e como se não bastassem, discriminando a si mesmos!!! ISSO É UMA LÁSTIMA REAL!!!
eles lá eram p/ ter vergonha :oops: disso
m
a
s
é muito triste essa historia + nõ anada p/ se fazer :-( :-( :-( :-( :-( :-( :-( :-(
Barbarismo
Concordo com o velho, onde diz que nossos índios andam mendigando e ainda mais afirmo a indignação que nos faz lembrar o Brasileiro do Sertão, onde nos lembra que o nosso índio Galdino fora queimado vivo por uns meninos sem cerebros e sem consciência, aí digo meninos pois acredito que a inteligência vem do amadurecimento pessoal e não das diferenciações raciais.
Obs: Postar meu comentário aqui é "chover no molhado", pois pelo que ví, só há pessoas conscientes que por aqui passam. Então, por favor, se seu filho passa horas na frente do computador vendo coisas não produtivas, faça ele dar umas olhadinhas nos comentários do Mdig.
Abraços
Me é difícil até de comentar qualquer coisa que seja! :cry: :cry:
Apenas penso que, como nosso criador em tudo é perfeito, a justiça (não a dos homens, claro) um dia prevalecerá sobre todo tipo de atrocidade.
Um sábio um dia disse: Que a humanidade um dia chegaria ao ponto de perceber; que todo crime contra um animal seria um crime contra a humanidade. Espero sinceramente que as pessoas já tenham percebido, que todo crime contra um ser humano é um crime contra si próprio, e assim será julgado pelo universo.
:ma: 8O :ma:
O que fico admirado é que Hollywood ainda não tenha explorado esta história. Seria por vergonha de mostar a própria mancha histórica?
dudex, o post fala sim que Madison Grant financiou o projeto.
dentes limados uiii...
O homem "civilizado" é a neoplazia maligna que se instalou na face da terra!
Faltou falar que Madison Grant é o cara que financiou esta barbarie. Ele foi um renomado conservacionista e fundou muitas organizações dedicadas aos animais, mas ele era tão fdp q achava q o negro nem animal era.
Só hoje vim a ler com mais nitidez a mensagem que traduz a vida de Ota Benga e cheguei à conclusão que: o homem civilizado quer ser tão civilizado que às vezes esquece de ser civilizado.
Durante a construção de Brasília, milhares de índios também, foram dizimados em massa sob o silêncio da Justiça, tal qual ainda podemos assistir aqui e alí em alguns filmes que falam da luta da Cavalaria Americana contra os índios que atacavam o forte e vice-versa.
Ainda hoje o índio é apontado nas ruas, como "uma coisa", "um bicho do mato", "um ser inferior" e a prova está na morte do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos (1997) , queimado vivo por filhinhos de irresponsáveis que não lhes ensinaram o que é respeito e dignidade à vida ( principalmente humana) e os assassinos a cuja Justiça mostrou que era não cega assim, absolveu a todos pois foi capaz de ver que eram filhos de ricos que cometiam "o crimezinho brutal" comum e engraçado, contra "a droga de um indío pobre e desprezível". :ma:
Historia triste e bizarra, matéria brilhante. Parabéns MDig por trazer a tona e lembrar aos mais jovens mais um dos barbarismos da história recente.
Meu Deus, cada vez mais agradeço por ter nascido branco.
É só ler sobre zumbi e notarão que este cara ai teve uma vida feliz.:fool:
aff, q absurdo. parece mais um filme bizarro... tô pasma 8O 8O 8O 8O
Nota se que o editor deus umas pinceladas pessoais, por conseguinte, magistrais. Devia procurar a área jornalistica meu jovem, você tem futuro. À época que conheci este assunto foi com um professor de antropologia meio louco que falou superficialmente sobre ele. É muito bom relembrar os tempos de universidade e ter todas as informações à cerca, mas muito triste ver a bestialidade humana em todas as sua cores, a branca.
Concordo com o post do daniel...
só o homem pra ter um comportamento tao animal
:clap:
O pior de tudo é que ainda repetem essas insanidades.
E se o homem vem do macaco, quem garante qual espécie os originou?
Ah fala sério! :evil:
Oi Loira, obrigado pelo elogio carinhoso no outro tópico. Você é realmente muito gentil.
As poucas tribos que aqui sobraram mendigam a beira da estrada. Mas os caso dos índios é muito mais complicado que se imagina.
Muitos madeireiros oferecem aos incautos indios moradia em casa de alvenaria e carro com combustível em troca da madeira de sua posse.
Quando a madeira acaba o madeireiro corta os subsidios.
Dai o indio "come" o carro, "come" a casa e como já não tem para onde voltar e se tem não terá mais como caçar fica mendigando pelas cidades.
Quem pode contar isso bem é o Luisão que já morou no centro da Amazônia.
Obrigada Brasileiro.
Quanto ao post:
A incompreensão com as direfenças ainda gera absurdos como o exposto.
Li o texto com ávida curiosidade de alguém que não concorda com desrepeito e humilhação.
O homem civilizado tem muitas contas a acertar.
Eu concordo com o velho. A História serve de alerta e deve ser contada sempre. Devemos conhecer realmente o que acontece na nossa sociedade e lutar contra os desmandos de quem se acha dono da verdade.
Não sei ai no Sul Velho, mas aqui no meu cerrado tribos inteiras foram dizimadas em nome da ocupação do homem branco. E eram pacíficas.
Meu estado iclusive tem o nome em homenagem ao Branco que desbravou o sertão e enganou os indígenas.
Meu Deus, eu morro e não vejo tudo. Coitado do baixinho.
Onde é que vcs vão cavocar estas coisas?^^
História como estas devem ser contadas para nossos netos, bisnetos e assim por diante para que todos saibam o crime que o mundo cometeu com este povo. Crime este, somente comparável ao holocausto e suas atrocidades. A diferença entre os dois é que no segundo o mundo tem um dedo para apontar, Hitler e sua demência. Já no primeiro... teríamos centenas de milhões de loucos apontando um ao outro.
Só o homem para ter um comportamento tão animal.
primeiro.................