"Kiss up kick down" é uma dessas expressões inglesas que resultam difícil de traduzir ao português, ao menos de forma fidedigna. Seria algo bem como "beijando os de cima e chutando os de baixo", uma locução que é muito utilizada para descrever o que ocorre em uma organização quando alguém chupa as bolas de seus superiores sem parar enquanto abusa dos empregados subalternos sob seu encargo. É, ao mesmo tempo, uma das estratégias favoritas dos escaladores sociais para chegar aos postos mais altos da hierarquia. Mas, é realmente útil e efetivo? |
A cada vez mais pesquisas e livros tentam identificar se são os traços positivos ou negativos os que levam uma pessoa a se converter em um líder, uma discussão que em muitos casos se baseia nas biografias dos grandes vitoriosos. Foi Steve Jobs um sacana sem nenhum caráter ou um exigente, mas compreensivo superior? E Bill Gates? E Mark Zuckerberg?
Em um artigo publicado no The Atlantic, Jerry Useem tenta responder dita pergunta através da bibliografia existente e entrevistas com seus autores. E, ainda que reconheça que não há nenhum modelo perfeito, chega a identificar com bastante acerto que em determinados casos se comportar como um grande escroto pode ser rentável.
Os filhos da puta, nascem ou se tornam?
Quase todos nos queixamos em algum momento de nossas vidas de que as piores pessoas que conhecemos costumam chegar bem longe enquanto as mais amáveis parecem ter problemas para prosperar. É paradoxal que estejamos todos de acordo com essa situação, já que, se sabemos que é assim, por que não fazemos nada para impedir? Pois porque segundo mostram as pesquisas realizadas pelo professor da Universidade de Amsterdã Gerben van Kleef, as pessoas mais odiosas não só parecem mais poderosas, senão que seu comportamento lhes ajuda a prosperar.
A violação das normas sociais faz com que os homens pareçam mais poderosos
Em um estudo publicado no Journal of Experimental Social Psychology, van Kleef demonstrou como as pessoas mal educadas pareciam mais poderosas. No experimento, dois homens sentaram-se em uma lanchonete; um deles cumprimentava diligentemente o garçom, pedia educadamente o prato e colocava o menu em seu devido lugar; o outro sentava-se com os pés em cima da mesa, tratava de maneira desrespeitosa o encarregado do bar e jogava o menu para a outra mesa. Quando os participantes no estudo tiveram que escolher entre um e outro, selecionaram o último: a violação das normas sociais faz parecer que os homens são mais poderosos, enquanto sua contemplação parece coisa de pusilânimes.
Como recorda o autor, o problema com a aptidão e a concorrência é que são muito difíceis de demonstrar em muitos meios, especialmente no profissional, onde o sucesso ou fracasso de uma empresa depende de muitos fatores para ser reduzido apenas uma única variante. Por isso nos fixamos em guias visuais e de comportamento (se põe os pés na mesa e fuma charutos, deve ser alguém importante) ou em explicações a posteriori.
Segundo uma pesquisa realizada pelo psicólogo Cameron Anderson da Universidade de Berkeley e publicada no Journal of Personality and Social Psychology, as pessoas que asseguravam conhecer geografia -ainda que não fosse assim- eram avaliadas de forma mais positiva por seus colegas quanto a seu conhecimento da matéria, ainda que em realidade não tivessem nem ideia.
Ascendendo na pirâmide social
O primeiro passo já está dado. Mostre confiança em você mesmo, seja mal educado e as pessoas começarão a pensar que você é um tipo interessante. É nesse momento quando começa a escalar na hierarquia. De que maneira? Por uma parte, através do "kiss up kick down" do qual já falamos, e que se desenvolve através de algumas regras estritas. Na escola todos vimos como muitos garotos se metiam com outros de seu tamanho, mas raramente os mais populares ou os mais palermas o faziam. Estavam cumprindo as regras não escritas da agressão.
O que ocorre é que ditas agressões acontecem de forma local na escada social, o que quer dizer que a pessoa só enfrenta aquele a quem pode superar ou por quem pode ser superado, isto é, com aqueles com os quais disputamos um posto. Este confronto acontece com mais frequência à medida que a pessoa prospera... Até que chega ao degrau superior e, de repente, pode se permitir ao luxo de ser agradável, já que já não precisa acabar com a reputação de ninguém para ocupar seu lugar. E mais, poderia resultar contraproducente, já que só os que temem por sua posição atacam os demais.
Os babacas permitem-se determinadas licenças com os demais porque acham que merecem
Essa pequena vantagem converteu-se, portanto, em uma ferramenta de crescimento social que permitiu ao idiota chegar a um nível no qual ninguém vai questioná-lo.
- “Uma vez que a hierarquia emerge, as pessoas tendem a construir racionalizações sobre por que os que mandam estão aí", explica o autor. Uma vez que os poderosos se instalaram em sua posição, o círculo fecha-se e comportam-se como se espera que se comportem, isto é, com uma agressiva linguagem verbal e sendo um pouco condescendente com os demais. Ao mesmo tempo, começam a utilizar seu direito de decidir os destinos dos demais, dirigir as discussões e buscar os aliados que mais lhe convêm, que são os que lhes ajudam a perpetuar seu status.
Narcisistas, psicopatas e incômodos garotos bons
Isso não quer dizer que o mundo se divida entre bons e maus, generosos e egoístas, triunfadores e fracassados. Não é verdade que só os maus triunfem, senão que tanto para uns quanto para outros a possibilidade de sucesso tem forma de U. Isto é, as boas pessoas podem chegar ao mais alto por suas qualidades pessoais, mas também ao mais baixo, porque são as mais propensas a serem exploradas pelos demais. Algo que também ocorre com os aproveitadores, que ou escalam rapidamente ou afundam na lama por seu próprio peso. Por conseguinte, não basta ser apenas um safado, senão um safado com determinadas qualidades.
Aaron James, autor de "Assholes: a Theory" ("Pau no cu: uma teoria"), considera que os "babacas" do título de seu livro reúnem três qualidades que os diferenciam dos psicopatas e que lhes permitem prosperar apesar de seu caráter: permitem-se de forma sistemática determinadas vantagens sobre os demais; fazem-no porque acham que merecem; e por essa razão não ligam para o que as pessoas pensem deles.
Assim como os psicopatas, que sabem que os demais têm direitos e sentimentos, mas não estão nem ai. Um perfil muito próximo ao dos narcisistas que, como sugere Donald Hambrick da Universidade de Penn State no artigo, tendem a assumir mais riscos, o que os convertem nos líderes mais decisivos e necessários se a sua cartada der certo.
O jornalista conclui o artigo com uma nota de esperança para aqueles que acham que são os bonzinhos, os generosos, os que chegam mais longe. Na maior parte dos casos, os safados terminarão caindo em sua própria armadilha, sobretudo nas seguintes situações: se não forem capazes de repartir os benefícios com o restante de seus colegas -o autor lembra como a segunda vinda de Steve Jobs a Apple esteve marcada por um melhor tratamento a seus subordinados-; se têm que tratar com as mesmas pessoas uma e outra vez; se não têm carisma ou se cometer um erro imperdoável com o qual percam toda sua credibilidade.
- "Ainda assim, há ao menos três situações nas quais um toque de filhadaputice pode ser útil", recorda Useem. A saber: quando seu trabalho permite conhecer tanta gente diferente que sua reputação não será arruinada, já que não tem que voltar a tratar com os mesmos uma e outra vez; nos momentos da formação de um grupo quando ainda não existe uma hierarquia, como pode ser o primeiro dia em classe ou quando uma empresa começa a crescer; e, por último, quando o grupo atravessa uma crise e necessita de um líder rápido e seguro em si mesmo que seja capaz de tirá-lo da inércia. O resto depositará sua confiança nele e, se conseguir fazer valer sua aparente credibilidade, chegará ao posição mais alta e o círculo da filhadaputice se fechará uma vez mais.
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