Os humanos somos uma mácula, merecemos o desaparecimento e até os insetos são melhores do que nós, quem é que já não ouviu isso? Resulta difícil não ser tentado por este tentador discurso com reminiscências da culpa religiosa e do pecado original.
Somos malvados e perversos por nossa própria natureza, o homem é o lobo do homem, e o melhor que pode nos acontecer é que nos extingamos ou que reduzamos nosso número até voltar aos tempos felizes daquela maldita Arcádia Feliz.
O coletivo de iluminados misantropos está tendo tal acolhida que sua mensagem cala sutilmente na sociedade. Assim, não é raro escutar que ter filhos é antiecológico, que quem os têm são uns irresponsáveis e que seus pequenos deviam ser tutelados pelo Estado.
- "Muitos dos casais do planeta que tem mais de dois filhos deveriam ser vistos como um perigo", sustenta o premiado biólogo Paul Ralph Ehrlich, preocupado com a demografia. Mas o tumor misantropo aflora quando lhe perguntam pela liberdade dos demais para procriar e faz uma comparação do vizinho jogando lixo em seu jardim.
O embrião deste ódio a nossa própria espécie surgiu no âmbito da defesa do meio ambiente e nos Estados Unidos materializou-se no "Movimento pela Extinção Humana Voluntária" (sim, existe), que defendem que os humanos somos daninhos para o planeta e encoraja todas as pessoas a se absterem da reprodução para causar a extinção gradual e voluntária da humanidade.
Vivamos e desapareçamos
Pelo menos é o que diz um de seus lemas, "Vivamos longo tempo e depois desapareçamos" ("May we live long and die out"), praticado por seu principal líder, um tal de Les Knight, um tipo que nasceu em uma família numerosa e fez vasectomia com 25 anos.
Suas mensagens podem ser consideradas carinhosas em comparação a das proferidas por grupos como "Earth First!" ("A Terra primeiro!"), cuja filosofia cavernícola se resume no machado de pedra de seu emblema. Ou a surpreendente "Igreja da Eutanásia", que tem como lema “Salve o planeta, se mate!" ("Save the Planet, Kill Yourself") e baseia sua ideologia na defesa de quatro pilares: "suicídio, aborto, canibalismo e sodomia".
Por trás destas propostas morais costuma existir sempre um fedor retrógrado e uma ânsia implícita ou explícita por voltar às cavernas. Um combinação entre um falso passado ideal e uma miragem do presente, sob a falsa crença de que o mundo e a realidade são apenas isso que sai nos telejornais.
Só há guerras, catástrofes e maldade porque é onde queremos pôr o foco para cavoucarmos nossa própria miséria. Há inclusive quem considere que a frase "Quanto mais conheço as pessoas, mais gosto do meu cachorro" -imputada a um monte de pensadores, mas de autor incerto- é algo mais que uma frase de efeito e estão dispostos a levar sua literalidade colocando acima a vida de um animal à de uma pessoa.
Adeus mundo cruel
Seria bom que estes profetas catastrofistas saíssem a passear (com seu cão, se quiserem), ler um pouco de história, aprender sobre a humanidade, a colaboração e a empatia, as conquistas que nos permitiram construir cidades, hospitais, cuidar uns dos outros e erradicar doenças. Ou quem sabe conhecer alguns seres humanos extraordinários que, eles creiam ou não, estão espalhados por todas as partes.
A preocupação pelo crescimento demográfico é legítima, concordo muito com isso, e há gente trabalhando seriamente no tema, pese que não exista vontade política para fazer com que isso tenha efeito. Também o é a preocupação pelo planeta. Mas resulta profundamente contraditório tentar salvar um planeta em que todos nós tenhamos desaparecido ou tenhamos suicidado.
Em termos práticos, é a postura estúpida mais parecida ao "me aborreço e não respiro" que a gente pode encontrar em nossos dias. Um pessimismo antropológico que só conduz ao imobilismo, quando o que precisamos precisamente não são nostálgicos da caverna, senão pessoas que tomem a iniciativa e busquem soluções, como já fez a humanidade tantas vezes.
Legião do Suicídio
Na comédia "A vida de Brian" há uma cena mítica em que o protagonista, já crucificado, vive um momento de esperança fugaz quando vê surgir no horizonte um grupo de homens armados que colocam os romanos para correr. Anunciam-se como a "Frente do Povo Judeu" e por um momento Brian acha que seria libertado, mas equivoca-se, porque se trata da "Legião do Suicídio" e os soldados bocós tiram sua vida ali mesmo por ordem de seu comandante, que diz uma última advertência ao inimigo: - "Assim estes romanos aprenderão!"
Os fatalistas da humanidade agem um pouco assim, e trilham por uma estrada derrotista onde terminarão sendo suas próprias vítimas. Em uma coerência não buscada e fatal, muitos deles defendem também condutas irracionais que poderiam nos conduzir efetivamente à extinção, como a rejeição às vacinas, aos alimentos pasteurizados ou ao parto nos hospitais.
A coisa divertida de toda esta história e que acaba nos provocando um irreprimível riso de ironia e sarcasmo é que será a própria seleção natural que vai por fim nesses movimentos. Gostem ou não, somos os descendentes que não jogaram a toalha. E os que pensaram, imaginaram e lutaram por um futuro melhor. Os genes dos moralistas suicidas ficarão pelo caminho.
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Comentários
Pregar o suicídio é o suprasumo da contradição. Teoricamente, quem é a favor do suicídio não poderia estar pregando, uma vez que, fiel ao seu próprio discurso, deveria estar morto.
Exato. Não vejo como negativas as campanhas para controle populacional, não é errado, é sábio. Mas também entendo o ponto de vista do texto, focado mais para o lado do suicídio sendo pregado como solução disso. Acredito que o mundo anda mudando rápido, a forma de coexistir vai ter que sofrer algumas atualizações, saber o momento certo para acasalar e reproduzir, todos em sã consciência deveriam saber disso, o planeta seria um lugar melhor.
Concordo um pouco com esses movimentos.
Deixa eu explicar. Pegue o vegetarianismo. A maioria dos vegetarianos (pelo menos os que eu conheço) param de comer carne para evitar o sofrimento animal. A iniciativa é muito boa, mas não resolve o problema, só alivia a consciência dos próprios vegetarianos. O problema real não é o ser humano comer carne, é a super população humana. Comer carne é natural, a não ser que você faça protestos contra os leões comedores de zebras.
A super população humana exige criação de porcos onde mal podem se mexer, ou o desenvolvimento de técnicas para o gado crescer mais rápido.
Como resolver? Incentivando a diminuição gradativa da raça humana. Não a extinção, só a diminuição a um nível onde a gente não agrida tanto o planeta como fazemos hoje.
Não sei qual é o problema em fazer campanhas do tipo: "Tenha apenas 1 ou 2 filhos. O planeta agradece."