O mundo atual consiste basicamente na liberdade de se ofender por qualquer coisa

- "Uma das melhores coisas da vida na atualidade é que somos livres para nos ofendermos por qualquer coisa", diz a jornalista Polly Boiko em um vídeo do projeto ICYMI, um ramo da rede Russia Today. Isto é o que parece definir uma geração que está sendo chamada de "snowflake" ou "floco de neve", por sua fragilidade e capacidade de se ofender por praticamente qualquer problema, mesmo que não seja o seu.

O apelido surgiu em 2015 depois dos protestos estudantis na Universidade de Yale que exigiam à escola que regulasse as fantasias de Halloween, já que alguns podiam ser percebidas como "apropriação cultural". Por exemplo, um americano não deveria usar fantasias mexicanas ou de índios. Em um soado caso, um jovem de ascendência chinesa queixou-se de uma garota usando um vestido tradicional chinês para sua festa de formatura.

Como diz o vídeo, "se você não sabe porque está ofendido, não se preocupe pois o Twitter vai te avisar pelo que deve ficar". Vivemos a tirania da cultura de massas, da "sociedade nutella" que determina o que é apropriado e o que não.

Se tudo deve de ser politicamente correto então a vida deixa de ser criativa e livre, paradoxalmente justamente para cuidar da liberdade e respeitar os direitos humanos. Vivemos na era dos direitos humanos, mas pouco se fala das obrigações e deveres humanos.

Este outro vídeo discute o tema da hipersensibilidade ao inapropriado. O absurdo de que tudo está politizado. O abacate, o Oscar, banheiros neutros. O tema é que a politização de tudo -como todos têm opiniões- faz com que aquilo realmente politicamente importante, por não ser conhecido, não seja discutido. Por exemplo, o grosso do Brasil só descobriu que tinha uma guerra na Síria devido a um participante do BBB. De repente havia milhares de "especialistas" no conflito.

Para além desta semi-diatribe de seriedade, tudo isto virou motivo de sarcasmo e para rirmos de nós mesmos, talvez para deixarmos de presumir que estamos indignados por este ou aquele outro tema que é modinha de polêmica nas redes sociais.

Dizem que a reserva de poder ofender de alguns destes vídeos, bastante divertidos e por momentos inteligentes, estão desenhados expressamente pela rede Russia Today, controlada pelo governo russo, para influenciar na mentalidade ocidental, particularmente atacando o tão precioso alvo de milênicos.

Pode até ser propaganda, manipulação memética, e por momentos nem sequer sutil, quando claramente exculpa os russos de todas as acusações imputadas. Mas por outro lado, mantêm uma distância irônica sobre todos os acontecimentos dos meios globais, e ainda que isto seja em parte claramente e descompromissado, o espectador com senso crítico pode se beneficiar de ver uma narrativa diferente isenta de tanto mimimi.

Ademais há uma atração a mais: ver a linda e carismática Polly Boiko fazendo seus comentários. Ainda que, claro, eu não devia ter mencionado sua beleza, pois isto é politicamente incorreto e seguramente algumas pessoas se ofenderão por tal objetificação heteropatriarcial retrógrada e machista.

Afinal, admirar alguém por sua beleza é uma coisa terrível, pois certamente uma pessoa não é sua beleza, não é seu corpo, sua personalidade, sua voz, é uma coisa abstrata e elusiva com a qual ela mesma deve ser definida. Aff! Vou ali tomar meu remédio e já volto.