Você provavelmente conhece as fotos de daguerreótipos. Cenas austeras de famílias vitorianas cheias de roupas, expressando tanto entusiasmo um pelo outro quanto faria um poste de luz com a lâmpada queimada. É por isso que ficamos curiosos quando encontramos uma pequena seleção de retratos de amamentação vitoriana nas profundezas da rede. É curioso porque as mulheres, especialmente mães e esposas, tinham pouca ou nenhuma propriedade de seus corpos nessa era meio sombria. |
Então, como é que estas mulheres, para as quais mostrar um tornozelo era bastante escandaloso, podiam de repente sentir-se confortáveis expondo o seu seio durante o minuto de exposição necessário para um daguerreótipo? O que a maternidade precoce realmente era para as mulheres na era vitoriana?
Naquela época, no minuto em que uma mulher se casava, se tornava "propriedade" do marido, e se eles se divorciassem (provavelmente não), ele automaticamente ficava com as crianças.
No Reino Unido, a Lei de Custódia de Bebês de 1839 finalmente deu às mães acesso a seus filhos se elas fossem consideradas de caráter totalmente "imaculado". Também tiveram que esperar até a Lei de Propriedade das Mulheres Casadas, de 1884, para que as mulheres fossem finalmente declaradas "uma pessoa independente e separada" pelo tribunal.
A que se destinavam então estas fotos de mães amamentando? A barra moral da época era ainda mais alta para as mães vitorianas, que deviam encarnar a castidade, a paciência e a natureza doadora. Mas o conceito biológico de maternidade era muito importante, muito mais importante do que esta falso moralismo da atualidade que questiona a amamentação em público.
O ato de amamentar era emblemático do amor de uma mãe e, por essa razão, os daguerreótipos acima se tornaram lembranças íntimas. Eles não eram colocados em cima da mesinha da sala e nem enfeitavam as paredes da casa, lógico, mas eram uma grande lembrete da importância da família e também passaram a ser muito valorizados, como uma prova das noções de maternidade equilibrada, em uma época em que a mamadeira estava em ascensão.
Dizem que a rainha Vitória era uma grande fã da mamadeira e que certa vez teria comparado a mulher a uma vaca no momento da amamentação. No entanto, havia médicos que alertavam contra o uso a mamadeira, dizendo que podia causar raquitismo ao não fornecer a vitamina D adequada, e as mamadeiras ganharam o apelido de "garrafas assassinaa" devido à quantidade de bactérias que carregavam na borracha de seus tubos, difíceis de limpar.
Eventualmente, com a passagem do tempo e um melhor conhecimento sobre saneamento e conservação de alimentos levou a uma fórmula infantil mais nutritiva no final do século XIX, mas mesmo assim o catolicismo continuou favorecendo a amamentação materna.
As dores provocadas pela dentição do bebê eram muitas vezes amenizadas com um protetor de mamilo a ser aplicado sobre a mama após a amamentação. Geralmente, eles eram feitos de chumbo -terrivelmente tóxicos- ou de borracha (abaixo).
Tipicamente, as classes média e alta usavam mamadeiras ou empregavam amas de leite, as quais até posavam com os bebês que cuidavam para retratos. Ambas, as amas de leite e babás, eram pessoas extremamente importantes da casa abastada e passavam mais tempo do que qualquer pessoa com o bebê.
Mães vitorianas de posição social mais elevada eram encorajadas a ver o bebê, mas uma vez por dia, e o famoso guia Cassell's Household alentava um ambiente extremamente cauteloso sobre o que devia ser dito na presença da criança. Como o mais puro dos seres, os bebês deviam ser protegidos dos acontecimentos do mundo exterior.
Essa noção de visibilidade contida e altamente controlada definia a era vitoriana. Vestidos de batizados eram longos, não só para manter o bebê aquecido durante o batismo, mas para mostrar a proeminência de uma família.
Os retratos de bebês eram muitas vezes feitos com as mães cobrindo seus corpos em tecido para se apresentarem como uma espécie de poltrona falsa (o efeito é bastante sinistro):
O parto muitas vezes acontecia em casa. Um manual, o "Novo Médico Doméstico de Gunn", de 1861, escrevia que durante o trabalho a mulher deveria sempre ser bem oleada ou lubrificada com banha, pois ajudaria a mitigar muito o sofrimento e facilitava a saída do bebê. Para aquelas que podiam se permitir ao luxo, o parto era parcialmente entorpecido com um medicamento conhecido como "láudano", misturado com ópio, mas, além disso, os anestésicos e a higiene não eram de primeira qualidade. As taxas de mortalidade eram altas para mãe e filho.
Depois de dar à luz, muito esforço físico era visto como perigoso e a mulher deveria ser mantida na cama por nove dias -quer ela quisesse ou não-. Ela não podia comer muito, além de frutas, caldo de galinha e papa de aveia, mas não havia problema em tomar um pouco de licor de malte ou cerveja, que eram considerados para melhorar a qualidade do leite materno. Nährbier, que se traduz como "cerveja nutricional", foi produzida na Alemanha no século 20 e era destinada a jovens mães.
De fato, ainda existe uma recomendação infeliz dos tempos da vovó que afirma que consumir cerveja preta durante o período de amamentação aumenta a produção do leite materno. No entanto, segundo médicos, isto é um mito, que pode inclusive ser prejudicial para o bebê.
Ocorreu que com o desenvolvimento de uma melhor fórmula infantil, a amamentação aos poucos se tornou estigmatizada, particularmente em público. No geral, a Era Vitoriana é pintada como um tempo opressivo para as mulheres -e com razão em muitas frentes-, mas é importante continuar pesquisando os progressos desse período, para lembrar que toda regra tem sua exceção.
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Comentários
Mano do céu! Mas essa mongolice de achar que uma mãe amamentando um bebezinho é uma coisa sensual deve ser uma praga da nossa época então!
Regredimos!