As Ilhas de Galápagos, na costa oeste do Equador, são um tesouro de espécimes ecológicos únicos. Não foi por acaso que encantaram tanto Darwin quando ele aportou e mais tarde se inspirou nelas para compreender o mecanismo de seleção natural e evolução. O isolamento extremo e o clima favorável, devido à sua localização, permitiram que várias espécies evoluíssem características peculiares adequadas ao seu ambiente. A iguana, por exemplo, é um réptil que habita a terra ou árvores, mas aquelas que vivem nas ilhas de Galápagos aprenderam a nadar e agora podem procurar comida no mar. Tem mais! |
Igualmente desconcertantes são os cormorões que não voam, que perderam a capacidade de voar e estão assim confinados nas ilhas. Mais estranho ainda são os pinguins de Galápagos, que, ao contrário de seus primos do sul, aprenderam a amar os verões sem fim neste paraíso tropical. Mas a atração das estrelas são as tartarugas gigantes, com suas enormes conchas cinzas e enorme expectativa de vida. Elas são uns dos habitantes mais conhecidos das Galápagos.
No final do século 20, a tartaruga gigante de Galápagos estava à beira da extinção. Das mais de 250.000 que existiam no século 16, a população caiu para apenas 3.000 na década de 1970, principalmente devido à caça de seres humanos.
As tartarugas são relativamente imóveis e indefesas e, portanto, fáceis de serem coletadas e armazenadas vivas a bordo de navios, onde poderiam sobreviver por um ano sem comida, fornecendo carne fresca aos marinheiros.
Quem comeu a carne da tartaruga gigante descreveu-a como "a comida mais deliciosa que já provaram". Um capitão da Marinha dos EUA declarou certa vez que depois de provar as tartarugas de Galápagos, todos os outros alimentos de origem animal perderam a graça. Até Charles Darwin achou que a carne era "muito boa" e que tartarugas jovens serviam para fazer uma sopa excelente.
Quando as pessoas começaram a estabelecer colônias nas ilhas Galápagos, no início do século 19, a população da tartaruga gigante caiu drasticamente. Além da caça indiscriminada, essas pessoas de fora introduziram espécies invasoras na ilha, como cabras, porcos, burros, gatos, entre outros, que prejudicaram o frágil ecossistema.
O maior invasor de todos foram as cabras. Esses herbívoros enganosamente inofensivos devoraram toda a vegetação disponível, incluindo algumas das plantas mais raras do mundo, e competiram com espécies nativas pelos recursos escassos da ilha. Enquanto as cabras desnudavam as ilhas, as tartarugas começaram a desaparecer.
Em 1995, foi tomada a decisão de erradicar as cabras de Galápagos a fim de salvar a flora e a fauna nativas da ilha. Entendia-se que era necessária uma abordagem agressiva. Dois anos depois, foi elaborado um esboço do Projeto Isabela, segundo o qual cabras e burros deveriam ser erradicados da ilha Isabela, porcos, cabras e jumentos da Ilha de Santiago, e cabras da Ilha Pinta.
O trabalho começou em 1999 com uma equipe de atiradores especializados vasculhando as três ilhas a pé e depois em helicópteros, atirando nas cabras do ar. Foi um dos programas de erradicação mais avançados da época.
Em poucos anos, 90% das cabras foram erradicadas com relativa facilidade. Mas quando as cabras se tornaram mais raras, elas ficaram também mais esquivas e difíceis de detectar. As cabras restantes aprenderam a ser cautelosas com os caçadores e começaram a se esconder em arbustos, cavernas ou túneis de lava. Os dez por cento restantes tornaram-se cada vez mais difíceis de eliminar. Para alcançar a erradicação total, os caçadores empregaram algo chamado "cabra do Judas", um tipo de cabra X9.
Um punhado de cabras -algumas centenas, na verdade- foram esterilizadas, injetadas com hormônios para lhes dar um estro de longo prazo, equipadas com coleiras de rastreamento de rádio e liberadas nas ilhas.
Como as cabras são animais sociais, elas instintivamente procuraram outras cabras e, seguindo as cabras do Judas, os caçadores conseguiram rastrear as cabras remanescentes nas ilhas. Uma vez que um rebanho era encontrado, os caçadores atiravam em todos os animais, exceto os de Judas, para que pudesse se desdobrar novamente para encontrar mais cabras escondidas.
Depois que as cabras foram mortas, os cadáveres foram deixados apodrecendo para que os valiosos nutrientes que as cabras consumiam na ilha pudessem retornar ao solo. Tirar a carne deles teria removido esses nutrientes da ilha para sempre.
- "Pode ser muito destrutivo, como remover 10.000 árvores de uma floresta tropical", disse Karl Campbell, o gerente de campo que dirigiu as operações do Projeto Isabela. - "É melhor deixar os corpos se decomporem no solo." Um punhado de cabras, no entanto, foi consumido pela equipe de erradicação.
Mais de 200 cabras do Judas foram soltas na ilha de Santiago, e cerca de 770 na maior ilha de Isabela ao longo de dois anos. Em 2006, elas eram as únicas cabras que permaneciam nas ilhas alvo. O rebanho foi ainda abatido de modo que apenas vinte ou trinta permaneceram na ilha de Santiago e 266 na ilha de Isabela para fins de monitoramento e controle.
Depois que as Galápagos se livraram das cabras, a vegetação sofreu uma recuperação surpreendente. Pequenas árvores começaram a se regenerar dos tocos deixados pelas cabras. Espécies de arbustos das terras altas, mudas de árvores florestais, cactos Opuntia e outras espécies endêmicas aumentaram em número. A população de sanã-das-galápagos melhorou e, graças a outros esforços de conservação, como a criação em cativeiro, a população da tartaruga gigante também se recuperou.
O Projeto Isabela foi o maior esforço de restauração do mundo até o momento. Em sete anos, mais de 140.000 cabras foram erradicadas de meio milhão de hectares de terra a um custo de US $ 10,5 milhões. As últimas centenas foram as mais difíceis e as mais caras para serem removidas.
O sucesso do Projeto Isabela levou os conservacionistas a lançar o programa de erradicação das cabras em mais três ilhas. Juntamente com a caça aérea, caça ao solo com cães e cabras do Judas, mais dez mil cabras foram eliminadas entre 2006 e 2009.
Ainda assim, os problemas das cabras de Galápagos persistem em pelo menos três ilhas hoje, e tem a ver com o bicho-homem: alguns moradores gostam de caçar cabras, pois se acostumaram com a fartura de carne que tinham na época das cabras. Além disso, quando os pescadores locais estão descontentes com as normas de pesca governamentais, eles retaliam liberando novas cabras nas ilhas.
Estranhamente, porém, essa história do Projeto Isabela subverte, pelo menos minimamente, a teoria da seleção natural que Darwin começou a desenvolver exatamente nas Galápagos. Cabras, é claro, não eram nativas daquelas ilhas, mas viveram lá por muito tempo, e, durante esse tempo, se adaptaram melhor para sobreviver e prosperar do que as tartarugas que eram nativas.
Eu sei que se trata da introdução de uma espécie invasora, que acaba, por sua vez, desequilibrando um ecossistema fechado, portanto frágil. Mas não deixa de ser irônico pensar que em vez da "sobrevivência do mais apto", a salvação das tartarugas dependeu da intervenção antinatural dos humanos armados com helicópteros e rifles de alta potência. Darwin acaba de se revirar no túmulo.
O MDig precisa de sua ajuda.
Por favor, apóie o MDig com o valor que você puder e isso leva apenas um minuto. Obrigado!
Meios de fazer a sua contribuição:
- Faça um doação pelo Paypal clicando no seguinte link: Apoiar o MDig.
- Seja nosso patrão no Patreon clicando no seguinte link: Patreon do MDig.
- Pix MDig ID: c048e5ac-0172-45ed-b26a-910f9f4b1d0a
- Depósito direto em conta corrente do Banco do Brasil: Agência: 3543-2 / Conta corrente: 17364-9
- Depósito direto em conta corrente da Caixa Econômica: Agência: 1637 / Conta corrente: 000835148057-4 / Operação: 1288
Faça o seu comentário
Comentários