Os vagabundos foram historicamente caracterizados, às vezes, como pessoas passivas de pena, que merecem generosidade e o dom de esmolas, mas mais comumente eram vistos como forasteiros em comunidades estabelecidas e ordenadas: encarnações de alteridade, objetos de desprezo ou desconfiança. Nesse sentido e para forçar seus súditos a trabalhar, alguns reis ingleses criaram leis terríveis, como uma em que, se alguém se recusasse a trabalhar, seria condenado a ser escravo da pessoa que o denunciou como vadio. |
Ainda no medievo tardio, a Portaria dos Trabalhadores de 1349 foi a primeira lei importante sobre vadiagem na Inglaterra e no País de Gales. A ordenança procurava aumentar a força de trabalho disponível após a Peste Negra na Inglaterra, tornando a ociosidade um crime.
Um vagabundo era uma pessoa que podia trabalhar, mas optava por não fazê-lo, e sem residência fixa ou ocupação legal, mendigava. A vadiagem passou a ser punível com marcas corporais ou chicotadas.
Na Lei dos Vagabundos de 1530, Henrique VIII decretava que os mendigos idosos e incapazes de trabalhar recebessem uma licença de mendigo. Por outro lado, haveria chicotadas e prisões dos vagabundos resistentes. Eles deviam ser amarrados às carroças da polícia e chicoteados até que o sangue fluísse de seus corpos. Ademais, qualquer um nessas condições devia jurar que voltar ao seu local de nascimento ou onde tinham vivido pelo menos nos últimos três anos e arrumar um trabalho.
Se por acaso a pessoa reincidisse e fosse presa uma segunda vez por vagabundagem o açoite devia ser repetido e metade da orelha cortada; mas, na terceira recaída, o agressor devia ser executado como um criminoso e inimigo do bem comum.
Na Lei dos Vagabundos de 1547, Eduardo VI ordenava que se alguém se recusasse a trabalhar, seria condenado como escravo da pessoa que o denunciou como vadio. O mestre teria o direito de forçá-lo a fazer qualquer trabalho, não importasse quão vil fosse, com chicote e correntes.
Se o escravo por acaso se ausentasse por quinze dias, seria condenado à escravidão por toda a vida e era marcado na testa ou nas costas com a letra "S". Se ele fugisse três vezes, seria executado como criminoso.
Se acontecesse de um vagabundo ficar ocioso por três dias, ele seria levado para o local de nascimento, marcado com um ferro quente vermelho com a letra "V" no peito e posto para trabalhar, acorrentado, nas estradas ou em algum outro trabalho. Todo mestre podia colocar um anel de ferro em volta do pescoço, braços ou pernas de seu escravo, para conhecê-lo mais facilmente.
A Lei dos Vagabundos de 1572, aprovada pela rainha Elizabeth I, definia o vadio como uma pessoa que não tinha terra, nem dono, nem comércio ou fonte legítima de renda. Se um súdito fosse flagrado à margem da lei, ele seria despido até a cintura, chicoteado até sangrar, e o verdugo deveria abrir um buraco na cartilagem da orelha direita com ferro quente.
Qualquer vadio que fosse acusado de uma segunda ofensa, a menos que fosse levado por alguém que decidisse lhe oferecer trabalho por no mínimo um ano, poderia enfrentar a execução. Uma terceira recaída o meliante só escaparia da morte se alguém o contratasse por dois anos.
A lei também estabeleceu as bases legais para o exílio forçado (desterro) de ociosos obsoletos para além-mar. Na época, isso significava exílio por um período fixo nas plantações da Virginia Company na América. Aqueles que retornassem ilegalmente de seu local de exílio enfrentavam a morte por enforcamento.
A Lei dos Vagabundos de 1597 baniu e exilou bandidos incorrigíveis e perigosos para o exterior.
E se você acha que tudo isso tem a ver com o final do medievo tardio, saiba que já na idade contemporânea, no condado de Middlesex, os suspeitos de vadiagem podiam ser detidos pelo policial ou vigia e levados a um magistrado que tinha o direito legal de entrevistá-los para determinar seu status. Se declarados vagabundos, deveriam ser presos, chicoteados e expulsos fisicamente do condado por um despachante de vagabundos, cujo trabalho era levá-los para fronteira condado e passá-los ao despachante do próximo condado na jornada. Esse processo continuaria até que a pessoa chegasse ao local de assentamento legal, que costumava ser, mas nem sempre, o local de nascimento.
A coisa só começou a abrandar em 1795, com o sistema Speenhamland, também conhecida como Lei Berkshire Bread, que tentava abordar alguns dos problemas subjacentes à vadiagem. O sistema era uma forma de ajuda externa destinada a mitigar a pobreza rural na Inglaterra e no País de Gales no final do século XVIII e durante o início do século XIX. A lei foi criada como resultado indireto do envolvimento da Grã-Bretanha nas guerras revolucionárias e napoleônicas francesas.
Em 1821, a lei de vadiagem existente foi revisada por um comitê selecionado da Câmara dos Comuns, que descobriu que as leis haviam se tornado muito complicadas e que havia uma rede corrupta de abusos do sistema na ajuda aos vagabundos e deveriam ser alteradas e consolidadas em uma única lei do Parlamento.
Com base nas descobertas e recomendações do comitê, foi introduzida uma nova lei do Parlamento para punir pessoas ociosas e desordenadas e bandidos e vagabundos, comumente conhecido como Lei da Vadiagem de 1824, que consolidou as leis anteriores sobre a violência e tratou de muitas das fraudes e abusos identificados durante as audiências do comitê. Muito reformada desde 1824, algumas das infrações incluídas nela ainda são executórias nos dias atuais.
Uma pesquisa relativamente recente indicou que cerca de 38% dos vagabundos modernos (sem-teto) não têm qualificação educacional, motivo pelo qual não tiveram a chance de serem bem-sucedidos e acabaram mergulhados no álcool (1/3), nas drogas (1/3) e com dependências duplas ou triplas (1/4). A maioria tem entre 26 e 49 anos, e 10% deles tem 25 anos ou menos. Fundamentalmente, a expectativa de vida nas ruas é de 47 anos. Assim dá para a gente pensar que houve pouca mudança na abordagem da sociedade em relação à vadiagem desde a Peste Negra. Se a realidades daqueles tempos eram sombrias, a nossa deve parece não ser muito diferente.
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