Faz quase 90 anos, o submarino britânico HMS Perseus se chocou contra uma mina italiana perto da ilha grega de Cefalônia, dando origem a uma das histórias de sobrevivência mais extraordinárias da Segunda Guerra Mundial, mas também uma das mais polêmicas. As águas claras do Mediterrâneo eram durante aqueles anos uma armadilha mortal para os submarinos britânicos. Alguns eram bombardeados desde o ar, outros, detectados com somar e atingidos com cargas de profundidade, e muitos, talvez a maioria, destroçados por minas. |
Dois quintos dos submarinos que se aventuraram no Mediterrâneo foram destruídos e quando um afundava, se transformava em um caixão coletivo. O normal era que morresse toda a tripulação.
De fato, durante toda a guerra só ocorreram quatro escapes com vida de submarinos britânicos que foram atingidos por alguma bomba. O mais destacado daqueles aconteceu em 6 de dezembro de 1941, quando o HMS Perseus afundou até o leito marinho.
Quando abandonou sua base em Malta no final de novembro, o HMS Perseus transportava 59 tripulantes e dois passageiros, um dos quais era John Capes, um fogueiro da Marinha de 31 anos em rota para a cidade egípcia de Alexandria.
Alto, bonitão e um pouco enigmático, Capes estudou no londrino Dulwich College, e como filho de diplomata o natural era esperar que tivesse um posto como oficial na Marinha, em vez de ser um dos mecânicos de menor patente, encarregado de vigiar os motores.
Naquela noite de inverno de 6 de dezembro, o Perseus tinha emergido à superfície, a 3 quilômetros da costa de Cefalônia, para recarregar suas baterias, protegido pela escuridão e preparado para um dia a mais sob a água.
Segundo artigos de imprensa, que Capes escreveu mais tarde ou nos quais contribuiu, ele estava descansando sobre um catre feito a partir de um lança-torpedos quando, sem prévio aviso, aconteceu uma explosão devastadora. O barco retorceu-se, afundou e tocou o fundo que Capes se referiu mais tarde como uma "sacudida arrepiante".
Sua cama improvisada se elevou e o lançou até a outra ponta do compartimento. Breu total. Capes intuiu que tinham se chocado contra uma mina e por um momento percebeu que conseguiu ficar de pé. Após se levantar começou a tatear até achar uma lanterna. Com o ar cada vez mais pesado e com a água entrando na sala de máquinas, encontrou um monte de corpos destroçados. Mas isso foi tudo o que conseguiu ver. A porta da sala de máquinas travou pela pressão da água do outro lado.
- "Ela começou a ranger pela força da pressão e começou a vazar água", disse Capes.
O homem conseguiu guiar até a escotilha de escape 3 outros mecânicos que mostravam sinais de vida e se vestiram com um traje de fuga, feito de borracha, e equipado com uma garrafa de oxigênio e óculos de mergulho.
Este equipamento só havia sido testado até uma profundidade de 30 metros. O indicador de profundidade marcava mais de 80 metros, e pelo que Capes sabia, ninguém conseguiria se salvar a uma distância tão grande da superfície. Mas o tempo estava acabando e cada vez era mais difícil respirar.
O homem inundou o compartimento e com grande dificuldade abriu as taramelas meio danificadas da escotilha. Empurrou para fora seus parceiros feridos e antes de sair ele mesmo, tomou um último gole de sua garrafa de rum.
- "Simplesmente soltei e deixei o oxigênio me elevar rapidamente. De repente estava só nas profundezas do mar. Tinha certeza que ia morrer", contou Capes depois. Foi um penoso trajeto; as temidas bolhas de nitrogênio começaram a se formar em sua corrente sanguínea e uma insuportável agonia apoderou-se dele:
- "A dor no peito ficou desesperante, parecia que meus pulmões e todo meu corpo iam explodir. Comecei a marear com esta agonia. Quanto mais posso durar? perguntei-me."
Quando atingiu a superfície, no entanto, não só estava vivo, senão que continuava consciente; isso não era garantia de sobrevivência, pois os efeitos da descompressão poderiam matá-lo inclusive horas depois, mas ao menos não tinha perecido na ascensão como seus três colegas, que flutuavam no frio mar Jônico.
- "Então, de um momento para outro, saí à superfície e fiquei flutuando na crista de uma onda." Mas apesar de ter culminado com sucesso o maior escape das profundezas conhecido até então, sua luta por sobreviver não tinha concluído. Na escuridão, conseguiu ver alguns desfiladeiros brancos e deu-se conta de que nadar até eles era sua única opção.
O HMS Perseus.
À manhã seguinte, dois pescadores encontraram-lhe inconsciente nas margens de Cefalônia. Durante os seguintes 18 meses, foi transladado de uma casa a outra para despistar os soldados inimigos da Itália, que ocupavam a ilha. Perdeu 32 quilos de peso e tingiu o cabelo de preto em um esforço por passar despercebido.
- "Sempre, em um momento de desespero, algum morador, por muito pobre que fosse, arriscava sua vida e a de sua família por minha família para me proteger, em um gesto de patriotismo e solidariedade", recordaria mais tarde Capes. - "Inclusive teve uma família que me deu uma de suas posses mais valiosas, uma mula chamada Mareeka. Só impuseram uma condição: tive que jurar solenemente que não a comeria."
A marinha Real britânica teve notícias de que um marinheiro inglês se ocultava em Cefalônia e conseguiu resgatá-lo na primavera de 1943, em uma operação própria de um filme: enviaram um barco de pesca que o retirou da ilha, e, para evitar os perigos das águas costeiras infestadas de inimigos, o barco efetuou um ampla volta de setecentos quilômetros para chegar a costa turca sem ser detectado. A partir da Turquia Capes conseguiu viajar até a Alexandria para reincorporar-se a seu antigo posto de fogueiro no HMS Thrasher.
Apesar de que tenha sido condecorado com uma medalha por seu escape, sua história era tão extraordinária que muita gente, tanto dentro como fora da Marinha, achava que era mentira. Estava ele realmente no submarino? Após tudo, ele não figurava na lista de pessoas que embarcaram. E os comandantes do submarino tinham recebido a ordem de fechar por fora as escotilhas de escape para evitar que se abrissem em caso de serem atingidos por uma carga de profundidade.
Não tinha testemunhas e Capes sempre foi considerado um grande contador de causos e histórias. Ele modificou alguns detalhes de seu relato escrito e ademais era difícil acreditar que o indicador de profundidade marcasse mais de 80 metros naquela região.
Por outro lado, ninguém também podia provar que mentia, e os gregos que o resgataram deram depoimento de que Capes tinha naufragado usando a máscara de mergulho, e que ficou na ilha todo aquele tempo, oculto, mas se portando como um grande soldado. Na Royal Navy não puderam desmentir sua versão, pese aos elementos sem dúvida incríveis que continha, de modo que Capes foi sim condecorado. Mas quando sua história correu de navio em navio, quase todos na Marinha o chamavam abertamente de mentiroso.
Terminada a guerra, Capes fez questão de que seu relato era verídico. Inclusive escreveu artigos na imprensa para justificar sua história, mas sua reputação continuou manchada durante décadas. Ele morreu em 1985, aos setenta e cinco anos de idade, sem ter conseguido convencer seu país de que era um autêntico herói de guerra e de que sua condecoração era merecida.
Doze anos após sua morte, em 1997, uma equipe de mergulhadores gregos descobriu um submarino afundado na frente à costa de Cefalônia. Era o HMS Perseus. Repousava sobre o fundo marinho, em posição quase vertical, tal e qual Capes tinha descrito em seu dia, e mostrava um buraco na proa que parecia produto de uma mina.
Na sala de máquinas, diferente do resto do submarino, não tinha corpos, e a escotilha da cápsula de escape estava aberta. Ali os mergulhadores também encontraram o cano lança-torpedos que serviu de liteira para Capes. Perto dele encontraram a garrafa em que ele disse ter tomado rum.
Mergulhador próximo do HMS Perseus.
Todos os detalhes coincidiam com a história de Capes, exceto um: o submarino estava afundado a cinquenta e cinco metros de profundidade, menos trinta dos que ele afirmou. Os mergulhadores encontraram a resposta para esta incógnita quando vasculharam os velhos aparelhos da sala de máquinas, como a bússola que ainda funcionava. O indicador de profundidade, no entanto, se rompeu na explosão e o ponteiro travou no valor que John Capes descreveu antes de abandonar o Perseus: oitenta e cinco metros.
Desde aquele dia, o Reino Unido deu a Capes a categoria de verdadeiro herói. Ele não chegou a viver para contemplar esse momento, mas ao menos foi um dos poucos homens que experimentou um dos maiores milagres da guerra: sair vivo do afundamento de um submarino depois de tomar aquele fortalecedor gole de rum.
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