Nesta entrevista devastadoramente poderosa filmada em 1963, Stefan Westmann, um cabo da 29ª Divisão de Infantaria Alemã na Primeira Guerra Mundial, descreve o ato de matar um soldado francês (também um cabo) com uma baioneta. Ele se lembra dos eventos de um ataque em 1915 por sua unidade, o Regimento da Infanterie 113, contra as posições francesas ao sul do Canal d'Aire em La Bassée, França. Stefan conta como pessoas comuns, que não fariam mal nem a uma mosca, de repente se tornam cruéis ao ter que lutar uma guerra que não é deles. |
Ele foi condecorado com a Cruz de Ferro de Primeira Classe e sobreviveu à guerra. Em seu retorno a Berlim, Stefan retomou sua carreira médica civil, mas sempre se sentiu assombrado pela imagem daquele soldado francês estendido no chão com os olhos esbugalhado.
Ele deixou a Alemanha quando Hitler chegou ao poder e se estabeleceu na Grã-Bretanha, onde mudou seu nome para Stephen Westman e passou a dirigir um consultório de sucesso na Harley Street, conhecida desde o século 19 por seu grande número de especialistas em medicina e cirurgia. Pouco antes de morrer, ele escreveu um livro de memórias, "Surgeon with the Kaiser's Army".
A Transcrição do relato:
Um dia, recebemos ordens para assaltar uma posição francesa. Entramos, e meus camaradas caíram à direita e à esquerda de mim. Mas então fui confrontado por um cabo francês. Ele com a baioneta em punho e eu com a minha. Por um momento, senti o medo da morte. E em uma fração de segundo percebi que ele estava atrás da minha vida exatamente como eu estava atrás da dele. Fui mais rápido do que ele. Aparei seu fuzil fora do caminho e trespassei minha baioneta em seu peito. Ele caiu, colocou a mão no lugar onde eu o havia atingido, e então estoquei novamente. O sangue saiu da sua boca e ele morreu.
Eu me senti fisicamente doente. Quase vomitei. Meus joelhos tremiam e eu estava, francamente, com vergonha de mim mesmo. Meus camaradas -eu era cabo naquela época- não se incomodaram absolutamente com o que acontecera. Um deles se gabou de ter matado um poilu [apelido do soldado francês] com a coronha do seu fuzil. Outro estrangulou um capitão, um capitão francês. Um terceiro havia atingido alguém na cabeça com sua pá. E eles eram homens comuns como eu. Um deles era condutor de bonde, outro um viajante comercial, dois eram estudantes, os demais eram trabalhadores agrícolas. Pessoas comuns que nunca pensariam em fazer mal a ninguém. Como é que eles se tornaram tão cruéis?
Lembrei então que nos diziam que o bom soldado mata sem pensar no adversário como ser humano. No momento em que ele vê nele um semelhante, ele não é mais um bom soldado. Mas eu tinha, na minha frente, o... homem morto, o soldado francês morto... e como eu gostaria que ele tivesse levantado a mão. Eu teria apertado a mão dele e seríamos melhores amigos, porque ele não era nada, como eu, mais que um pobre rapaz que teve que lutar, que teve que avançar com as armas mais cruéis contra um homem que não tinha nada contra ele pessoalmente, que apenas vestia o uniforme de outra nação, que falava outra língua, mas um homem que tinha pai e mãe, e talvez uma família, e assim eu senti.
Acordava de noite às vezes, encharcado de suor, porque via os olhos do meu adversário caído, do inimigo, e eu tentava me convencer, o que teria acontecido comigo se eu não tivesse sido mais rápido que ele? O que teria acontecido comigo se eu não tivesse enfiado minha baioneta primeiro em sua barriga?
O que era isso que nós, soldados, nos apunhalávamos, estrangulávamos uns aos outros, nos atacávamos como cães loucos? O que era isso que nós, que não tínhamos nada contra eles pessoalmente, lutávamos com eles até o fim e a morte? Éramos pessoas civilizadas, afinal. Mas eu senti que a cultura da qual tanto nos gabávamos é apenas um verniz muito fino o qual soltou-se no momento em que entramos em contato com coisas cruéis como a guerra real.
Atirar um no outro à distância, lançar bombas, é algo impessoal. Mas ver o branco nos olhos um do outro e depois correr com uma baioneta contra um homem, era contra a minha concepção e contra o meu sentimento interior.
O MDig precisa de sua ajuda.
Por favor, apóie o MDig com o valor que você puder e isso leva apenas um minuto. Obrigado!
Meios de fazer a sua contribuição:
- Faça um doação pelo Paypal clicando no seguinte link: Apoiar o MDig.
- Seja nosso patrão no Patreon clicando no seguinte link: Patreon do MDig.
- Pix MDig ID: c048e5ac-0172-45ed-b26a-910f9f4b1d0a
- Depósito direto em conta corrente do Banco do Brasil: Agência: 3543-2 / Conta corrente: 17364-9
- Depósito direto em conta corrente da Caixa Econômica: Agência: 1637 / Conta corrente: 000835148057-4 / Operação: 1288
Faça o seu comentário
Comentários
Um relato verídico muito semelhante, esta neste livro - na parte 1 - disponível para download.
https://docplayer.com.br/12...
na parte 1 ( livro1 ). Também é um relato que nos faz refletir muito sobre a situação atual da América do Sul.
O Livro2 é mais "hermético "mas vale nosso esforço em procurar entendê-lo.
O livro 3 ( a 3ª parte do livro) é fenomenal de varias maneiras. Mais ainda se tivermos em conta que foi escrito na década de 40/50 e muito do que trata encontra respaldo na descoberta do "Evangelho de Judas Iscariotes" que veio a público somente no século XXI.
É possível o download gratuito do pdf. Para quem ainda gosta de ler.
Isso me lembra um documentário (ou entrevista, não me lembro) com soldados brasileiros que lutaram na Itália.
Um deles disse que ao matar o primeiro homem, ele chorou, lamentou, dizia a si mesmo que aquele homem devia ter família, filhos, pais, como ele mesmo o tinha.
Ele terminou dizendo: "No final da guerra eu já estava procurando pessoas para matar.".
Ele pegou gosto, todo esse verniz descrito na postagem já havia ido embora ali também. Tudo muito triste. =[
Que post bacana!
A entrevista inteira está disponível no YT e tem cerca de meia hora.