Na última sexta-feira publicamos um bom vídeo da Vox a respeito da "Luta do Século" entre os pesos pesados Jack Johnson e Jim Jeffries. No entanto o vídeo mergulha em muitos detalhes superficiais -com uma narração um pouco arrastada- e poucos históricos. Assim que decidimos acrescentar mais dados sobre aquela luta para mostrar o motivo pelo qual o boxe acabou se tornando um dos principais temas de identidade e orgulho "racial" naqueles antanho. Também exibimos o tão "polêmico" filme da luta. |
Quando Muhammad Ali viu James Earl Jones interpretar um Jack Johnson fictício na Broadway no vencedor do Prêmio Pulitzer de Howard Sackler, "A Grande Esperança Branca" em 1968, ele teria exclamado: - "Basta mudar a hora, a data e os detalhes e é sobre mim!"
Na época de Johnson, no entanto, a maioria dos lutadores peso pesado brancos, como dissemos no post anterior, se recusava a lutar contra boxeadores negros. O campeão dos pesos pesados Jim Jeffries jurou que se aposentaria "quando não houvesse mais homens brancos para lutar". Ele deixou o esporte em 1905, recusando-se a lutar contra Johnson mesmo depois que Johnson nocauteou seu irmão mais novo em 1902 e o provocou do ringue, dizendo:
- "Eu também posso surrar você."
Depois que Jeffries se aposentou invicto, o próximo campeão mundial dos pesos pesados, o canadense Tommy Burns, concordou em lutar contra Johnson em 1908, mas a luta foi em Sydney, porque todos se recusavam a sediar o evento. Burns levou uma surra e a polícia foi obrigada a invadir ringue e parar a luta, só para que Johnson não nocauteasse Burns. Seria muita humilhação.
Dois anos depois, tirado da aposentadoria pela imprensa e com uma bolsa de $ 40.000, Jeffries finalmente concordou em lutar contra Johnson, que era então o campeão mundial dos pesos pesados. Naquela época, a luta havia sido enquadrada como uma crise existencial racial. Johnson era "o desespero do homem branco" e seu desafiante "A Grande Esperança Branca". Jeffries desempenhou o papel, dizendo:
- "Estou entrando nesta luta com o único propósito de provar que um homem branco é melhor do que um negro."
O romancista Jack London sonhou com um cenário mágico em que toda a força da história europeia habitaria o corpo de Jeffries. Ele certamente venceria - "...porque tinha 30 séculos de tradição por trás dele - todos os esforços supremos, as invenções e as conquistas." London só se esqueceu que a fanfarronice e a criação de mitos não ganham lutas de boxe. Fora de forma e superado no ringue, Jeffries perdeu em 15 assaltos na frente de 22.000 fãs em 4 de julho de 1910, no que ficou conhecido como a "Luta do Século". Johnson ganhou $ 117.000 e manteve o título por mais cinco anos.
A vitória de Johnson foi um triunfo para os afro-americanos, que encenaram desfiles e celebrações, e uma derrota profunda para os brancos fãs de boxe que odiavam ver um homem negro no topo do esporte, observa uma biografia de Johnson. Eles descarregaram sua raiva em motins raciais naquela noite, atacando negros em cidades por todo o país como punição coletiva por uma suposta humilhação coletiva. Centenas de pessoas ficaram feridas e cerca de 20 forma assassinadas.
A raiva dos brancos fãs de boxe vinha crescendo desde a luta contra Burns, alimentado pela mais nova forma de mídia de massa, os filmes comerciais, que amadureceram ao mesmo tempo que o boxe profissional. Rolos de filmes de lutas de boxe circularam pelo país na virada do século, e o público pagante aplaudia seus heróis na tela: o boxe, que remontava a séculos, acabou envolto em temas de identidade e orgulho. Os boxeadores representavam sua comunidade, sua nacionalidade, sua raça. Os espectadores imaginavam que os boxeadores no ringue, particularmente nas lutas inter-raciais, estavam quase engajados neste tipo de luta darwiniana pelo domínio.
Lutas entre brancos e negros se tornaram uma espécie de metáfora das relações raciais. Em outras palavras, se um homem branco ganhasse, isso reforçaria as ideias da supremacia branca. Mas se um homem negro ganhasse, isso derrubaria as idéias da supremacia branca.
Como resultado da violência de 4 de julho, as autoridades tentaram proibir o filme da luta de Johnson vs. Jeffries e a polícia foi instruída a interromper os eventos de exibição. O motivo aparente foi que o filme causou tumultos, como se os próprios perpetradores não pudessem ser responsabilizados e como se o próprio filme fosse incendiário.
Mas o que mostrou foi nada mais nada menos do que uma luta justa, algo que Jeffries e a lenda do boxe John L. Sullivan imediatamente admitiram na imprensa depois.
- "Eu nunca poderia ter vencido Johnson no meu melhor", confessou Jeffries.
Na verdade, as autoridades brancas estavam preocupadas com as implicações simbólicas. Eles temiam que qualquer demonstração de vitória negra e qualquer demonstração de fraqueza ou derrota branca pudesse minar as narrativas da supremacia branca, não apenas nos Estados Unidos, mas também em todo o mundo.
Assim o filme teve que ser banido em todo o mundo, mas a luta para suprimi-lo apenas o empurrou para a clandestinidade, onde proliferou. Finalmente, em 1912, o Congresso proibiu a distribuição de todos os filmes de luta com prêmios, mas os membros do Congresso estavam especialmente interessados na lei proposta |por causa do sentimento racial despertado pela exibição da luta entre Jeffries-Johnson.
Além da reação extremamente frágil a um filme de boxe, o que pode nos surpreender agora sobre a violência e a controvérsia em torno das exibições é a veemência das invectivas racistas entre muitos comentaristas, que em sua maioria seguiram o exemplo de London em exaltar abertamente a supremacia branca.
Isso não era incomum para a época. A narrativa foi tecida na luta antes de começar. E quando a "Grande Esperança Branca" caiu, ele não o fez como um oponente individual, ficando ou caindo por seu próprio mérito. O locutor da luta, em áudio emparelhado com o carretel da luta acima, pronunciou-o "humilhado, derrotado, um traidor de sua raça".
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