O Mar de Aral já não é mais um mar. Já faz alguns anos que sua superfície se reduziu a 10% do que era antes, fruto das permanentes secas, da intervenção humana e da inexorável mudança climática que aumenta a temperatura do planeta ano a ano. De modo que as cidades e populações, que antes prosperaram a sua margem, agora só se encontram ante um ermo deserto estendido. Conhecido em português como "Mar das Ilhas", referência à quantidade de ilhas presentes em seu leito (mais de 1500), hoje é apenas um arremedo daquele que foi o quarto maior lago do mundo em seu tempo. |
A paisagem mudou, e com ela se revelou a fragilidade e a insensatez da intervenção humana sobre a mesma. Para comprová-lo, o que melhor que realizar um pequeno passeio fotográfico ao redor da cidade de Moinaque, no Caracalpaquistão, uma república autônoma no Uzbequistão, antes próspera às orlas do que uma vez foi o Mar de Aral?
Mar de Aral, ontem e hoje.
Moinaque hoje conta com 13.500 habitantes, mas várias décadas atrás representava um dos pólos econômicos mais notáveis do Uzbequistão, um país primordialmente desértico que orienta sua vida em torno das escassas fontes de água que encontra. O Aral era uma delas.
O símbolo da cidade ainda é um peixe, por mais que não reste nenhum.
Por isso, Moinaque se converteu em sua única cidade portuária: a atividade econômica gerada pela pesca industrial e o comércio permitiu que prosperasse, ela e seus povoados adjacentes. Hoje está a mais de 150 km dos restos mortais do Mar de Aral.
Como uma tipo de lição sobre a desmedida ambição do ser humano, o destino da cidade sofreu uma reviravolta nos anos sessenta, quando os planos de irrigação da União Soviética (por aquele então a Ásia Central pertencia à gigantesca federação comunista) desviaram o leito de dois afluentes do Mar de Aral, os rios Amu Darya e Syr Darya.
O objetivo passava por tornar o vasto deserto uzbequistanês em fartas plantações de algodão para sua exportação mundial. A monocultura agrícola regional planejada pela União Soviética, desviou a água dos rios tributários do mar para a irrigação dos plantios.
O que ocorreu, no entanto, foi que a grave alteração do milenar e frágil ecossistema acabou com o futuro de Moinaque, porque o planejamento soviético não levou em conta que os ambientes de estepe impõem fortes pressões de seleção sobre os organismos devido às condições climáticas limitantes.
As águas ficaram severamente poluídas devido ao escoamento de produtos químicos agrícolas, fertilizantes e pesticidas implicados no cultivo do algodão, e a mudança dos cursos naturais dos rios começou a erosão no espaço do Aral.
Isso, por sua vez, fez com que os rios sacassem, o mar evaporasse e deixasse as águas remanescentes com níveis altíssimos de salinidade, o que tornou as águas tóxicas provocando o desastre ecológico que resultou na extinção da fauna do mar.
Década a década, o mar começou a retroceder, e com ele a esperança dos habitantes de Moinaque, que viam como a fonte de sua economia se desvanecia ante seus olhos sem que nada pudessem fazer.
Conforme o mar se evaporava, Moinaque ganhava o infame apelido de "cidade fantasma dos barcos", encalhados em um mar de arbustos e erosão do terreno, um lugar onde a água é tão inexistente como frequentes são as tempestades de areia. Um deserto de barcos enferrujados.
Hoje, tempestades de poeira venenosa levantadas por ventos fortes no fundo do mar seco e poluído dão origem a uma infinidade de doenças crônicas e agudas entre os poucos residentes que optaram por permanecer, a maioria deles caracalpaquistaneses étnicos.
Junte-se ao problema um outro causado pela espécie humana, a crise climática, a região se torna cada vez mais inóspita. O clima não moderado pelo mar agora atinge a cidade com verões mais quentes e invernos mais frios do que o normal.
Stihia, o maior festival de música eletrônica da Ásia Central, é realizado em Moinaque anualmente desde 2018, descrito como uma "techno rave em um cemitério de navios abandonados", o evento de 2023 atraiu pouco mais de 7 mil pessoas depois de uma pausa em 2020 e 2021 devido a pandemia de coronavírus.
"Stihia" significa "força imparável da natureza" e é uma referência tanto ao desastre ambiental do Mar de Aral quanto ao poder da música para unir as pessoas. O festival é uma colaboração de músicos, artistas, cientistas, engenheiros e empresários, e uma série de palestras sobre artes, ciência e tecnologia, ocorre junto com o evento musical.
O único habitante resiliente da área desértica é o saiga, o antílope em perigo crítico de extinção,que ainda pode ser encontrado na natureza em torno de Moinaque. Os saigas são altamente vulneráveis, pois são caçados por sua carne, e chifres translúcidos dos machos, que são valiosos na medicina tradicional chinesa.
Hoje o Mar de Aral está praticamente extinto. E o drama, muito pitoresco visto do espaço, deixou largada à própria sorte a importante frota pesqueira do Uzbequistão na era soviética. Um verdadeiro museu a céu aberto dedicado à herança de Moinaque como centro da indústria pesqueira. Mad Max das estepes tártaras.
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firt