Luis Soriano nasceu tão prematuro que, quando chegou ao mundo, todos tinham certeza de que ele morreria. Ele nasceu em 1972, na aldeia colombiana de La Gloria, no departamento de Magdalena, onde cresceu brincando nos campos ondulados do vale homônimo e fez sua vida. Seu pai era criador de gado e sua mãe vendia frutas e leite à beira da estrada. Eles eram camponeses que enfatizavam para seus muitos filhos a importância da educação acima de tudo. Não é por acaso que Luis se tornou um professor. |
Minutos após o nascimento de Luis, seu pai foi buscar uma benzedeira, muito respeitada na cidade, para examinar a criança e dar-lhe sua bênção. Ela se dirigiu para a casa e ficou ao lado dele, olhando seu corpinho de cima a baixo, parecendo refletir se ele estaria destinado a viver tanto quanto ela. Depois de alguns momentos, ela falou:
- "Este pequenino não vai morrer", disse a mulher, enquanto fazia o Sinal da Cruz com um galho de arruda na testa do pequeno. - "Ele vai crescer e se tornar um médico, e vai salvar esta cidade." Embora ninguém saiba sabe se ela mesma acreditava no que estava falando.
Criado no campo, Luis aprendeu com a terra coisas que o povo da cidade nunca entendeu. Nas tardes quentes e úmidas, uma fila de formigas correndo pelo caminho significava que o céu estava prestes a se abrir e chuvas intensas cairiam para refrescar o ar; à noite, o silêncio repentino das rãs e sapos significava que outra pessoa se aproximava na escuridão.
Observando os pássaros, ele coletou algumas observações sobre suas rotinas diárias, como qual das árvores os bandos de araras vermelhas e verdes preferiam para seus poleiros noturnos e a que horas do dia o suiriri cantava seu canto solitário. Essas foram coisas que ele aprendeu desde muito jovem e carregou consigo por toda a vida.
Mas a escalada da violência na Colômbia nas décadas de 1970 e 1980 fez com que Luis não pudesse ficar. Quando os paramilitares e outros grupos criminosos assolaram La Gloria e a zona rural ao redor, os pais de Luis enviaram ele e seus irmãos para morar com a família em Valledupar, a horas de distância. Sua vida brincando entre os animais foi substituída pelas ruidosas e ásperas ruas de uma cidade do vale.
Quando Luis terminou o ensino médio e voltou para La Gloria, decidiu, talvez como produto de todo esse aprendizado e absorção em sua própria vida, que queria ser professor. Ele conseguiu um emprego em uma pequena escola primária rural na vizinha Nueva Granada, onde ensinava leitura e escrita. Ao mesmo tempo, concluiu um diploma à distância na Universidad del Magdalena.
Nenhum de seus alunos fez nenhum trabalho escolar ou parecia ter feito algum progresso nos primeiros anos, e Luis se culpava por isso. Ele se achava um péssimo professor, que havia julgado mal o propósito de sua vida, tudo porque os alunos simplesmente não pareciam estar aprendendo.
Ele percebeu que muitas das crianças, morando em fazendas isoladas que ficavam a vários quilômetros ao longo de estreitas trilhas de terra da escola mais próxima, não podiam praticar a leitura em casa porque não tinham acesso a livros. Um professor com recursos limitados, ele decidiu fazer a única coisa que podia: levar seus próprios livros para eles.
Foi assim que, antes do amanhecer de um dia em 1997, ele pegou um de seus burros e uma pilha de livros e saiu pelo campo. Cobrindo vários quilômetros de terreno difícil, ele parava na casa de cada um de seus alunos e lia com eles, antes de emprestar-lhes o livro e dizer que voltaria no dia seguinte para buscá-lo.
E assim voltava dia após dia, de madrugada, bem antes do início das aulas, pois sabia por experiência que as famílias que viviam no campo se levantavam com o primeiro canto do suiriri e os cantos dos galos no escuro. Mais de 20 anos depois, ele continua com a peregrinação do ensino.
- "No início, as pessoas me viam como nada mais do que um professor meio maluco com alguns livros e seu burro", Luis gostava de dizer. - "Sem perceber na época, criei a própria biblioteca itinerante rural que o mundo hoje conhece como Biblioburro."
O Biblioburro começou com apenas setenta livros, todos do Luis, e apenas um burro. Ele rapidamente acrescentou um segundo burro, fixando estantes de madeira em ambas as selas para facilitar o transporte, e chamou os dois animais de Alfa e Beto.
Ele começou a estender e diversificar a rota de cada dia para alcançar mais crianças na região. Quando o famoso locutor de rádio nacional colombiano Juan Gossain soube da história do Biblioburro em 2003 e a compartilhou com seus ouvintes, começaram a chover doações de livros de todo o mundo. Hoje, Luis possui uma coleção de mais de 7.000 títulos.
Mesmo assim, apesar de toda a atenção internacional, continua sendo uma operação humilde. Quando Luis sai em visita com o Biblioburro, ele o faz sozinho, silenciosamente, com seus dois burros de confiança. Frequentemente, ele não encontra outra pessoa por horas enquanto faz sua caminhada através do terreno acidentado e solitário.
Um passeio desconfortável e uma caminhada ainda mais árdua, sob o sol implacável. Mas as crianças que vivem nesses lugares solitários aguardam com grande fervor a chegada do Biblioburro e de suas histórias, correndo de olhos arregalados na direção de Alfa e Beto ao avistá-los no horizonte.
Talvez, nas crianças a quem serve, Luis Soriano veja alguma parte de si mesmo. Que eles podem vencer as adversidades, pois, embora Luis tenha facilmente se tornado a pessoa mais famosa de todos os tempos de La Gloria, no momento de seu nascimento, seria difícil encontrar alguém que imaginasse que ele teria ressurgido de sua situação tão bem quanto ele.
Após seus primeiros anos com Alfa e Beto, Luis conseguiu abrir a primeira escola primária e uma biblioteca pública permanente em La Gloria, agora repleta de computadores e televisores de tela plana e repleta de livros do mundo todo.
Ele fundou uma segunda escola, em uma aldeia periférica, e uma terceira e uma quarta...
O próprio Biblioburro se tornou um programa para todo o departamento, e há um planejamento de lançar duas novas iniciativas, o Biblioburro Digital, que levará laptops, tablets,e outras tecnologias para crianças em áreas rurais, e o Biblioburro Very Well, uma iniciativa que ensinará inglês a crianças.
Seus pais, que enfatizavam a educação acima de tudo, agora são idosos -sua mãe com 82 e seu pai com 86-. Eles viram o filho crescer e desafiar todas as probabilidades que estavam contra ele desde o momento em que nasceu.
Mas Luis Soriano não é um homem que pensa apenas em si mesmo. Ele percebe tudo e todos ao seu redor: desde o pássaro suiriri, que canta; as crianças, que lêem, até Alfa e Beto, que fazem o trabalho pesado. A benzedeira tinha razão em sua predição: Luis se tornou um "médico da educação", que cura os males do desconhecimento e da incultura ministrando doses de conhecimento, educação e ciência.
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