Em agosto de 1960, duas cadelas vira-latas chamadas Belka e Strelka foram para o espaço a bordo de uma espaçonave soviética, permaneceram orbitando um dia inteiro e retornaram à Terra vivas e bem. Elas foram as primeiras criaturas vivas a sobreviver no espaço sideral. Antes delas, a pobre Laika morreu por superaquecimento horas após o lançamento da Sputnik 2. Após seu retorno, as duas cadelinhas se tornaram uma sensação instantânea em todo o mundo. Também deu confiança aos soviéticos para enviar um humano ao espaço menos de um ano depois. |
Belka e Strelka após seu voo histórico.
Os animais já eram usados em voos muito antes dos humanos deixarem o planeta. Nos primeiros anos da corrida espacial, todos os tipos de seres vivos, de roedores a macacos, foram amarrados a foguetes e lançados no espaço. Assim que voltavam, seus efeitos psicológicos eram observados e as mudanças fisiológicas estudadas para compreender o impacto da exposição ao espaço nos tecidos vivos.
Enquanto os americanos faziam experiências com chimpanzés, os soviéticos preferiam usar cães, porque eram fáceis de treinar, toleravam espaços confinados com facilidade e formavam laços emocionais com humanos. Mais importante ainda, eles eram fáceis de adquirir. A maioria dos cães que foram para o espaço eram cães apanhados na rua.
Lyudmila Radkevich, do programa da Vostok que colocou Yuri Gagarin no espaço, lembra como, armada com uma régua, ela cruzou os subúrbios de Moscou em um carro dirigido por um soldado recruta em busca de cães. Esses cães deveriam ter pequeno porte (altura do ombro - até 35 cm) e peso de até 6 quilos, para que pudessem caber dentro da minúscula cápsula espacial.
Cerca de 60 cães com idades entre 1,5 e três anos foram escolhidos no início do programa, mas apenas cerca de uma dúzia foram realmente treinados para voos orbitais. Apenas cadelas foram selecionadas porque exigiam um projeto muito mais simples do sistema de eliminação de resíduos.
As cadelas eram submetidas a exames médicos detalhados e sujeitadas a programas de treinamento extenuantes, como andar em centrífugas que simulavam a alta aceleração de um lançamento de foguete e usar trajes espaciais por horas a fio. Para prepará-los para os limites do módulo espacial, as cachorras eram mantidas em gaiolas progressivamente menores por 15 a 20 dias de cada vez.
A bordo da espaçonave, as cadelas eram então equipadas com sensores cardiovasculares, de pressão arterial, batimentos cardíacos, temperatura e movimento, alguns dos quais tiveram de ser colocados cirurgicamente no corpo, mas podiam ser removidos se e quando elas retornassem.
Os cientistas decidiram que os animais seriam enviados aos pares, já que se portavam melhor e ficavam mais calmos ao serem acompanhados. A primeira tentativa em 28 de julho de 1960 terminou em tragédia quando um foguete explodiu logo após o lançamento, matando Chaika e Lisichka, que estavam a bordo. Apenas 18 dias depois, os planejadores soviéticos pressionaram para outro voo canino.
Belka e Strelka em treinamento.
Entre o bando estavam Vilna e Kaplya, que eram consideradas as mais inteligentes, perspicazes e resistentes. Um dos cientistas que trabalhavam com os cães decidiu que eles deveriam ter nomes que soassem mais ocidentais para atrair um público mais amplo. Ele mudou seus nomes para Belka e Strelka.
Em 19 de agosto de 1960, as vira-latas Belka e Strelka foram colocados em órbita ao lado de uma variedade de seres terrestres: um coelho cinza, 42 camundongos, dois ratos, moscas e várias plantas e fungos.
- "O lançamento foi bem, todos os dados médicos de seus trajes espaciais estavam corretos e normais", disse Vix Southgate, autora de "Dogs in Space: The Amazing True Story of Belka and Strelka". - "Mas, quando elas entraram em órbita, nenhum delas estava se movendo."
Então, durante a 4ª órbita, Belka começou a vomitar. Foi isso que acabou acordando Strelka. Pelo vídeo gravado a bordo, foi possível ver as cachorras se movendo e latindo, os dados médicos mostravam que elas estavam calmas e não excessivamente estressadas.
Belka e Strelka.
Após 25 horas e 17 órbitas ao redor da Terra, os controladores de solo dispararam os foguetes retrô e os cães desceram de volta à Terra e fizeram um pouso suave. Quando a cápsula foi aberta, Belka e Strelka pareciam ilesas por sua experiência. Ficaram um pouco lentas no início e perderam o apetite, o que era explicado pelo estresse. Mas logo tudo voltou ao normal. A viagem as transformou em celebridades. Suas imagens foram impressas em cartões postais, selos e pôsteres. Elas apareceram na televisão e foram festejadas em programas de TV.
As cadelas não experimentaram quaisquer efeitos nocivos de longo prazo do vôo. Na verdade, Strelka deu à luz seis cachorrinhos saudáveis algumas semanas mais tarde.
Strelka e seus filhotes.
Alguns meses depois, quando o líder soviético Nikita Khrushchev visitou o presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy, o primeiro-ministro soviético não pôde deixar de se gabar das duas cadelas espaciais soviéticas para a esposa do presidente, Jaqueline Kennedy. Quando Jaque soube que uma delas tinha filhotes, disse a Khrushchev se ele não poderia lhe enviar um. Dois meses depois, um embaixador soviético entregou um dos filhotes a primeira-dama. Seu nome era Pushinka.
Posteriormente, Pushkina deu à luz quatro filhotes que Kennedy, brincando, chamou de "filhoteniks". Aproximadamente 5.000 pessoas escreveram para a Casa Branca perguntando se poderiam ficar com um deles. Como resultado, dois dos cãezinhos, Butterfly e Streaker, foram dados a crianças, enquanto os outros dois, White Tips e Blackie, foram para amigos da família.
John e Jacqueline Kennedy e seus filhos com dois dos filhotes de Pushinka.
Quando Kennedy foi assassinado em 1963, Pushinka foi dado a um jardineiro da Casa Branca e mais tarde deu à luz outra ninhada de filhotes. O historiador Andrew Hager tentou rastrear os descendentes de Pushinka, mas, até agora, não conseguiu.
- "Certamente, ainda é possível que haja descendentes desses cães espaciais russos nos Estados Unidos", disse ele.
Belka e Strelka não foram as duas últimas cadelas a ir ao espaço. Seis meses depois Pchyolka e Mushka morreram quando o Korabl-Sputnik 3 foi propositalmente destruído com uma carga explosiva para impedir que as potências estrangeiras inspecionassem a cápsula após uma trajetória errática na reentrada atmosférica.
O corpo empalhado de Strelka no Museu de Cosmonáutica de Moscou.
Aquelas mortes de animais se tornou um assunto espinhoso para o programa espacial russo. A Sputnik 2, por exemplo, não era projetada para ser recuperável, ou seja, desde o lançamento da missão já tinham o conhecimento de que Laika morreria.
Essa missão em específico acabou desencadeando um debate global sobre abuso e testes com animais em geral para promover a ciência. Aquela foi a primeira vez grupos de proteção animal se juntaram para protestar amplamente contra o programa soviético.
O corpo empalhado de Belka no Museu de Cosmonáutica de Moscou.
Na União Soviética, a polêmica foi menor. Nem a mídia, nem o público em geral questionaram, pelo menos, abertamente a decisão de enviar cães ao espaço. Somente em 1998, após o colapso do regime soviético, Oleg Gazenko, um dos cientistas responsáveis pelo envio e treinamento de Laika, disse ter se arrependido por permitir que ela morresse:
- "Trabalhar com animais é uma fonte de sofrimento para todos nós. Nós os tratamos como bebês que não conseguem falar. Quanto mais o tempo passa, mais sinto muito. Não deveríamos ter feito isso ... Não aprendemos o suficiente com esta missão para justificar a morte dela", se lamentou Oleg.
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