No início de 1900, o professor, viajante e fotógrafo americano James Ricalton decidiu conhecer a Índia e viajou extensivamente por todo o subcontinente, documentando e registrando a vida, a cultura e os costumes dos nativos através da fotografia. Certa vez, enquanto visitava algumas aldeias remotas nas colinas de Punjab, no baixo Himalaia, ele se deparou com uma visão incomum, que capturou em sua câmera estereoscópica: homens se preparando para navegar em suas bizarras boias indianas feitas com peles de boi infladas. Assim ele descreve a cena: |
Fica a cerca de trinta quilômetros de Naldera, na região montanhosa do Punjab. O rio de montanha aqui é profundo e rápido; você pode ver à frente como as margens altas e íngremes o cercam e dá para perceber como as chuvas torrenciais, drenando tais encostas, transformariam esse córrego em uma correnteza ferozmente furiosa.
Esses homens são nativos em suas roupas costumeiras, e os objetos de aparência bastante medonha com os quais estão ocupados são peles de gado, costuradas com força e infladas com ar até que possam ser usadas como enormes salva-vidas. Dois dos homens ainda estão trabalhando, enchendo seus "barcos" de ar; eles têm cordões ali prontos para amarrar a ponta da pele quando ela estiver suficientemente distendida.
Outro já encheu seu "barco" em casa e está entrando na água; é volumoso, mas naturalmente muito leve e comparativamente fácil de manusear.
Quando estiverem prontos para começar, cada homem se jogará sobre uma das peles infladas, usando o pé de um lado e um remo curto do outro para impulsionar a embarcação estranha. Se o equilíbrio não for perfeito, é claro que a embarcação capota e ele cai, mas a prática traz a habilidade e, na verdade, pequenas cargas e até passageiros são transportados em segurança. Se vários passageiros devem ser levados, é costume que dois "barcos" partam lado a lado, segurando um ao outro para ajudar a equilibrar a embarcação estranha.
Essa técnica primitiva de atravessar rios e córregos não é exclusiva da Índia tampouco inventada por esses nativos. Um dos exemplos mais antigos dessa técnica pode ser encontrado em um baixo-relevo da antiga Mesopotâmia, de Nimrud, onde outrora decorou os palácios do rei Ashurnasirpal II, que governou a Assíria de 883 a 859 a.C..Agora no Museu Britânico, o relevo mostra soldados assírios nadando apoiados em pequenas peles infladas, provavelmente de cabras.
Ciro, o Grande, também usou peles de animais infladas para atravessar um rio babilônico, conforme mencionado por Xenofonte. Outro exemplo é Dario I, que usou a mesma técnica em 522 a.C. para atravessar o rio Tigre.
As tropas mongóis de Genghis Khan carregavam peles de animais infláveis com eles em suas conquistas para o oeste. Seu neto Kublai Khan também usava pele inflada junto com jangadas de madeira quando a ocasião exigia. Muito mais tarde, os romanos e os árabes ainda recorreram a esta solução simples mas engenhosa para o mesmo fim.
Para preparar o couro para ser usado como dispositivo de flutuação, o bode ou boi era esfolado de forma diferente, pois a pele devia se manter intacta. William Moorcroft, um veterinário e explorador britânico, que viajou extensivamente pelo Himalaia, Tibete e Ásia Central, descreveu o método como ele viu sendo empregado em Punjab em 1820, que foi relatado por James Hornell no The Journal of the Royal Anthropological Institute em 1942.
A pele é cortada ao redor de cada joelho, uma longa incisão é feita na parte de trás de uma perna traseira, estendendo-se até o joelho; através disso, a pele é gradualmente esfolada. Quando descolada, a pele é dobrada e enterrada por alguns dias, para permitir que a decomposição prossiga o suficiente para que os pelos saiam quando esfregados à mão ou com uma faca de madeira sem corte.
Virados do avesso, as aberturas naturais (boca, olhos etc.) são costuradas. Por fim, ela é virada novamente e a incisão principal é costurada com tiras de couro cru. A extremidade aberta de três pernas está agora amarrada, sendo que a quarta fica aberta para servir de tubo para inflar a pele.
O alcatrão fino de cedro-do-himalaia ou de outro pinheiro é então derramado na pele e agitado até que a superfície interna esteja completamente impregnada com ele. O exterior, por sua vez, é curtido por imersão em uma infusão de cascas de romã.
Quando inflada, a pele se parece absurdamente com um enorme urso sem pelos. Um cão não acostumado com a visão muitas vezes rosna e mostra sinais de desconforto. Igualmente estranha é a visão de um homem carregando nas costas o que parece ser um animal três ou quatro vezes maior que seu próprio peso e volume.
As peles são mantidas secas quando não estão sendo usadas frequentemente; quando necessárias novamente, requerem uma imersão preliminar em água para torná-las suficientemente macias e flexíveis para serem soprados. Geralmente, um tubo de palheta é inserido na abertura da perna para o inflador soprar.
Antes da construção de pontes e da disponibilidade de barcos melhores, as boias de pele eram indispensáveis para cruzar rios de montanha intransponíveis na Índia. Apesar de sua aparente primitividade e grosseria, esses "barcos" funcionavam maravilhosamente.
William conta como em uma ocasião todo o seu grupo, composto por cerca de 300 pessoas, 16 cavalos e mulas, e cerca de 200 mands -uma unidade de peso usada na Índia equivalente a cerca de 37 kg- de mercadorias e bagagens, foram transportados através do rio Sutlej por 31 barqueiros, cada um administrando uma pele, em uma hora e meia.
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