Por que conformar com um benefício minúsculo do intermediário se no mercado final você pode conseguir um preço muito superior? Esta é a estratégia comercial que decidiram adotar os índios sewee no último quarto do século XVIII, quando se cansaram dos colonos ingleses pagando uma mixaria pelas peles que vendiam em comparação com o valor que eles obtinham ao vendê-las na Inglaterra. De modo que construíram canoas suficientes para a maior parte da tribo e decidiram remar em mar aberto para chegar àquele país e vender as peles diretamente. A inaudita aventura, claro, não acabou bem. |
Sobre os sewee não se sabe grande coisa porque já não existem como tais. Deixaram faz muito tempo, quando o pouco mais de meia centena de indivíduos que sobreviveram, que ficaram em terra, se fundiram com seus vizinhos catawba em uma data posterior a 1715. Destes restam hoje algo menos que três mil em uma reserva de Rock Hill, na Carolina do Sul,, mas, segundo estimativas, no século XVI, quando estabeleceram o primeiro contato com os europeus, superavam os oito mil.
Os catawba, também chamados iswa, se manteriam à margem das guerras coloniais entre ingleses e franceses, nas quais sim tomaram parte os tuscarora da Carolina do Norte e os yamasee da Geórgia e Flórida. Mas, assim como os sewee, forma muito afetados pelas epidemias de varíola, e sua população reduziu a 500 indivíduos em meados do século XVIII.
Os sewee, em suma, habitavam a parte leste da Carolina do Sul; o que era o curso inferior do rio Santee até o Ashley, no atual condado de Berkeley, onde já começava o território dos etiwaw. Não se sabe que idioma falavam, ainda que dada sua vinculação final com os catawba seguramente pertencesse ao grupo siouan, o mesmo que usava a família sioux.
Em 1670 receberam uma nova visita do mar, mas de gente diferente. Eram colonos britânicos enviados por Sir George Carteret, o potentado ao que Carlos II de Inglaterra tinha concedido a propriedade das províncias da Carolina e Nova Jersey em agradecimento à fidelidade demonstrada durante seu exílio, antes da Restauração.
Os colonos desembarcaram no lugar que batizaram como Baía de Sewee, hoje em dia Bulls Bay, entre o cabo Romana e Port Royal, não longe de Charleston. Inicialmente foram recebidos com hostilidade, mas depois souberam ganhar aos índios com bugigangas e espelhos, iniciando um intercâmbio comercial de contas, anéis de latão e fumo em troca de peles e provisões.
Os ingleses, ademais, se comprometeram a ajudar-lhes a defender dos espanhóis e dos índios westoes, que, segundo contam as crônicas, tinham fama de ser comedores de homens. Efetivamente, estes últimos foram vencidos e a aliança se assentou plenamente, tanto no plano militar como no econômico.
Assim, os sewee recebiam uma libra de pólvora e trinta balas por cada pele que levavam, conquanto para 1696 a relação já não parecia tão amistosa porque teve um processo no qual um magistrado opinou que cada caçador índio devia proporcionar ao menos uma pele anual sob pena de açoite. Ademais, pouco a pouco os brancos tinham crescido e, portanto, começaram a expandir seu território. Os sewee não viram com bons olhos, evidentemente, mas pouco puderam fazer porque se viram afetados por duas inesperadas circunstâncias: o alcoolismo e as doenças do velho continente.
No comércio com os ingleses, os índios descobriram a bebida e muitos caíram no vício, incapazes de superá-la. Em sua bem sucedida obra "Uma nova viagem a Carolina", publicada em 1709, o navegador e naturalista John Lawson conta o patético panorama que originou o rum:
...um licor agora tão consumido por eles que se separarão da coisa mais querida que tenham para comprá-lo, e quando bebem demais e ficam bêbados, os espetáculos são miseráveis, alguns caem sobre as fogueiras e queimam pernas ou braços, danificam os tendões e ficam aleijados pelo resto da vida; outros caem por barrancos e quebram ossos e rompem ligamentos, e pese à abundância de advertências ninguém é capaz de dissuadi-los dessa prática maldita do alcoolismo.
Mais grave foi o problema da varíola, que, segundo Lawson, destruiu milhares destes nativos, que eram consumidos por violentas febres. Naquela época, essa doença seguia sendo mortal muitas vezes na Europa. De modo que as tribos norte-americanas da costa leste se viram assoladas por ela ante a falta de defesas naturais em seus organismos, tal qual tinha passado na América espanhola século e meio antes.
Agora bem, o desaparecimento dos sewee teve uma causa direta, imediata e quase de um golpe só, a cavalo entre o século XVII e o XVIII. Foi um episódio estrambótico e trágico ao mesmo tempo. De alguma maneira, eles ficaram sabendo que as peles que vendiam aos ingleses (cervo, urso, bisão, castor, etc.), só recebiam o equivalente a dois por cento do preço que estas eram revendidas na Inglaterra.
Foi aí que alguém pensou em uma solução que desde seu ponto de vista resultava lógica, mas desde o nosso evidencia uma grande ingenuidade: ir eles mesmos comercializar as peles no outro lado do Atlântico. Obviamente, eles não imaginavam a distância da travessia, achando que bastaria remar para o mesmo ponto do horizonte por onde viam aparecer os barcos.
John Lawson, que, por verdade, dois anos mais tarde morreu nas mãos dos tuscarora depois de ser capturado e torturado brutalmente, contou em seu referido livro:
Eles se lembraram de imediato ampliar sua frota construindo mais canoas e que estas fossem de melhor tipo e maior tamanho para sua tentativa de descoberta. Alguns índios dedicaram-se a fazer as canoas, outros a caçar, cada um no posto para o qual era mais apto com todos os esforços para que fossem capazes de levar um carregamento à Europa. O assunto foi feito em segredo para os ingleses locais. Em pouco tempo tinham conseguido uma frota, muitas peles, provisões e mãos prontas para zarpar, deixando em casa só os velhos, doentes e menores.
Não contaram com os elementos e quando meses depois, em 1701, aquela inaudita quantidade de barcos frágeis, alguns dos quais equipados com velas de esteira, foi colocada no mar, se perdeu de vista e sofreu os embates de uma tempestade devastadora.
Os ventos e as grandes ondas destroçaram suas precárias embarcações e provocaram o afogamento da maioria dos "comerciantes" aventureiros. Alguns sobreviventes foram recolhidos por um barco inglês que aproveitou a ocasião para escravizá-los e vendê-los nas Índias Ocidentais, logo após recolherem as peles que boiavam nas águas.
Assim os sewee foram extintos, pois segundo um censo realizado em 1715, pouco antes da Guerra Yamasee -que durante dois anos enfrentou os colonos britânicos com uma coalizão de tribos-, restavam unicamente cinquenta e sete sewees na Carolina do Sul.
Foram estes os que se uniram aos catawba, que faziam parte de dita coalizão, recebendo assim o golpe final: depoimentos da época acreditam que, naquele contexto bélico, uns trinta sewees foram exterminados ou vendidos como escravos junto a muitos de outras tribos, bem como represália, bem por dívidas originadas pelo consumo de álcool.
Ademais, os próprios catawba foram também dizimados, primeiro pela Confederação Iroquesa, depois pelos britânicos aos que antes tinham apoiado e posteriormente por sucessivos surtos de varíola. Mas o princípio do fim dos sewee teve lugar em alto mar, tentando o impossível.
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