A cerca de 100 quilômetros a sudeste de Budapeste, às margens do rio Tisza, fica uma pacata aldeia com um passado horrível. Foi ali em Nagyrév, um século atrás, que as mulheres começaram a matar seus maridos em massa. Elas foram chamadas de "As Criadoras de Anjos". Tudo começou com a chegada de uma mulher chamada Zsuzsanna Fazekas em 1911, que se apresentou como parteira. Algumas fontes afirmam que ela levava consigo notas de recomendações de vários médicos que a elogiaram por seus conhecimentos de enfermagem. |
Se o passado obscuro de Zsuzsanna levantou algumas sobrancelhas -seu marido aparentemente desapareceu em circunstâncias misteriosas-, ninguém disse nada. Nagyrév não tinha médico na época, então Zsuzsanna foi prontamente aceita como parteira e "mulher sábia" da aldeia.
Zsuzsanna tratava os aldeões com seus problemas de saúde. As mulheres de Nagyrév gostavam dela porque ouvia pacientemente seus problemas íntimos, inclusive os domésticos, e dava conselhos. Logo Zsuzsanna ganhou a reputação de ajudar as mulheres a se livrarem de bebês indesejados. Entre 1911 e 1921, ela supostamente realizou até dez abortos ilegais.
Naquela época, na sociedade húngara, os casamentos arranjados eram comuns. As adolescentes eram casadas com homens mais velhos escolhidos para elas por suas famílias. O divórcio não era permitido socialmente, mesmo que o marido fosse alcoólatra ou abusivo.
Muitas mulheres, como foi o caso de Nagyrév, foram deixadas em casamentos sem amor e tensos com homens que muitas vezes tinham medo. Então, quando a Primeira Guerra Mundial estourou e os homens foram enviados para lutar, as mulheres deram um suspiro coletivo de alívio.
Ao mesmo tempo, um campo de prisioneiros de guerra aliados foi montado fora da cidade. Os prisioneiros de guerra foram convocados para trabalhar nos campos na ausência dos homens. Com os maridos afastados, muitas mulheres se envolveram romanticamente com os jovens soldados.
Após a guerra, alguns dos homens de Nagyrév voltaram para a aldeia e isso deixou as mulheres infelizes. Elas se acostumaram com sua liberdade sexual e não queriam mais voltar a uma vida de subserviência. Elas então procuraram Zsuzsanna em busca de ajuda.
Zsuzsanna persuadiu as mulheres sitiadas a se livrarem de seus maridos opressivos. Ela pegou tiras de papel mata-moscas e as ferveu em um recipiente cheio de água, até que o papel exalasse seu ingrediente ativo, arsênico, que se acumulava em uma película fina em cima da água. Zsuzsanna retirou o resíduo tóxico e os engarrafou em pequenos frascos e instruiu as mulheres a adicionar o veneno no jantar ou café do marido. Logo homens saudáveis começaram a cair mortos como moscas.
Com o passar dos anos, mais e mais mulheres vieram a Zsuzsanna para seu serviço, e não foram apenas maridos insuportáveis que morreram. Pais, filhos e parentes também foram vítimas. Algumas até envenenaram umas as outras.
Os números de quantas pessoas morreram em Nagyrév por envenenamento por arsênico variam muito. Alega-se que outras aldeias na área também estavam fazendo a mesma coisa, e que ao todo 300 pessoas podem ter sido mortas.
Os assassinatos não foram detectados por quase duas décadas porque Zsuzsanna era a única pessoa com conhecimentos médicos da vila. Ninguém questionava quando Zsuzsanna dizia que fulano morreu de cólera e cicrano de diarreia. A cúmplice de Zsuzsanna, Susi Oláh, apresentava as certidões de óbito que indicavam as causas naturais da morte.
A trama veio à tona em 1929, quando uma carta anônima ao editor de um pequeno jornal local acusou mulheres da região de Tiszazug do país de envenenar familiares. As autoridades exumaram mais de 50 corpos do cemitério da aldeia; 46 deles continham arsênico.
Trinta e quatro mulheres e um homem foram presos. No final, oito foram condenadas à morte, mas apenas duas foram executadas. Outros doze receberam sentenças de prisão perpétua. Zsuzsanna cometeu suicídio com seu próprio veneno antes que ela pudesse ser presa.
Os jornais da época observaram com choque que essas mulheres muitas vezes pareciam impenitentes no banco dos réus, até mesmo entediadas com o drama do tribunal. Elas sentiram que tinham feito o que tinham que fazer, independentemente da natureza monstruosa de seus crimes.
Na cidade vizinha de Tiszakurt, outros corpos exumados continham arsênico, mas ninguém foi condenado por suas mortes. Na década de 1950, o historiador Ferenc Gyorgyev conheceu um velho aldeão enquanto estava na prisão sob os comunistas. O camponês alegou que as mulheres de Nagyrév estavam assassinando seus homens desde tempos imemoriais.
A história dos assassinatos de Nagyrév é uma parte vergonhosa da história da Hungria. Mas um pastor da aldeia quis tirar proveito da história infeliz abrindo um museu do arsênico para que as pessoas pudessem viver com seu passado em vez de se escondê-lo.
Em 2004, a BBC foi a Nagyrév para abrir algumas feridas antigas. Eles se encontraram com Maria Gunya, que era uma garotinha quando seu pai, um funcionário local, foi chamado pela polícia para ajudar a investigar os crimes. Quando ela cresceu e se mudou de sua aldeia, ela negou onde pertencia por vergonha.
Nagyrév ganhou destaque em 2005, quando um documentário dirigido pela jovem cineasta holandesa Astrid Bussink, estreou no Festival Internacional de Documentários em Amsterdã. A diretora passou quatro meses na aldeia conversando com os moradores, coletando fatos e anedotas. Ela diz que os assassinatos são lembrados, mas as mulheres não carregam o estigma.
- "Tivemos dificuldade em fazer as pessoas falarem. Eles não queriam falar sobre o assunto e não falavam sobre isso há muito tempo, então fizemos isso com muito cuidado", disse Astrid. - "O que nos impressionou foi que as mulheres mais velhas eram muito tranquilas com os crimes; não falavam deles como se fossem sérios. Os homens estavam no caminho."
Astrid descobriu que não havia um único motivo por trás dos assassinatos.
- "Houve muitas circunstâncias diferentes: pobreza, alcoolismo, desemprego, a Primeira Guerra Mundial. Muitos homens voltaram para casa depois de serem prisioneiros de guerra, alguns ficaram aleijados, incapazes de trabalhar", disse Astrid. - "Elas não viam o que estavam fazendo como assassinato. E se seu marido morresse, você herdava a propriedade. E então estaria em melhor posição para se casar com outra pessoa."
- "Os soldados feridos voltaram para casa com uma grave depressão econômica. Era uma vida dura. As circunstâncias eram extremas e alimentar outra boca que não podia contribuir com nada era um fardo muito grande para a família", acrescentou o prefeito de Nagyrév, Istvan Burka.
Astrid disse que não pretendia fazer um filme com moral feminista.
- "Eu nem sou feminista", disse ela. - "As mulheres naquela época não eram tão bem tratadas, mas isso não é uma justificativa para o que elas fizeram. Eu não queria criar simpatia pelas mulheres."
- "Assassiná-los quando voltavam para casa foi uma solução desesperada para tempos desesperados. E por um bom tempo funcionou muito bem", explicou Astrid.
Os assassinatos causaram medo no coração dos homens de Nagyrév. E, como diz Maria Gunya, cujo pai legista viu tudo, - "...depois disso, o comportamento dos homens com suas esposas melhorou acentuadamente."
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