O ano é 1928. O cenário é o Colégio Thornton Township, que não fica longe da linha de trem que serve Harvey, no estado norte-americano de Illinois. Betty Robinson, de dezesseis anos, sai da escola e percebe que, se não se apressar, perderá o trem. E acontece que o professor de ciências dela estava esperando o mesmo trem na estação. Aquele professor de ciências, um sujeito chamado Charles Price, era um ex-corredor e treinador da equipe masculina de atletismo da escola. Ele reconheceu que a garota correndo para o trem era bem rápida. Mas não rápido o suficiente para pegá-lo. |
Ele ficou realmente surpreso ao ver a garota entra no vagão que ele estava, segundos antes do trem partir. Então ele sabia que tinha uma atleta muito, muito especial ali. Não havia equipe feminina de atletismo no Thornton Township. Mas quando Charles sugeriu a Beth que ela o deixasse cronometrar seu tempo enquanto ela corria por um dos corredores da escola.
Beth não precisou de muito convencimento. Ela era uma criança despreocupada que tocava violão e atuava nas peças da escola. Seu pai era bancário e ela tinha uma família que a apoiava, encantada em vê-la ter sucesso -aparentemente sem esforço- em tudo o que tentava.
Charles ficou boquiaberto com o tempo da menina e poucos meses depois de superar as expectativas dele, Betty se classificou para os Jogos Olímpicos de 1928 em Amsterdã.
Seu timing não poderia ter sido melhor. Antes de 1928, as Olimpíadas não incluíam eventos de atletismo para mulheres. As mulheres participavam da natação, podiam competir no arco e flecha, mas não podiam correr. E depois que chegaram a Amsterdã em 1928, algumas delas ainda não conseguiram correr.
A equipe americana se empolgou um pouco no navio. Havia um pouco de bebida e muita comida. Especialmente, elas gostavam de sorvete, realmente se entregaram e acabaram ganhando muito peso. Talvez porque Betty tivesse apenas 16 anos, o sorvete não a causou nenhum efeito em seu peso. Bom metabolismo, talvez.
De qualquer forma, ela foi a única corredora americana a se classificar para a final dos 100 metros, o que ainda não significava que chegar à linha de largada para aquela corrida era uma coisa certa. Ela tinha dois pares de tênis, mas em vez de pegar o par certo, acabou pegando dois canhotos. Então alguém teve que enviar uma pessoa para pegar o par de tênis no alojamento, e ele mal chegou a tempo para ela terminar na linha de partida.
A arma disparou e, 12,2 segundos depois, a primeira corrida olímpica de 100 metros para mulheres era história. Para os torcedores canadenses, parecia que sua estrela, Fanny Rosenfeld, havia quebrado a fita e começaram a comemorar. Até Betty achou que havia ficado em segundo lugar e ficou emocionada com isso. É assim que ela se lembra da corrida de 100 metros:
Lembro-me de quebrar a fita, mas não tinha certeza se havia vencido. Estava tão perto", disse ela mais tarde. - "Mas meus amigos nas arquibancadas pularam o parapeito, desceram, me abraçaram e começaram a me jogar para o alto. Foi aí eu soube que tinha vencido. Então, quando eles levantaram a bandeira, eu chorei."
Ela não só venceu, senão que estabeleceu o recorde dos 100 metros rasos. Pouco depois disso, Beth, que inicialmente via a corrida como uma brincadeira, começou a levar o esporte mais a sério. Ela ingressou na universidade onde decidiu se formar em educação física com um claro objetivo traçado: queria seguir para ganhar um segundo ouro em 1932. E em 1936, ela seria treinadora. Ou talvez, se as coisas não funcionassem seria uma treinadora adjunta.
Poderia ter funcionado perfeitamente se Betty Robinson não tivesse decidido, em uma tarde quente do verão de 1931, interromper seu treinamento com um passeio de carro. Seu primo Wil, um piloto experiente, assegurou-lhe que seria mais fresco voar entre as nuvens, e talvez, por um tempo, tenha sido.
As pessoas ainda não sabem como isso aconteceu, mas o motor do avião que ele pilotava parou de repente, nos arredores de Chicago, e despencou dos céus. Wil sobreviveu, embora suas pernas estivessem esmagadas.
Quando Betty foi encontrada, ela não respondia, sangrando come um ferimento na cabeça. O homem que a encontrou acreditou que ela estava morta. E ele a levou, não para o hospital, mas para um agente funerário.
Uma das pernas de Betty estava torcida, quebrada em três lugares. Seu braço esquerdo também quebrou e havia um corte profundo sobre o olho direito. Mas o agente funerário era um sujeito observador e percebeu que Betty estava respirando. Ainda assim, os primeiros médicos que a atenderam disseram que ela não voltaria a andar, muito menos correr.
Durante as semanas depois que finalmente deixou o hospital, Betty desanimada muitas vezes não queria sair da cama, mas seu cunhado simplesmente não suportava vê-la naquele estado. E assim, todas as manhãs, ele a acordava e simplesmente a levava para passear. Inicialmente eram apenas alguns passos do lado de fora. E, eventualmente, ele começou a fazer com que ela corresse alguns passos. Com o tempo, esses poucos passos acabaram sendo uma curta corrida ao redor do quarteirão. Beth voltou a sorrir!
Seria muito divertido se correr ao redor do quarteirão levasse diretamente a uma corrida de 100 metros, mas isso não aconteceu. Betty começou a treinar mais forte, depois um pouco mais forte ainda, em um programa de reabilitação que duraria a maior parte dos próximos cinco anos. Mas seus ferimentos a impediram de ficar agachada, posição que os velocistas devem assumir no início de uma corrida.
Os 100 metros eram passado para ela, que teve que ajustar sua visão pensando em se tornar parte de uma equipe. Contanto que ela não fosse a primeira corredora em uma equipe de revezamento, ela não teria que se agachar.
Uma vez que ela teve esse momento de realização, teve um grande impacto em seu estado de espírito. Foi como se tivesse nascido de novo. Também teve um grande impacto em como ela via o esporte e como via suas companheiras de equipe também. Antes, ela não pensava muito sobre isso. Elas eram apenas garotas, mas agora eram mulheres que fizeram grandes sacrifícios para chegar onde chegaram. E ela teria que ser uma delas.
A competição pela equipe dos Estados Unidos que iria para as Olimpíadas de 36 em Berlim foi mais acirrada do que em 1928. E esse não foi o único obstáculo que Betty Robinson enfrentou. O Comitê Olímpico dos Estados Unidos financiou a equipe masculina de atletismo, mas decidiu que as mulheres deviam arranjar seu próprio dinheiro para a viagem.
Suas contas médicas tiveram um grande impacto na família. O pai havia perdido o emprego no banco e a Grande Depressão americana estava em pleno andamento. Determinada, Beth vendeu praticamente tudo o que possuía. Vendeu as fitas e os broches que coletou nos Jogos de 28, embora tenha mantido sua medalha de ouro. Ela encontrou trabalho como secretária e economizou o que pôde. Acabou sendo o suficiente.
Ela chegou a Berlim e era evidente que estava feliz com isso. O New York Times inclusive a apelidou de "Betty Risonha". Mas ela não estava em Berlim para sorrir, só para sorrir. Ela estava lá para correr.
Beth sabia que esta era provavelmente sua última Olimpíada e teve a sensação de que deveria estar lá naquele momento específico. Betty era a terceira corredora no revezamento 4x100. Quando o bastão chegou a ela, o favorito time alemão havia assumido a liderança.
Betty manteve o controle e, logo depois de passar o bastão para Helen Stephens, que correria os 100 metros finais. Ilse Dörffeldt, corredora âncora da Alemanha, inexplicavelmente quebrou uma regra que os corredores de revezamento aprenderam logo: ela tentou passar o bastão de uma mão para a outra e deixou cair. Helen passou correndo por ela e a seleção americana venceu. Betty Robinson conquistou sua segunda medalha de ouro e acabou sendo saudada como uma heroína em um desfile em carro aberto em Chicago.
- "A primeira medalha não foi tão importante para ela quanto a medalha de 1936", disse sua filha Jaine Hamilton. - "a primeira foi mais fácil; na segundo, ela teve que trabalhar duro para se recuperar de uma lesão. Meu tio disse que podia ouvir o pino estalando em seu joelho enquanto ela estava treinando. Deve ter sido muito doloroso quando ela voltou a correr. Ela carregou as cicatrizes do trabalho duro que fez."
Beth acabou se casando com um empresário chamado Richard Schwartz. Tiveram dois filhos e viveram tranquilamente em um subúrbio de Chicago. Ela continuou envolvido com o atletismo como oficial, treinadora e oradora enquanto trabalhava em uma loja de ferragens por muitos anos.
Apenas em 1971, o Comitê Olímpico dos Estados Unidos introduziu Betty Robinson em seu Hall da Fama do Atletismo Nacional dos EUA. Muitos acreditam que ela deveria ter sido homenageada muitos anos antes disso por abriu as portas para todas as atletas do atletismo e por ter feito um grande esforço para participar da sua segunda
Olimpíada.
Ela nunca recebeu a publicidade e a adulação pública de sucessores americanos como Babe Didrikson, Wilma Rudolph e Griffith Joyner. Anos depois de seus triunfos olímpicos, ela disse:
- "Acho que a maioria dos americanos nem me reconhece. Aconteceu há tanto tempo que ainda não consigo acreditar na atenção que recebo por algo que fiz há tanto tempo."
A mulher que "morreu" e recebeu o prognóstico de que nunca mais voltaria a andar correu carregando a Tocha Olímpica dos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, quando tinha 84 anos.
Em 1997 ela foi diagnosticada com doença de Alzheimer e morreu de câncer em 18 de maio de 1999. Elizabeth Robinson Schwartz tinha 88 anos.
O MDig precisa de sua ajuda.
Por favor, apóie o MDig com o valor que você puder e isso leva apenas um minuto. Obrigado!
Meios de fazer a sua contribuição:
- Faça um doação pelo Paypal clicando no seguinte link: Apoiar o MDig.
- Seja nosso patrão no Patreon clicando no seguinte link: Patreon do MDig.
- Pix MDig ID: c048e5ac-0172-45ed-b26a-910f9f4b1d0a
- Depósito direto em conta corrente do Banco do Brasil: Agência: 3543-2 / Conta corrente: 17364-9
- Depósito direto em conta corrente da Caixa Econômica: Agência: 1637 / Conta corrente: 000835148057-4 / Operação: 1288
Faça o seu comentário
Comentários