A história da rivalidade entre irmãos que deu origem à Adidas e à Puma

Às margens do rio Aurach, no estado alemão da Baviera, fica a pequena cidade de Herzogenaurach. Foi ali, no final da década de 1940, que os irmãos Dassler, Adolf e Rudolf, decidiram seguir caminhos separados após uma amarga briga familiar. Cada um deles iniciou um negócio de calçados e cada empresa se tornou um gigante no mundo dos artigos esportivos. Mas a rivalidade familiar que deu início a tudo logo se espalhou pelas ruas, dividindo a cidade em duas facções distintas, já que Herzogenaurach é ainda a sede destas empresas. Esta é a história de rivalidade entre a Puma e a Adidas.

Os irmãos Dassler antes das consequências. Rudolf (esquerda) e Adi (direita). No centro está o atleta Josef Waitzer, que ajudou os irmãos a fabricar os tênis Dassler no início.

Rudolf Dassler, o mais velho dos irmãos Dassler, nasceu em 1898 e Adolf, conhecido pelos amigos como "Adi", nasceu em 1900. O pai deles trabalhava em uma fábrica de calçados, e pode-se supor que sua ocupação servia como a inspiração para a incursão dos irmãos no ramo de calçados. Na verdade, o pai queria que seu filho mais novo se tornasse padeiro, enquanto Rudolf aspirava a ser policial.

Mas Adi tinha os seus próprios sonhos. Ele queria se tornar um atleta. Ao praticar as diversas modalidades esportivas, Adi percebeu que os atletas de cada modalidade careciam de calçados especializados. Adi acreditava que se o atleta usasse calçados otimizados para seu esporte específico, isso certamente resultaria em melhor desempenho. No entanto, antes que pudesse perseguir suas ambições, Adi foi convocado para o serviço militar na Primeira Guerra Mundial e enviado para a Europa.

Quando voltou, Adi abriu uma pequena empresa de fabricação de calçados em um banheiro externo da casa e, com a ajuda do experiente sapateiro Karl Zech, começou a desenvolver calçados esportivos e sandálias. Após a Primeira Guerra Mundial, a Alemanha estava mergulhada em uma grande depressão econômica e Adi teve dificuldade em obter matéria-prima para os seus calçados.

Adi Dassler quando jovem.

Ele começou a vasculhar os destroços do exército na zona rural devastada pela guerra: os capacetes do exército e as bolsas de pão forneciam couro para as solas, enquanto os pára-quedas forneciam seda para os chinelos. Com energia elétrica insuficiente, Adi ligou uma fresadora de couro a uma bicicleta montada em vigas de madeira e pedalava para acionar a máquina.

Dois anos depois, o irmão mais velho de Adi, Rudolf, juntou-se a ele na indústria de calçados e, juntos, fundaram uma empresa chamada Gebrüder Dassler Schuhfabrik. Adi, com sua mente inventiva, liderava o desenvolvimento técnico, enquanto Rudolf era chefe de vendas e marketing. Em 1925, os Dassler fabricavam chuteiras de couro com tachas pregadas e tênis com pontas forjadas à mão. A empresa contava com uma dezena de trabalhadores e juntos produziam 50 pares de calçados por dia.

Rudolf Dassler.

O negócio de calçados dos irmãos Dassler teve seu primeiro avanço nos Jogos Olímpicos de 1928 em Amsterdã, quando a corredora alemã Lina Radke conquistou o ouro nos 800 metros usando um par de tênis Dassler com tachas. Ela também criou um novo recorde mundial ao fazê-lo, provando a teoria de Adi de que era possível chegar mais alto, mais rápido e mais longe com os tênis que eles criaram.

Os calçados Dassler tornaram-se favoritos durante os Jogos Olímpicos de 1932 em Los Angeles, e nas Olimpíadas de Berlim de 1936, a estrela americana do atletismo Jesse Owens correu para quatro medalhas de ouro usando Dassler. A associação dos Dasslers com Owens revelou-se crucial para o sucesso da empresa. Imediatamente catapultou a empresa para um status internacional no setor de roupas esportivas, aumentando as vendas em geral.

Quando chegou a 2ª Guerra Mundial, Rudolf voltou à guerra enquanto Adi ficou para trás para manter a empresa funcionando. Apesar da falta de matéria-prima, principalmente couro, devido à guerra, a Gebrüder Dassler Schuhfabrik continuou produzindo calçados. Em 1943, era a única empresa na Alemanha que ainda produzia calçado desportivo. Nos últimos dois anos da guerra, porém, a fábrica foi fechada e foi forçada a produzir armas para a Alemanha.

A fábrica de calçados Dassler perto da estação ferroviária de Herzogenaurach em 1928.

Após o fim da guerra, começou a formar-se uma rixa entre os dois irmãos, agravada pelo fato de ambos os irmãos, suas esposas e respectivos filhos viverem todos juntos sob o mesmo teto. De acordo com uma história, durante um ataque a bomba aliado em 1943, Adi e sua esposa subiram em um abrigo antiaéreo onde Rudolf e sua família já estavam. Adi teria comentado: - "Os bastardos sujos estão de volta!", referindo-se aos aviões de guerra aliados, mas Rudolf estava convencido de que seu irmão se referia a ele e sua família.

Fresadora a pedal de bicicleta de Adi Dassler.

Desmembrar a Gebrüder Dassler Schuhfabrik era o único caminho a seguir. Adi manteve o departamento de produção e formou a Adidas. Rudolf assumiu a parte comercial da operação do outro lado do rio, onde fundou uma empresa chamada Ruda, que mais tarde se tornou Puma.

E com a família, a própria cidade se dividiu em duas. Os funcionários tomaram partido. Alguns ingressaram na Adidas e outros na Puma. Cada um reivindicou o seu lado do rio e não era aconselhável, se você fosse fã da Adidas, por exemplo, passar para o lado da Puma com tênis da Adidas. Cada lado tinha sua padaria, seus bares, seus clubes esportivos.

Helmut Fischer, que trabalhou para a Puma durante quatro décadas, tem o logotipo de seu empregador tatuado nas panturrilhas e nas costas. E quando conhece alguém pela primeira vez, ele diz que "automaticamente" olha o que a pessoa está calçando antes de dizer olá. O hábito é tão difundido em Herzogenaurach que foi apelidada de "a cidade dos pescoços tortos".

A fábrica de calçados Adidas na década de 1950.

O presidente-executivo da Adidas, Herber Hainer, diz que quando começou a trabalhar para a empresa, há cerca de quarenta anos, eles foram proibidos de sequer mencionar o nome Puma. Tinham sempre que falar do "concorrente do outro lado do Aurach".

Mas nem todos estavam dispostos a se envolver na briga familiar. Klaus Roemmelt, dono de uma padaria centenária em Herzogenaurach, disse aos jornalistas que seus pais sempre tinham um par de calçados de cada marca no carro, que calçavam, dependendo da empresa para onde entregavam.

Marca Puma em tampa de bueiro em Herzogenaurach.

Outros aproveitaram a rivalidade. Quando um faz-tudo tinha que visitar a casa de Rudolf para trabalhar, às vezes ele usava calçados Adidas de propósito. Quando Rudolf via os calçados, dizia-lhes para irem ao porão e escolherem um par novo de Puma, que poderiam receber de graça.

Os irmãos levaram a rivalidade para o túmulo. Mesmo na morte, eles se recusaram a deitar um ao lado do outro. Ambos os irmãos, embora enterrados no mesmo cemitério, seus túmulos estão o mais distantes possível.

A milenar cidade de Herzogenaurach.

Mas as coisas estão mudando. Frank Dassler, neto de Rudolf Dassler, que cresceu usando tênis Puma, agora trabalha para a Adidas como principal consultor jurídico da empresa. É claro que sua decisão de ingressar na empresa rival não foi bem recebida por sua família. Também levantou muitas sobrancelhas na cidade. Mas Frank não se importa.

- "Essa rivalidade aconteceu há anos, agora é história", disse ele.

Em 1987, o filho de Adolf Dassler, Horst Dassler, vendeu a Adidas ao industrial francês Bernard Tapie, enquanto os filhos de Rudolf, Armin e Gerd Dassler, venderam a sua participação de 72% na Puma à empresa suíça Cosa Liebermann SA.

Desde que as empresas abriram o capital, elas não são mais propriedade familiar. A força de trabalho também se diversificou. Agora, a maioria dos trabalhadores não é da cidade e o atrito entre eles se transformou em uma rivalidade menos agressiva. Ainda hoje, os funcionários das duas empresas provocam uns aos outros por causa das roupas quando se encontram na rua, mas hoje em dia é mais zoação do que qualquer coisa.