Quando "Blackbird" chegou em 1968 no LP duplo autointitulado dos Beatles de 1968, conhecido como "The White Album", muitos fãs provavelmente não perceberam que Paul McCartney havia escrito um discreto hino dos direitos civis. Isso se deve à sutileza e universalidade de suas letras. Segundo o livro "Many Years From Now", de Barry Miles, Paul tinha em mente uma mulher negra, e não um pássaro, devido a campanha por direitos civis e igualdade para a comunidade afro-americana nos Estados Unidos. |
Elizabeth Eckford tentando entrar na Escola de Little Rock High em 4 de setembro de 1957. A garota gritando é Hazel Bryan.
- "Aqueles eram os dias do movimento pelos direitos civis, com o qual todos nos importávamos apaixonadamente", disse Paul. - "Então esta foi realmente uma música minha para uma mulher negra, enfrentando esses problemas. Em vez de dizer 'mulher negra morando em Little Rock' e ser muito específico, ela se tornou um pássaro, tornou-se simbólica, para que pudesse aplicar isso ao seu problema específico."
Paul menciona a localidade de Little Rock nessa citação porque a música foi especificamente inspirada no "Little Rock Nine", um grupo de estudantes negros selecionados pela Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor para estudar na Escola Secundária Central em Little Rock, Arkansas, em setembro de 1957, três anos depois da Suprema Corte decidir que a segregação racial nas escolas públicas era inconstitucional.
O governador do Arkansas, Orval Faubus, se opôs à dessegregação e ordenou que a Guarda Nacional do Arkansas impedisse os alunos de entrar na escola. Mais tarde naquele mês, o presidente Eisenhower despachou tropas federais para escoltar os alunos às aulas.
Em 2016, McCartney conheceu duas integrantes do "Little Rock Nine", Elizabeth Eckford e Thelma Mothershed, e durante um show na capital do Arkansas, ele falou sobre como suas experiências o levaram a escrever a famosa canção.
- "Para mim, foi aqui que os direitos civis começaram", disse Paul. - "Vimos o que estava acontecendo e simpatizamos com as pessoas que estavam passando por essas lutas, e isso me fez querer escrever uma música que, se algum dia chegasse às pessoas que estavam passando por essas lutas, poderia ajudá-las um pouco."
Quer as pessoas tenham percebido, ou não, seu verdadeiro significado, "Blackbird" cresceu e se tornou uma das músicas mais regravadas de todos os tempos. Em 2008, ficou em 8º lugar em uma lista compilada pelo jornal britânico Independent. Paul baseou a música em "Bourrée em Mi menor" de Bach, e a doce melodia pode ser adaptada para se adequar a quase qualquer gênero.
"Blackbird" foi regravada pelo menos 278 vezes por artistas que vão desde a cantora e compositora folk-pop Sarah McLachlan até a mais recente reinterpretação de Beyoncé. Paul disse que estava "muito feliz" com a nova versão.
- "Acho que ela fez uma versão magnífica e reforça a mensagem dos direitos civis que me inspirou a escrever a música", escreveu ele. - "Acho que Beyoncé fez uma versão fabulosa e recomendo a todos que ainda não a ouviram que dêem uma olhada. Você vai amar isso."
Paul complementa seu post dizendo que lamenta que ainda hoje em dia possamos conviver com este tipo de coisa.
- "Quando vi as imagens na televisão, no início dos anos 1960, das meninas sendo expulsas da escola, achei chocante e não posso acreditar que ainda hoje em dia existam lugares onde esse tipo de coisa esteja acontecendo. Qualquer coisa que minha música e a versão fabulosa de Beyoncé possam fazer para aliviar a tensão racial seria ótimo e me deixaria muito orgulhoso."
A versão de Beyoncé também tocou pelo menos um membro do Little Rock Nine. Uma semana após o lançamento de Cowboy Carter, Melba Pattillo Beals, uma das corajosas estudantes que fizeram história em 1957, ficou especialmente comovida com a nova gravação.
Se você está se perguntando que aconteceu com Hazel Bryan, a garota que parece gritando impropérios na icônica fotografia do fotojornalista Will Counts. Depois que a foto se tornou pública, Hazel começou a receber correspondências "críticas" e seus pais acharam que sua repentina notoriedade como a garota mais desalmada da América suficientemente alarmante para tirá-la da escola.
Ela se casou constituiu família e, depois disso, sua atitude em relação ao movimento de direitos civis e ao conceito de dessegregação mudou. Um dia, ela percebeu, seus filhos descobriram que a garota rosnante de seus livros de história era sua mãe. Ela percebeu que tinha uma conta a acertar.
Ela sentiu-se culpada pelo tratamento dispensado a Elisabeth, e a contatou para pedir desculpas. Elas seguiram caminhos separados após o primeiro encontro, e mesmo quando "atiçada" pelos repórteres, ela nunca falou mal ou criticou Hazel.
Por sua vez, Hazel tornou-se cada vez mais política, ramificando-se no ativismo pela paz e no trabalho social. Ela ensinava habilidades maternais para mulheres negras solteiras e levava adolescentes negros carentes em viagens de campo.
Hazel esperava que sua reputação pudesse ser recuperada, mas isso só aconteceu no 40º aniversário da desagregação da Escola Central em 1997. Will Counts, o jornalista que tirou a famosa foto, providenciou para que Elizabeth e Hazel se encontrassem. A reunião proporcionou uma oportunidade para atos de reconciliação, conforme observado em um editorial do Arkansas Democrat-Gazette.
O pedido de desculpas de Hazel permitiu que aquela imagem de 40 anos de ódio -que atormentou Hazel durante décadas- fosse apagada e substituída por uma foto de duas amigas. A graciosa aceitação desse pedido de desculpas foi apenas mais um ato de dignidade na vida de Elizabeth Eckford.
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