Mais de 4.500 anos atrás, os fabricantes de cerâmica finlandeses descobriram uma pedra feita de fibras finas que se misturavam muito bem com a argila que usavam para fazer potes. Essa pedra era tão forte e flexível que eles podiam usá-la para tornar seus potes mais finos e maiores do que nunca. Além disso, era surpreendentemente resistente ao calor, então os potes podiam suportar coisas como metal quente. Parecia uma pedra milagrosa e, eventualmente, os antigos gregos, romanos e egípcios também começaram a usá-la. |
Essa rocha era o que hoje chamamos de asbesto, mais conhecida como amianto e, eventualmente, descobrimos que era bom demais para ser verdade e paramos de usá-la tanto. Mas isso demorou um pouco. A palavra amianto na verdade se refere a seis minerais diferentes que têm o mesmo hábito, ou maneira como seus cristais crescem.
Eles são chamados de asbestiformes, o que significa apenas que crescem em fibras longas, finas e flexíveis. Essa flexibilidade, mais sua força e resistência a danos por calor e produtos químicos agressivos, tornaram esses minerais incrivelmente úteis na indústria. O problema é que inalar fibras de amianto pode ser perigoso. Porque para os seus pulmões, essas fibras flexíveis são mais como pequenos cacos de vidro afiados.
Você provavelmente pode imaginar o que acontece se você inalá-las: elas ficam presas no revestimento mucoso dos pulmões, o que pode dificultar a respiração. Inale muitos cacos ao longo do tempo, e eles podem causar doenças como asbestose, ou cicatrizes nos pulmões, e mesotelioma, um tipo de câncer de pulmão.
As formas de amianto com os maiores riscos à saúde são parte de um grupo de rochas chamadas anfibólios, e o que as faz causar mais problemas de saúde do que outras se resume a quatro de suas propriedades químicas e estruturais.
Primeiro, as fibras de anfibólio são menores, então elas podem viajar mais profundamente nos pulmões. Elas também são mais afiadas, então elas podem perfurar os pulmões mais facilmente, causando inflamação ou criando tecido cicatricial. Além disso, elas são hidrofóbicas, ou seja, evitam a água, o que pode impedi-las de se dissolverem no muco. Se dissolvessem, poderiam ser tossidas e sair do sistema respiratório.
Finalmente, elas contêm ferro, que pode reagir com o oxigênio nos pulmões e danificar o DNA nas células pulmonares. O DNA danificado pode então fazer com que as células se dividam muito rapidamente, levando a um tumor. Então, elas podem ser mais cancerígenos, ou formadores de câncer, também.
Então, como o asbesto passou de pedra milagrosa dos antigos ceramistas para o flagelo da indústria moderna? Mesmo no Império Romano, cerca de 2.000 anos atrás, historiadores escreveram sobre escravos que tinham o que chamavam de "doença dos pulmões" depois de trabalhar em minas de asbesto.
E quando as primeiras minas comerciais de amianto foram abertas em Quebec em 1879, problemas de saúde relacionados ao amianto começaram a aparecer em periódicos médicos e relatórios de casos, mas ninguém desconfiava realmente o que estava acontecendo.
Uma das primeiras mortes bem estudadas foi em 1924 no Reino Unido. Nellie Kershaw, que fiava amianto desde os 13 anos, morreu aos 33 anos de asbestose. Este foi o foi o primeiro caso a ser descrito na literatura médica, e o primeiro relato publicado de doença definitivamente atribuída à exposição ocupacional ao amianto. No entanto, seus antigos empregadores, Indústria de Amianto Irmãos Turners, negaram que a asbestose sequer existisse porque a condição médica não era oficialmente reconhecida na época.
Quando o Parlamento britânico soube do caso, eles pediram a um médico conhecido como E. R. A. Merewether para investigar a saúde dos trabalhadores do amianto. Por dois anos, ele estudou 374 trabalhadores em uma fábrica têxtil de amianto. Ele descobriu que a inalação de fibras de amianto causava cicatrizes nos pulmões e que 17 em cada 20 trabalhadores que trabalhavam lá por mais de 20 anos acabaram com asbestose.
Merewether apresentou seu artigo ao parlamento em 1930, e o Reino Unido começou a exigir ventilação em fábricas de amianto um ano depois. Mas foi somente em 2003 que o amianto foi proibido em toda a União Europeia.
A indústria do amianto no Brasil é uma história completamente diferente. O país chegou a ser o terceiro maior produtor mundial de amianto de crisótilo, um subgrupo de minerais asbestiformes do grupo da serpentina, que supostamente é menos perigoso que o anfibólio, pelo menos isso dizia um lobby de fabricantes de amianto de crisótilo.
O amianto crisotila está presente em milhares de produtos, dos quais os mais conhecidos são os produtos de fibrocimento para construção civil, como telhas e caixas d'água, painéis lisos para divisórias, forros e pisos etc.
A chamada "tese dos anfibólios", patrocinada pela indústria e seu forte lobby, satanizava este tipo de amianto para poder salvar a crisotila de uma iminente proibição. Estudos posteriores desmentiram essa hipótese segundo a qual só o amianto anfibólio causa danos à saúde. Concluiu-se que o risco de câncer de pulmão é similar, tanto para a crisotila quanto para os anfibólios.
A partir daí começou uma batalha judicial desde a Lei nº 9.055, sancionada por Fernando Henrique, que disciplinava a extração, industrialização, utilização, comercialização e transporte do amianto e seus derivados no Brasil, em 1995. Associações de trabalhadores questionaram a legalidade de uma lei que promove substância consabidamente nociva à saúde da população brasileira.
Muitos estados se adiantaram e decidiram eles mesmo proibir o amianto, por exemplo, em 2008, o estado de São Paulo proibiu completamente o uso de produtos, materiais ou artefatos que contenham quaisquer tipos de amianto no território estadual. Outros estados seguiram a medida e trouxeram proibições semelhantes. Foram os casos, por exemplo, dos estados de Pernambuco, Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.
A própria população também decidiu assumir as rédeas da questão e começou a substituir todas as suas instalações que levavam amianto. Isso resultou em um outro grande problema: lixões de amianto. Por este motivo, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) publicou uma resolução que proíbe o descarte destes materiais em áreas não-autorizadas. Hoje para fazer o descarte de telhas de amianto de maneira correta, é importante contratar uma empresa especializada, e que trabalhe de acordo com as normas vigentes a respeito de transporte e destinação de resíduos tóxicos.
Em 2017, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) ajuizou ADI alegando que as leis estaduais eram inconstitucionais porque impunham uma restrição maior do que aquela que é prevista em lei federal e, portanto, ela teria invadido competência privativa da União para legislar sobre o tema.
O Supremo Tribunal Federal considerou a lei paulista constitucional e ainda declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do Art. 2º da Lei Federal nº 9.055/95 que autorizava o uso do amianto crisotila de forma controlada. Apesar dessa declaração de inconstitucionalidade não possuir eficácia vinculante e efeito erga omnes, possui força persuasiva muito forte, podendo-se considerar que o amianto está praticamente proibido no Brasil.
Nos EUA, o amianto foi muito usado durante a Segunda Guerra Mundial, pois era barato, forte e resistente a fogo e produtos químicos. Navios de guerra usavam isolamento de amianto, e edifícios eram construídos com pisos de amianto, telhas, cimentos e isolamento para canos. A produção de amianto nos Estados Unidos finalmente começou a desacelerar em 1979, quando nove fabricantes de amianto entraram com uma ação judicial contra o governo federal. Em 1975, eles pagaram US$ 69.000 a um trabalhador de amianto que desenvolveu asbestose e queriam ser reembolsados.
Mas o governo não aceitou isso. Em vez disso, eles provaram que as empresas sabiam e estavam escondendo informações de saúde relacionadas ao amianto por décadas. O caso recebeu muita atenção da mídia, e as pessoas começaram a tentar resolver o problema removendo o amianto dos edifícios.
Mas os EUA, assim como o Brasil, ainda não proibiram totalmente o uso do amianto. Seja como for, os riscos por exposição ao amianto não são aceitáveis nem em nações desenvolvidas, nem naquelas de industrialização recente. Além disto, existe disponibilidade de substitutos mais seguros e apropriados. Uma proibição mundial imediata da produção e uso do amianto é há muito esperada, completamente justificada e absolutamente necessária.
Mas... tranquilo! A menos que você seja um trabalhador da indústria do amianto que passou muitos anos sem uma máscara de ventilação, ou seja um antigo ceramista finlandês, provavelmente não precisa se preocupar em ter uma doença relacionada ao amianto.
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