Cinquenta e oito anos atrás, a China mergulhou na década mais caótica e traumática de sua história recente: a Revolução Cultural. Durante esse período, a nação foi tomada por uma histeria peculiar: uma mania por mangas. A fruta se tornou um objeto de profunda veneração e um veículo para a promoção do culto ao Presidente Mao Tsé-Tung. Numa manhã de agosto de 1968, os operários ouviram notícias de uma misteriosa reunião obrigatória. Rumores sussurrados no refeitório descreveram envios de um presente do líder comunista do país. |
De fato, os gerentes logo entregaram um presente para cada operário da fábrica: uma caixa de vidro contendo uma réplica de uma manga em cera dourada. Esta fábrica não foi a única instalação a receber essa oferta incomum. O Presidente doou mangas frescas para fábricas por toda a China, fazendo com que empregados ficassem acordados até tarde, tocando as frutas e contemplando o significado por trás do gesto de Mao. Alguns tentaram preservar a manga fresca em formol, enquanto outros a comeram e encomendaram réplicas de cera do seu prêmio.
Elas tiveram um impacto enorme. Ninguém no norte da China naquela época sabia o que eram mangas. Então os trabalhadores ficavam acordados a noite toda olhando para elas, cheirando-as, acariciando-as, imaginando o que era essa fruta mágica.
Esta fábrica não foi a única instalação a receber essa oferta incomum. O Presidente doou mangas frescas para fábricas por toda a China, fazendo com que empregados ficassem acordados até tarde, tocando as frutas e contemplando o significado por trás do gesto de Mao. Alguns tentaram preservar a manga fresca em formol, enquanto outros a comeram e encomendaram réplicas de cera do seu prêmio.
Em uma fábrica, trabalhadores iniciaram um ritual estranho: descascando e fervendo suas mangas para criar um caldo "sagrado" que eles comiam com colher. Já que a medicina tradicional chinesa envolvia ingredientes fervidos, é possível que este vinho de manga tenha sido inventado como um tipo de tônico curador.
Logo, surgiram mitos de que a fruta garantia vida longa como os "Pêssegos da Imortalidade" da mitologia chinesa. E ao se recusar a comer as próprias mangas, Mao, generosamente sacrificou sua própria longevidade para a classe trabalhadora. Mas independente das intenções de Mao, essa mania de manga não foi tão frívola como possa parecer.
E, na verdade, sua aparência inofensiva escondia uma verdade mais obscura. Dois anos antes, Mao Tsé-Tung havia lançado a Revolução Cultural, um movimento político e ideológico de uma década cuja intenção era apagar pensamentos capitalistas e tradições culturais da sociedade chinesa. Para concretizar esse plano, Mao chamou a Guarda Vermelha, um grupo paramilitar liderado por estudantes.
Ele os alistou para ajudar a erradicar os "Quatro Antigos", um grupo vagamente definido de costumes, hábitos e ideias frequentemente associado com a elite da classe alta. O dogma de Mao era militante, e a Guarda Vermelha interpretou que sua visão era alcançável apenas por violência. A Guarda Vermelha atuava acima da lei e da ordem, saqueando templos e túmulos, incluindo os da dinastia real e de Confúcio.
Casas eram invadidas e pilhas de livros queimadas nas ruas. Mas o tumulto da Guarda Vermelha foi muito além de danos de propriedade. Eles começaram a promover "sessões de esforço": espetáculos públicos projetados para humilhar os chamados inimigos de classe. Vítimas eram acusadas de terem valores elitistas, capitalistas, e eram frequentemente forçadas a usar símbolos pesados detalhando seus crimes.
A Guarda Vermelha pressionava as pessoas a acusarem seus amigos e família. Eles manipulavam estudantes a denunciar seus professores e pais. Eles gradualmente chegaram a tortura e execuções. Depois de dois anos de caos da Guarda Vermelha, ao notar o caos, Mao retirou seu apoio e enviou 30 mil operários do PCC para lutar contra a Guarda Vermelha na Universidade Qinghua.
Com a ajuda do Exército de Libertação Popular, estes operários tiveram sucesso, mas os estudantes atacaram com lanças e ácido sulfúrico, matando quinze e ferindo mais de 700, antes de finalmente se renderem. Mao agradeceu os operários com um caixote de 40 mangas. Este gesto não foi tão generoso quanto parecia já que Mao estava na verdade passando um presente que recebeu do ministro das Relações Exteriores do Paquistão. Mas ainda pior, esta recompensa foi rapidamente infectada pela ideologia da Revolução Cultural.
Como ferramenta de propaganda, as mangas de Mao exigiam um alto nível de respeito. Trabalhadores embarcavam em ônibus sem aquecimento em temperaturas abaixo de zero para visitar exibições de manga obrigatórias organizadas pelo governo. Operários eram reprimidos por não segurarem suas réplicas de forma segura.
E em Sichuan, um homem que disse que manga "não era nada de especial e que parecia batata doce" foi preso, julgado e executado. Por razões desconhecidas, a febre das mangas terminou um ano e meio depois. Depois que a Guarda Vermelha foi dissolvida e participantes foram enviados para o campo para reeducação, a mística da manga se dissipou da propaganda oficial.
As réplicas de cera foram reutilizadas como velas durante apagões. E hoje você terá sorte em encontrar uma bandeja ou um medalhão de manga antiquado enquanto passeia pelo mercado das pulgas em Pequim. Mas o conto das Mangas de Mao é só uma pequena estória em meio a uma década de história dolorosa e enterrada.
A discussão sobre a Revolução Cultural é restrita em toda a China. E apesar de alguns ex-Guardas Vermelhos tentarem desafiar essa política publicamente refletindo e pedindo perdão pelas suas ações, eles ainda evitam difamar Mao Tsé-Tung. Dado o atual cenário político da China, apenas o tempo dirá quando essa história será discutida aberta e livremente.
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