De todas as grandes aberrações, idiotices e desordens pelos quais sem dúvida o governo do repulsivo George W. Bush passará à história, não são poucos os que devem ser atribuídos a seu também repulsivo vice-presidente Dick Cheney. Nos momentos em que não estava ocupado cuidando dos fabulosos negócios de sua empresa Halliburton, Cheney era capaz de cometer idiotices menores, ainda que não menos espantosas. |
Uma delas foi o apoio explícito que seu escritório deu a um projeto de um compositor californiano chamado David Woodard. O músico proclamava as boas intenções de estabelecer laços fraternos entre duas cidades irmãs: Juniper Hills, no sul da Califórnia, confraternizaria com Nova Alemanha, a 250 quilômetros de Assunção no Paraguai.
Entre os patrocinadores do projeto estavam um diretor de cinema norte-americano, um novelista suíço e algumas ONG's. Os juniperianos comprometiam-se a canalizar toda a ajuda do Primeiro Mundo para uma aldeia perdida no monte paraguaio. Com essas contribuições os neoalemães começariam a resgatar a sua cidade da decadência e empreenderiam a construção de um grande teatro wagneriano em terras latino-americanas. Quando Woodard já tinha arrecadado uma considerável quantidade de fundos, recebeu a bênção de Dick Cheney, que não duvidou em rubricar uma moção de apoio ao projeto.
Foi então quando os inoportunos jornalistas fizeram uma superficial e wikipédica investigação sobre a tal Nova Alemanha. Descobriram que se tratava de uma colônia inspirada em um projeto utópico racista, fundada no fim do século XIX por Elisabeth, a irmã de Nietzsche, e seu esposo, o ideólogo anti-semita Bernhard Förster. Ambos receberam de Hitler a honraria como heróis nacionais. Se isso não fosse o bastante, Josef Mengele escondeu-se em Nova Alemanha durante vinte anos.
David Woodard com os irmãos Schweikhart, descendentes dos colonos que chegaram a Nova Alemanha, en 1886.
Quanto ao músico Woodard, era um conhecido supremacista branco especializado em música fúnebre. Tinha composto um hino em homenagem a Timothy McVeigh, o terrorista que explodiu um edifício de Oklahoma e outro com uma letra escrita por Jack Kevorkian (doutor Morte). Também vendia aparelhos psicodélicos chamados Dreammachine e tinha como clientes Kurt Cobain e Iggy Pop. Venerava a memória do ideólogos nazistas e nenhuma de suas confusas explicações conseguiu convencer a ninguém.
Cheney tratou de esconder o tropeção, os juniperianos juraram que não conheciam Woodard, o músico negou que fosse nazista e os neoalemães, com sua híbrida cultura teutônico-guaranítica, seguiram vegetando na miséria.
Essas coisas costumam ocorrer aos servidores públicos quando assinam sem ler todos os papéis que as secretárias lhes entregam, mas sempre fica a dúvida de saber se Cheney não estaria realmente de acordo com os ideais arianos.
O grande cunhado
Bernhard Förster.
A história de Nova Alemanha é digna de um filme de Werner Herzog. Antes de casar com a irmã de Nietzsche, Bernhard Förster era um professor de segundo grau com ativa militância anti-semita. Fogoso orador, era conhecido como o autor de um manifesto que qualificava os judeus de parasitas do corpo alemão. Preocupado pela emigração alemã a América do Norte, Förster dizia que "a cada vez que um alemão se torna ianque, a raça humana empobrece". Seus olhos olhavam com esperança a América do Sul, onde confiava achar um habitat virgem que permitisse desenvolver um experimento de pureza racial tectônica, longe de qualquer suspeita de democracia.
A inspiração ele encontrou no ensaio "Religião e arte" (1880), que Richard Wagner escreveu contra a emancipação dos judeus. Pensava criar uma comunidade de vegetarianos austeros onde todos fossem de pura raça ariana. Mas apesar de que seu cunhado tinha proclamado a morte de Deus, pensava em fazê-los luteranos. Por suposto, a atividade econômica estaria em mãos de sua própria empresa, a Försterhof.
Richard Wagner.
Para levar à prática seus sonhos Förster contava só com um mapa desenhado pelo coronel Morgenstern, que era então o ministro de Imigrações do Paraguai. Guiado por esse mapa, ficou dois anos perambulando por terras paraguaias, em busca de um lugar para construir sua utopia.
Começou a esboçar seu plano em 1885 quando negociou a cessão de terras fiscais com o general Bernardino Caballero, que então presidia o país.
Todos os pais das 14 famílias que chegaram ao Paraguai em 1886 eram formados em universidases, muitos deles músicos. Förster disse a eles que o açúcar crescia em varas no Paraguai e que as condições eram ideais para a agricultura. Mas logo descobriram que os métodos alemães de cultivo não se adaptavam à selva e tiveram que enfrentar os rigores do clima tropical, muitos deles não suportaram e voltaram logo à Alemanha.
Os que ficaram, levantaram uma escola, uma pequena capela e uma mansão que a própria Elisabeth rodeou de laranjeiras e palmeiras. Mas três anos depois Förster já estava falido e optou pelo suicídio. Quatro anos mais tarde Elisabeth também abandonou a colônia para voltar a Europa. Os colonos alemães ficaram perdidos no Paraguai, sem outra perspectiva que uma longa decadência.
Nada das construções originais ficou de pé. Atualmente, não há capela nem escola. O povoado tem 4 mil habitantes e é um dos mais pobres da região. Faltam serviços básicos, a eletricidade chega a poucas casa e não tem telefone. As crianças têm que percorrer léguas a cavalo para ir à escola mais próxima.
Os primitivos colonos foram dizimados pelas doenças, e seus descendentes falam uma mistura de espanhol e guarani. Nos casos em que não existiu miscigenação, o patrimônio genético da "raça pura" empobreceu-se depois de 125 anos de endogamia. Uma das fundações que ingenuamente se interessaram pelo projeto de Woodard tinha proposto estudar as mutações e doenças hereditárias que costumam prosperar em um contexto de isolamento.
O único sucesso de Nova Alemanha foi o colono Federico Neumann em 1901, quando conseguiu cultivar e processar a erva mate, dando origem a uma grande indústria. Não foi uma grande descoberta, porque um século antes os jesuítas já cultivavam e exportavam em proporções industriais, difundindo um costume que ainda perdura em vastas regiões do Mercosul.
A irmã abusiva
A bela e má Elisabeth.
Em 3 de junho de 1889 Bernhard Förster, pressionado pelas dívidas e o fracasso de sua colônia, encerrou-se em uma habitação do Hotel do Lago, em San Bernardino e tomou uma generosa dose de morfina e estriquinina. Em seu testamento, legou parte de Nova Alemanha a Friedrich Nietzsche, apesar da antipatia que o filósofo lhe professava. De toda forma, era tarde, porque em 3 de janeiro desse mesmo ano Nietzsche, depois de abraçar um cavalo nas ruas de Turim, acabava de se afundar para sempre na loucura.
Nietzsche detestou Förster desde o primeiro momento, e nem sequer dignou-se a ir ao casamento de sua irmã. Também detestava que o confundissem com a irmã "canalha anti-semita".
Nada disso significa que não fosse racista. Nem sequer seus devotos atuais são capazes de afirmar que ele era tolerante. Nietzsche não somente desprezava os judeus senão também os alemães e o resto da espécie humana. Sua última conferência pública foi para condenar os males da educação popular usada com fins políticos, mas ironicamente esse acabou por ser seu destino assim que ficou inválido nas mãos da irmã.
Elisabeth em 1861.
Sua ruptura definitiva com Elisabeth ocorreu em 1888, em plena experiência paraguaia. Antes disso, a irmã tinha oferecido várias vezes para que ele investisse algum dinheiro na colônia, mas Nietzsche se negou. Também não quis viajar a América do Sul. Debochava de todas as utopias de volta à natureza, e as qualificava explicitamente de filosofia para o gado.
Em 1893, alguns anos após o suicídio de seu marido, Elisabeth voltou a Alemanha e passou a organizar o Arquivo Nietzsche e a edição dos manuscritos inéditos de seu irmão. Também se encarregou de catapultar a fama de Friedrich até para além de sua morte. Chegou a cobrar entrada para que os devotos pudessem vê-lo, quando estava reduzido à invalidez. Fez mais, falsificou textos do irmão em favor da nascente ideologia nazista.
O Führer e seus amigos
Elisabeth tinha 84 anos quando aderiu ao Partido Nazista. Hitler acabara de chegar ao poder e ela se encarregou de consagrá-lo ao presidir uma cerimônia na qual fez a entrega a Hitler da bengala usada por Nietzsche.
Elisabeth e Hitler.
Hitler mandou enviar terra alemã ao Paraguai, para que fosse depositada na tumba de Förster. Assim falou Zaratustra passou a ser a bíblia da juventude hitleriana, e um exemplar do livro foi depositado no santuário nazista de Tannenberg junto a Minha Luta e O mito do século XX, de Rosenberg.
Quando Elisabeth morreu, Hitler mandou celebrar um solene funeral de Estado em sua homenagem.
As utopias não são em princípio boas nem necessariamente apontam ao bem-estar da humanidade: Bernhard Föster concebeu a semente de delírios raciais dignos do racismo ulterior, mas sua utopia sucumbiu ao clima tropical e transformou os arianos de Nova Alemanha em uma raça frágil, doente e miserável, bastante longe dos sonhos despóticos. O ovo da serpente, enterrado debaixo do Cruzeiro do Sul, gorou.
Fontes: A história de Woodward e da Nova Alemanha achei no San Francisco Chronicle e no The Atlantic, com busca de informações mais detalhadas aqui, aqui e na Wikipédia.
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Comentários
Dá medo essas coisas. Pra qualquer coisa ligada a neonazismo é um mau presságio.
Não gosto nada dessa filosofia de vida de segregação e seleção de raças.
Pela decadência desta "raça pura" (seja lá isso o que for) se pode ver que é na diversidade que se encontra o melhor da humanidade. Mistura de genes, cores e feitios dão origem à beleza e à inteligência. Basta olhar para os países onde esta mistura é feita há séculos, nomeadamente no Brasil.
ahhh, que bom :D
kkkk :oops:
Aaaaaffff
Eu sabia dessa coisa da irmã do Nitszche, mas ele não era anti-semita.
Qualquer pessoa que tenha lido O Anticristo sabe do que estou falando.
De todas falsificações paraguaias esta é a maior, arianos puros do Paraguai kkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Tá cheio de Gente boa lá!!!
Se fosse um quilombo, tava beleza, até davam a terra de graça pros caras.
Agora só porque se trata de uma colônia Alemã os caras vem com paus e pedras.
Parabéns Admi, é uma óptima licção de cultura.
É sempre bom relembrar os horrores do nazismo.
Não fazia a minima ideia que Mengel (médico da morte) esteve escondido 20 anos.
Infelizmente a humanidade ainda não aprendeu e a segregação racial existe.
nossa, meu, q gente patética.
Não costumo ter posições radicais muito menos reacionárias, mas sou completamente contra a dar-se facilidades para esse tal neo-nazismo ressurgir das profundezas de negritude de nossa história mundial.
Abaixo ao neo-nazismo e a qualquer outra espécie de radicalismos.
Viva a liberdade e a convivência pacífica entre os povos, e principalmente entre os cidadãos.
Paz no coração de todos.
:ma: era pra mim ser o primeiro, eu não estava conseguindo logar :ma:
Muito bom o artigo mas cada vez fica mais claro que a idiotice humana não tem limites antigamente e nos tempos atuais
dbgxcvb
Finalmente primeiro! :D