Mulher vulcão

Os amigos te convidam a sair para a balada e você categoricamente recusa, mas lá dentro um sentimento estranho, contraditório, quase que inveja.

- "Não". - Pensa você. - "... inveja devem ter eles..." - Afinal você esta namorando a nora que mamãe pediu, a gata mais linda do bairro, boazinha, inteligente, se veste com reserva, caseira e o melhor de tudo: é louca por você.
A caminho da casa da gata você se vê, sem saber porquê, passando na frente do "point" onde os amigos estão. De longe não consegue deixar de notar um grupo de mulheres, todas de "tops" e minissaias sumaríssimas, parecem uniformizadas. No centro do grupinho uma loira descomunal balança as ancas ao som de "atoladinha", enquanto o Zeca, aquele seu amigo "nerd" cheio de espinhas, se esfrega com ela."
- "Opa, acho que me viram..." Você vira o rosto para o outro lado, acelera o carro para não ter que explicar o porquê está a quilômetros de distância do seu destino.
- "Não”. - Pensa você. - "... o que estou fazendo aqui? Tudo um bando de vagabas..." - Você se convence e segue quando pensa na imagem de sua gata cheirosinha saindo do banho com os cabelos molhados sorrindo pra você.
Desce do carro, titubeia quando lembra da loira gostosa.
- "PQP, se o Zeca, com aqueles óculos fundo de garrafa, está pegando um avião daquele, o que eu iria pegar?!?"

- "Oi meu anjo, porquê demorou? Peguei um filme ótimo para vermos”. - O sorriso angelical de propaganda de pasta de dentes, seguido de um beijo caloroso, te faz esquecer tudo.
Dá uma desculpa qualquer, cumprimenta os futuros sogros que o recebem com deferência e se acomoda no sofá ao lado de seu “anjo de candura”. Estranhamente, o sentimento de fastio é mais forte que o cheirinho de sabonete de criança que emana do corpo dela.
- "Não". - Pensa você. - "... quem é que consegue isso? Já tenho até uma cama no quarto do cunhado viciado, e os sogros fingem não ver quando, de madrugada, dou uma escapadela para o quarto dela”.
Você tenta se ater às cenas de pancadaria que varrem a tela da TV de plasma.
- "Melhor você dormir por aqui hoje, Vai cair um pé-dágua danado". - Diz a sogrinha conservada enquanto atravessa a sala comendo um daqueles danoninhos que prometem fazer qualquer um cagar em 15 dias.
- "Cara, o que esta acontecendo? Você tarando a sua sogra?!? E o porquê deste filme se sua gata nem gosta do gênero?" Aliás, você olha sua gata e só consegue ver uma grande mala, sem alça, que não faz outra coisa a não ser tentar te agradar.
- "Chega... acabou, não estou preparado pra me enclausurar para o resto da vida nesse namoro".
Ela, com os olhos arregalados e já marejados, não entende nada:
- "O que eu fiz? Qual o problema? Eu não sou bonita e inteligente? Você conheceu outra?" - Você pensa, pensa e não consegue achar nenhuma desculpa, nada. Mesmo assim, sai sem olhar pra trás deixando-a ali chorando humilhada e perdida.

Para no primeiro posto que encontra, vai até a loja de conveniência e toma um energético com a bebida que tiver a mão, lembra da loiruda, despenteia o cabelo para parecer despojado e sorri sozinho pensando:
- "Balada, aqui vou eu..."

No dia seguinte, a ressaca só não é maior que a frustração e a vergonha dos pequenos lapsos de lembrança que tem:

- Você levou uns tabefes quando tentava agarrar aquela loira com cara de traveco, namorada do Tonhão;
- Pagou o maior mico dançando sozinho no meio da pista como um "frango destroncado";
- Vomitou nas violetas da ex-sogra quando lá voltou as cinco da manhã para "pedir penico" para seu ex-anjo de candura, que recusou terminantemente em vê-lo;
- E de sobra ainda levou um chute na bunda do ex-cunhado quando o ex-sogro o expulsava de casa.
Somente daí reflete a grande besteira que fez:
- "Não". - Pensa você. - "... só fui com muita sede ao pote, sentimento reprimido é assim mesmo".
Fica gorado, mas finge o contrário pra si mesmo, a toda vez que o celular toca e não vê o nome dela no visor. O sentimento de frustração permanece quando os amigos, depois de te gozarem pela noite anterior, te convidam a sair para uma rave.
- "Hoje a noite vai ser um arraso". - Responde fingindo uma euforia que não sente.

A caminho da festa você se vê, sem saber porquê, passando na frente da casa dela. Uma penumbra na janela, talvez seja ela, mas é o ex-sogro que aparece na varanda.
- "Opa, acho que me viu..." Você vira o rosto para o outro lado, acelera o carro para não correr o perigo de levar mais alguns sopapos.
- "Não". - Pensa você. - “... o que estou fazendo aqui, estou livre, acabou aquela rotina chata..."

A festa está bombando, gata pra todo lado. Procura sua turma e torce para que o Tonhão não esteja ali. Um aceno, e você reconhece os amigos. No meio deles, uma gata ma-ra-vi-lho-sa balança as ancas ao som de "gulosa". Um frio percorre a sua espinha, você engole em seco amargamente:
- "Não!!!" - Sim. - "Não!!!" - Sim, é ela, com os cabelos esvoaçantes, vestindo um "top" branco e uma micro-saia de couro e fazendo "caras e bocas". Todos babam em volta dela que te vê e, com um sorriso sarcástico, finge que não.
Você diz que vai buscar uma bebida e disfarçadamente vai embora, aliás, vai para o primeiro boteco que encontra, toma um porre e passa a noite inteira babando e enchendo o saco do dono, falando sobre a sua desilusão e de como conseguiu transformar um anjo lindo em uma mulher-vulcão.

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by LuisãoCS