Poon Lim nasceu em 1917 na ilha de Hainan, no sul da China. Com 25 anos e em plena Segunda Guerra Mundial decidiu trabalhar como marinheiro nos pomposos navios mercantes britânicos. Em novembro de 1942 alistou-se na tripulação do SS Ben Lomond, de 6.600 toneladas, em rota desde Cidade do Cabo até a Guiana Holandesa.
Devido às condições meteorológicas o barco desviou-se de seu itinerário chamando a atenção do comandante alemão Carl Emmermann, oficial em chefe do Submarino alemão U(boot)-172.
Às 14:10 horas de 23 de novembro de 1942, e como "ação preventiva", o mercante Ben Lomond capitaneado por John Maul foi torpedeado e afundado pelo U-172 a 750 milhas ao leste do rio Amazonas, no Brasil. O poder destruidor do batiscafo alemão foi tal, que 44 marinheiros, 8 tripulantes e o capitão pereceram vítimas do inferno provocado pela calculada ingerência bélica.
Poon Lim estava descansando em um dos camarotes de serviço na coberta superior, bem ao lado oposto do rombo aberto pelo torpedo. A caprichosa casualidade permitiu ao marinheiro de primeira viagem agarrar um salva-vidas e pular no mar antes que este começasse a afundar. A trilha sonora da fuga alternava os gritos de seus amigos e os chiados da estrutura metálica do navio cedendo.
O navio Ben Lomond
Quando as águas frias atingiram as ferventes caldeiras do mercante o choque térmico provocou uma grande explosão que terminou por afundar o navio. A única obsessão de Poon era nadar para longe para evitar a sucção do navio em seu decesso. Em sua fuga Poon viu pela última vez os únicos cinco colegas que conseguiram abordar um dos botes salva-vidas do outro lado do navio.
Os 5 marinheiros foram interceptados pelo submarino e feitos prisioneiros à espera de seu resgate por outro navio de apoio, enquanto Poon, exausto e afastado das turbulências e possibilidades de resgate permanecia agarrado a um salva-vidas semi-inconsciente pelo esforço. Após algumas horas, e com a contraluz crepuscular, Poon divisou a alguns metros uma das péssimas balsas de apoio do Ben Lomond. Num último esforço, nadou até a superfície daquela que seria sua casa nos próximos 132 dias, desmaiou de cansaço.
Dia 1. A Intendência.
Com as primeiras luzes da manhã Poon recuperou a consciência e acordou do pesadelo da realidade. Sua balsa, uma desengonçada embarcação de 3x3 metros feita de tábuas de madeira sobre latões de 200 litros, continha um pequeno kit para a sobrevivência de quatro pessoas durante alguns poucos dias. Sob uma alçapão da balsa encontrou:
- Oito latas de pequenas bolachas britânicas;
- Um barril de água de 30 litros;
- Duas barras de chocolate;
- Alguns torrões de açúcar;
- Alguns sinalizadores, duas tigelas de alumínio e uma lanterna.
Não tinha sinais de velas nem de remos, o que provocou a constante deriva da limitada embarcação. Poon calculou que as provisões eram suficientes para 20 dias, motivo pelo qual seu ânimo e esperança de resgate eram bastante otimistas.
Semana 2. A solidão e o avião.
Poon Lim passava dias e noites tratando de encontrar qualquer sinal de vida. Um navio ou uma aeronave que lhe resgatasse, mas seus esforços resultaram vãos e inúteis. Uma noite, um avião passou por ali destacando no firmamento estrelado. Poon Lim disparou um dos sinalizadores e um ponto luminoso varou a escuridão do mar. Nenhuma mudança de trajetória no avião. Uma vez mais, só na escuridão da noite, Poon apoiou sua cara no tabuleiro de madeira e dormiu.
Semana 4. Um presente do vento.
Um entardecer, após seus rotineiros exercícios nadando entre tubarões ao redor da balsa para não perder a forma, Poon Lim sentou-se para meditar buscando uma lembrança salvadora no horizonte. Seu olhar, perdido, regressou a seu passado, sua infância, sua família, seus quadros, suas telas...
...seu pensamento confundiu-se com a realidade ao divisar um pedaço de lona naval a uns vinte escassos metros do barco. Provavelmente, deveria ser do navio que afundou. Sem piscar, Lim pulou na água e nadou o mais rápido possível para alcançar o pedaço de lona.
Poon Lim utilizou o trapo para improvisar uma pequena barraca de campanha na balsa e assim proteger-se do sol que estava rasgando a pele. Mas a sorte foi ainda maior ao descobrir atada em um dos extremos da lona, uma longa corda de cânhamo que utilizou para se amarrar à balsa nos dias de tormenta e evitar sua perda nas inumeráveis quedas.
Semana 6. A criatividade da fome.
Com o fim das provisões acentuou a perspicácia. A partir da sétima semana Poon começou a desenvolver o instinto mais arcaico do homem; aquele que levou-o a se perpetuar acima de qualquer hábito e doutrina.
Desmontou a lanterna, inútil e já gasta, para forjar um anzol com uma de suas peças metálicas. Durante dois dias ficou conformando com os dentes e seu sapato-martelo até encontrar a forma adequada. A corda serviu de linha de pesca e a última bolacha foi reservada como isca para a primeira captura: Uma pequena sardinha que serviu de isca, por sua vez, para maiores capturas. Com as tampas dos potes de bolachas improvisou afiadas facas para destripar o pescado e retirar alguns dos pequenos moluscos que já aderiam à balsa e melhor serviam como isca.
As capturas não eram constantes e dependiam das correntes marítimas e dos cardumes. Uma tarde a balsa adentrou em um imenso banco de pescado que permitiu que Poon enchesse literalmente a barca de capturas que serviram para os dias de mais carência.
Poon pôs o pescado para secar uma vez limpo, separando tripas, vísceras e sangue que armazenava nos cantos da balsa. Tal foi o acúmulo de capturas e vísceras que começou a ter um problema de cheiro e putrefação impedindo, inclusive, sua correta oxigenação. Cometeu então um dos poucos erros de sua travessia quando, ao se desfazer das vísceras e sangue, provocou a chegada de uma legião de tubarões que ficaram rondando durante vários dias, espantando qualquer vislumbre de pesca e provocando a maior crise de fome da viagem.
Semana 8. David versus Golias.
Os tubarões não iam embora e Poon não tinha como pescar. A fome conduziu-lhe à única opção que restava: tinha que caçar um tubarão.
Para isso voltou a fabricar um novo anzol, maior e resistente, com um dos pregos que uniam as tábuas de madeira a sua estrutura. Com seu sapato-martelo e a garrafa moldou a vasta agulha que amarrou, de novo, a sua corda, desta vez trançada para aumentar sua resistência. A última cabeça de pescado serviu como isca para enganar ao seu "Golias".
O tubarão eleito, a menos de dois metros, mordeu e agitou a isca, Poon sabia que sua única opção era puxá-lo de uma vez só para a balsa e matá-lo a punhaladas. Em 10 minutos tinha as tripas do tubarão enlatadas, as barbatanas secando e como refresco tinha preparado o sangue do fígado.
Semana 12. A loucura da sede.
Depois do consumo da garrafa inicial da água. Poon automatizou a coleta da água procedente das chuvas e tormentas utilizando o duplo forro de sua jaqueta com um peso e com um buraco para reconduzir ao interior da garrafa. Até a décima semana o ritmo de chuvas, devido à estação, tinha sido suficiente, mas após uma grande tormenta que acabou com todas as provisões sólidas e líquidas e com meia balsa iniciou um período de seca que resultou na desidratação de Poon.
Derrotado pela tormenta, observou como os albatrozes e gaivotas vagueavam a zona alertados pela podridão. Poon pegou todo tipo de algas e plantas marinhas do fundo da balsa e as amontoou como um ninho para atrair as gaivotas enquanto esperava agachado e coberto com os restos da lona.
Quando um albatroz baixou ao ninho com restos de pescado, Poon lançou-se sobre a ave e a dentadas cortou seu pescoço para chupar seu sangue e devorar sua carne. Alguns dias mais tarde a chuva regressou e Poon recuperou sua quota de água doce.
Semana 14. Um barco a 50 metros.
Durante uma manhã de sua 15ª semana no Atlântico, Poon foi acordado por um forte apito marinho. Ele pensou que era parte de seu pesadelo, mas logo depois divisou um imenso cargueiro americano aproximando-se até uns 50 metros de sua balsa. Segundo comentou posteriormente, alguém percebeu que era chinês justo antes de manobrar e se perder de novo no horizonte.
Uns dias antes Poon havia sofrido a visita de um esquadrão aéreo norte-americano, que divisou e inclusive lançou uma bóia com marcador desde o ar. Uma tormenta paralisou o possível resgate e dispersou a patrulha aérea.
Dia 130. O princípio do fim.
Poon Lim contava os dias com moscas em um dos lados da balsa, e as noites com cruzes. Posteriormente utilizou pequenos pedaços de corda para computar o calendário lunar. No dia 130, notou que a água estava com uma cor mais verde pálida que de costume. Uma grande revoada de pássaros voava próximo a sua embarcação e uma grande quantidade de algas flutuavam na superfície. Todos estes eram sinais que animaram sua esperança de uma costa próxima.
Dia 133. O resgate.
Poon Lim na chegada a Belém, três dias após abandonar a balsa.
Na manhã do dia 133, em 5 de Abril de 1943, viu uma pequeno veleiro no horizonte. Não tinha mais sinalizadores e por isso saudou agitando sua camiseta em um esforço para atrair a atenção da tripulação. A embarcação mudou de direção e dirigiu-se a ele.
Os três homens do pequeno barco pesqueiro, que falavam português, o levaram a bordo. Deram-lhe a água e um grande prato de feijão e continuaram pescando, pois não podiam regressar a terra sem a pesca. Três dias mais tarde seguiram rumo ao oeste de Belém, na foz do rio Amazonas. Poon tinha percorrido 1.200 quilômetros.
As Honras
Poon Lim saiu caminhando sem problema após o resgate. Sua perda de peso durante a deriva foi de 10 kg e passou alguns dias se recuperando no hospital antes de viajar para Nova Iorque.
Recebeu numerosas honras. O rei Jorge VI outorgou-lhe pessoalmente a Medalha do Império Britânico, o prêmio civil mais alto. A Marinha Britânica editou folhetos impressos e colocou-os em todas as balsas salva-vidas de seus navios descrevendo as técnicas de sobrevivência experimentadas por Poon Lim. Enquanto, a "Ben Line Shipping Company", companhia armadora do barco afundado, presenteou Poon com um relógio de ouro.
A mudança para os Estados Unidos
Poon Lim e sua família em 1958.
Após a guerra decidiu emigrar para os EUA, mas a quota de cidadãos chineses estava completa. Só a mediação do senador Warren Magnuson mediante um projeto de lei, que foi aprovado pelo Senado dos EUA e a Câmara de Representantes, serviu para emitir um visto de imigração para Poon Lim e permitir que residisse de forma permanente nos EUA.
Instalou-se em Nova Iorque e morreu, septuagenário, no Brooklyn em 4 de Janeiro de 1991. Lim entrou para o Livro Guinness dos Recordes como o homem que mais tempo passou flutuando em alto mar.
Nos anos 80 a escritora Ruthanne Lum McCunn romanceou ao pé da letra as aventuras de Poon Lim no livro de sucesso ""Sole Survivor".
Fonte: A história é uma narração original e pseudo-cronológica do MDig deste compêndio da história.
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Comentários
alguém passa o link de onde encontrar esse livro
Aff, spam nos coments? Ninguém merece!
esses sim sao verdadeiros herois sobreviveram a isso tudo nosssssa!!!!!!!!parabens!
Tive uma vez, a oportunidade de uma rápida leitura de um manual de sobrevivencia onde havia varias referencias a esta historia. Um exemplo muito forte da capacidade do homem em superar e sobreviver.
Muito interessante!
Concordo com Shiran,daria um filme bem melhor do que "Naúfrago".
Nossa ;x
Guigoleta: O Carlos está certo. Septuagenário é quem tem 70 anos. Poon Lim morreu em 91 com exatamente 74 anos. Não há contradição nenhuma.
CARACA! porque não fizeram um filme dessa história, ainda?
Robinson Crusoe o cacete! Poon Lim é o cara!
guigoleta:
Não estendi sua colocação... 1917 - 1991 = 74. Se ele tinha 74 anos, ele era sim um septuagenário.. que vem de 70. certo?
" Septuagenário = qualquer pessoa, coisa ou fato que possua 70 anos de existência "
esse cara teve história para toda a vida e netos, bisnetos e assim vai....
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é aquela coisa, a desistência é para os covardes, e nessas situações, os que desistem não merecem viver(porque não conseguem e se jogam aos tubarões, provavelmente)
Parabens Luisão!!!! Este post é melhor que muitos filmes que assisti!!!
Sinistro mesmo, eu ja tinha me jogado nos tubarões a muito tempo!!
TINHA QUE SER CHINÊS !!!!!
Caracaa!!!
Isso que é vontade de viver...
Deve ter dado ótimas historias para contar aos
filhos e netos.
Parabéns ao chinês
In-crí-vel !!!
.
É impressionante o instinto de sobrevivência do cara...
Queria tê-lo conhecido...
:-/
Já pensou se todos nós usássemos esta força para sermos pessoas melhores ?
Bah...
''Poon Lim nasceu em 1917 ..''
''...filhos e netos e morreu, septuagenário, no Brooklyn em 4 de Janeiro de 1991''
vejo uma contradição...
Isso dá um excelent filme... Mais interessante é saber que tudo isso ocorreu em terras brasileiras.. Eu nasci e cresci em Belém e nunca tinha escutado essa história
O cara é a prova viva da força de vontade de querer viver acima de tudo.
segunda
PRIMEIRÃO.