Quem acompanha a série Vikings, inspirada nas sagas de Ragnar Lodbrok, o lendário herói nórdico -representado magistralmente pelo ator Travis Fimmel-, sabe muito bem as incursões de seus guerreiros pelos mares para invadir as nações vizinhas. Tanto que, nas lendas, Ragnar ficou conhecido como o flagelo da Inglaterra e da França. Mas alguns anos depois das grandes invasões, sobretudo na Inglaterra, o rei Harald I (vivido por Peter Franzén -primeira foto-, na série), começou a provar do mesmo remédio. |
A historicidade de Ragnar, o camponês que botou terror na Europa e que se tornou rei, não é muito clara. Alguns historiadores dizem que a lenda aparenta ser uma tentativa de consolidar alguns dos muitos eventos e histórias épicas, porém confusas, conhecidas sobre Ragnar, mais especificamente sobre um nórdico conhecido apenas pelo nome latinizado, Ragenarius, que teria recebido terras na região da Frísia, atual Holanda, como presente de Carlos, o Calvo, rei dos francos.
Há também registros de um viking chamado Reginheri, parente do rei Horik, que em 845 liderou um famoso cerco a Paris, fatos encenados na terceira e quarta temporada da série. É por isso que muitos atos atribuídos a ele podem ser associadas a várias figuras historicamente mais documentadas como o próprio Harald ou o rei Horik e inclusive ao brutamontes Rollo.
Já Harald, ou Haroldo I, não é mítico (não de todo). Ele é considerado o fundador da dinastia Hårfagreætta e o viking que por fim uniu a Noruega, mas que também colecionou um monte de adversários devido as suas incursões marítimas e aos refugiados que foram para a Islândia ou ilhas próximas. Foi assim que depois de se tornar o único rei da Noruega, começou a sofrer com a ação de saqueadores à costa.
De modo que, em 875 encabeçou uma expedição de castigo e conquista de sua base de operações até as ilhas Orkney e Shetland, situadas ao norte da atual Escócia. Os saqueadores receberam um duro castigo e foram expulsos das ilhas. Em compensação pelo filho perdido durante a batalha, Harald concedeu o governo das ilhas e o título de conde a Rognvald Eysteinsson. Mas Rognvald, com o consentimento do rei, renunciou às terras e ao título em favor de seu irmão Sigurd Eysteinsson.
Sigurd assinou uma aliança com Thorstein, o Vermelho, e ampliaram seu território tomando Caithness, Argyll, Moray e Ross, na Escócia, motivo pelo qual ganhou o apelido de Poderoso. Em um dos confrontos com os escoceses, desafiou Máel Brigte, um líder nativo, a uma batalha com 40 homens de cada lado. Como Sigurd não confiava nos escoceses, ou para se assegurar da vitória, se apresentou com 80 homens.
Quando Máel se deu conta da falcatrua, longe de fugir, animou seus homens para que cada um deles matasse dois oponentes que lhes correspondiam. Lutaram literalmente como vikings, mas a superioridade numérica de Sigurd decantou a batalha a seu favor.
Como troféu de guerra, Sigurd decapitou Máel e pendurou sua cabeça no estribo de seu cavalo. Partiram para celebrar a vitória, mas o movimento do galope fez com que um dente que sobressaia da boca de Máel fincasse na perna de Sigurd. Aquela ferida inflamou, infeccionou e Sigurd morreu pouco tempo depois por uma infecção generalizada. A lenda conta que ele foi enterrado perto da cidade atual de Dornoch, em Sutherland, Escócia.
Não confie nunca em seus inimigos... ainda que estejam mortos.
Já em relação a Ragnar Lodbrok, a pesquisadora Elizabeth Rowe, da Universidade de Cambridge, que estudou a lenda, diz não acreditar na existência de uma figura histórica com este nome. O tal do Reginheri teve um fim bem chinfrim, ao cair vítima de uma disenteria logo após a invasão a Paris, quando tinha entre 33 e 37 anos.
O fim do Ragnar das lendas também não é lá grandes coisas, mas é bem mais cênico. Anos depois de saquear Paris, Ragnar decidiu voltar ao reino da Nortúmbria para se vingar do seu grande desafeto, rei Aella. Mas acabou capturado, depois que seus barcos afundaram, e foi jogado em um buraco cheio de cobras venenosas. A mitologia conta que ele morreu recitando poemas sobre Valhala e alertando Aella do futuro sombrio que teria na mão de seus filhos. Aella realmente passou por um tipo de tortura que não dá nem coragem de descrever, pela mão dos cinco rapazes.
No entanto, assim como o rei Haroldo I, Björn Ironside, um de seus filhos na série, foi um personagem histórico, cujas narrativas contam saques memoráveis no Mar Mediterrâneo. Um desses relatos conta que Björn chegou à cidade italiana de Pisa e depois de saqueá-la, seguiu terra adentro até chegar em Luna, que ele pensou que era Roma. Para atravessar os portões da cidadela murada, Björn mandou seus homens contarem a história que eram vikings refugiados em busca de comida e de um enterro para o chefe que teria se convertido ao cristianismo antes de morrer.
As autoridades permitiram a entrada do saco com o corpo e dos homens, até que Hastein, o capitão de Björn, saiu dali e saqueou a cidade. Quando por fim descobriu que não era Roma, Björn mandou matar todos os homens de Luna. De fato, há muitas outras histórias sobre como Björn se aventurou em invasões pela Inglaterra e França, sempre saindo ileso, o que lhe rendeu o famoso apelido "Flanco de Ferro". Ele voltou para a Escandinávia como o rei de Uppsala, atual Suécia, e, ao que parece, acabou sendo retratado nas sagas como filho do mitológico Ragnar por uma questão mais estética do que histórica.
Ivarr, o Sem Ossos, foi também um dos famosos reis filhos de Ragnar e sem dúvida um dos personagens mais assustadores de Vikings. A origem do apelido é incerta, mas é plausível acreditar que ele tinha alguma má formação física. Se suas pernas eram frágeis, por outro lado, a lenda conta que tinha braços tão fortes que suas flechas seriam as mais poderosas entre todos os vikings. Ivarr supostamente liderou um exército que saqueou a Grã-Bretanha em 865, se estabelecendo depois em York e conquistando Dublin, onde assumiu o posto de rei.
Rollo (latinização de Hrólf, seu nome original), talvez o personagem tão amado quanto odiado da série, também é histórico. As lendas retratam o homem tão corpulento que alguns cavalos não podiam carregá-lo.
Hrólf invadiu a França quando em 911 chegou a Paris navegando pelo Sena. Quando a guarda francesa contra-atacou, seu bando tinha matado todos os cavalos, vacas e animais que encontrara pela frente. Com esta massa de corpos empilhados construíram uma barreira, e o cheiro do sangue amedrontou os cavalos dos adversários, que foram obrigados a recuar.
O rei francês, então, sugeriu um acordo em que os invasores podiam se estabelecer na região, desde que a defendessem de outros ataques dos homens do Norte. Hrólf se converteu ao cristianismo e foi rebatizado como Rollo, assumindo o reinado da região no norte da França, conhecida como Normandia, justamente por causa da sua origem.
Rollo se casou com a filha do rei Carlos III, e seu tataraneto William, o Conquistador, foi o primeiro rei normando da Inglaterra. Por isso, Rollo seria a origem indireta de toda a monarquia europeia, inclusive da atual família real britânica. Na série Vikings, Rollo é o irmão de Ragnar, mas tal fato também não é descrito na mitologia nórdica. Nesse caso foi apenas licença poética dos autores da série.
Ok...ok... vocês venceram. Alguns amigos e outros nem tão muy amigos reclamaram porque não citei Lagertha, a antonomásia de Vikings. É impossível não se apaixonar por ela vendo o seriado. A razão dela ter ficado de fora é muito simples: apenas citei os personagens realmente históricos, não porque eu prefira Rollo, senão porque o homem realmente existiu e provavelmente, apesar do seriado retratá-lo, às vezes, como um baita fdp, foi muito mais herói que Ragnar (historicamente falando).
A história de Lagertha é registrada em passagens do nono livro de Gesta Danorum, uma obra da história dinamarquesa do século XII, do historiador cristão Saxo Grammaticus e está intrinsecamente relacionada com a história de Ragnar. Se o herói é um reflexo de contos míticos, todos aqueles ao seu lado também são. Certo?
De acordo com a historiadora Judith Jesch em seu livro "Mulheres na Era Viking", a rica variedade de contos em Gesta Danorum, que incluem o conto de Lagertha, são considerados em sua maioria fictícios. Ao retratar as várias mulheres guerreiras nessas fábulas, Saxo utilizou a lenda das Amazonas da antiguidade clássica, mas também de uma variedade de fontes nórdicas antigas (particularmente islandesas), que não foram claramente identificadas. De fato, Lagertha tem todas as características de Þorgerðr Hölgabrúðr, uma divindade Aesir nórdica.
Então, podem ter existido muitas Lagerthas, como demonstrou a análise de uma descoberta arqueológica, na Suécia, que os restos de um Senhor da Guerra era em verdade uma mulher, mas infelizmente a Lagertha de Vikings não passa muito possivelmente de um mito, um muito lindo, por sinal.
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