Julie D'Aubigny, uma cantora de ópera francesa bissexual do século 17 e mestre de esgrima, se apresentou em shows de respeitados palcos da época, matou ou feriu pelo menos dez homens em duelos de vida ou morte, e certa vez invadiu um convento para resgatar sua amante. Sua vida tumultuada deu origem a inúmeras lendas e inspirou várias biografias românticas. |
Julie D'Aubigny era a própria imagem do cavalheiro romântico fanfarrão: alto, moreno e bonito, uma das melhores espadas ou espadachins de seu dia. Ela tinha uma boa compleição espada, tinha uma pele muito branca e cachos ruivos, olhos azuis, nariz aquilino, uma boca bonita e, dizem, seios perfeitos.
Julie nasceu em 1670 no seio de uma família abastada. Filha de Gaston d'Aubigny (um jogador e bebedor inveterado), secretário de Luís de Lorena-Guise, conde d'Armagnac, o Mestre dos Cavalos do rei Luís XIV, ela cresceu praticamente entre os escudeiros do rei, e assim aprendeu a dançar, ler, desenhar e esgrima, e vestia-se como um menino desde cedo.
No entanto, ela também se trajava como mulher quando queria e, tão logo ganhou o belo corpo de uma ruiva estonteante, começou a chamar a atenção dos homens, sobretudo do chefe de seu pai. Foi assim que aos 16 anos se tornava a amante do Conde d'Armagnac. A fim de camuflar seu caso, o conde casou Julie com Sieur de Maupin de Saint-Germain-en-Laye, quando ela se tornou Madame de Maupin (ou simplesmente "La Maupin") como ficou conhecida.
Protegido pelo casamento, o caso deles continuou por um tempo, não mais do que outro ano, antes que a jovem e ansiosa Julie se tornasse demais para o conde. Eventualmente, o conde terminou o caso e Maupin foi designado para um posto administrativa no sul da França. Algumas fontes sugerem que foi por instigação dela, outros o conde, talvez na esperança de escapar de La Maupin. Mas ela informou que a posição era insuficiente para sustentar os dois e permaneceu em Paris.
O casamento a havia libertado das restrições que a propriedade impunha às moças casadas, e agora a ausência do marido e a perda de interesse do conde lhe davam mais liberdade. Ela provou ser filha de seu pai. Há relatos de suas impressionantes farras e de provocar brigas com jovens aristocratas.
Foi nessa mesma época que La Maupin se envolveu com um mestre assistente de esgrima chamado Sérannes. Quando o tenente-general de polícia Gabriel Nicolas de la Reynie tentou prender Sérannes por matar um homem em um duelo ilegal, o casal fugiu da cidade rumo a Marselha, onde Sérannes alegou ter perspectivas adequadas para sustentar os dois.
Na estrada, La Maupin e Sérannes ganhavam a vida fazendo shows de esgrima e cantando em tavernas e feiras locais. A essa altura, ela adotara seu hábito de vestir roupas masculinas, mas, nesses shows improvisados, não escondia seu sexo e mantinha as fartas melenas vermelhas soltas, usando o fato para chamar atenção para si mesma e aumentar o interesse em suas exibições.
Tão proficiente era ela com a espada, tão forte, graciosa e habilidosa, que alguns duvidavam que ela pudesse de fato ser uma mulher, e uma noite um sujeito gritou que ela era um mosqueteiro de peruca enganando a todos. Enfurecida com isso, La Maupin abriu a camisa para que a platéia pudesse julgar por si mesma cuja reivindicação tinha maior mérito. Dizem que as contribuições daquela noite foram particularmente boas.
Na chegada a Marselha, ela se juntou à companhia de ópera dirigida por Pierre Gaultier, cantando sob seu nome de solteira, e por um tempo ela e Sérannes se sustentaram cantando no teatro.
Depois de um tempo ela ficou entediada com Sérannes, Na verdade, com os homens em geral. Tendo experimentado as atenções das jovens que a princípio a confundiam com um homem, ela pensou que faria um contraste encantador para uma mulher viril como ela ser vista pela cidade com uma garota jovem. Logo, uma linda jovem loira, talvez confundindo La Maupin com um homem, se apaixonou por ela, que retribuiu com ardor.
Os pais da jovem, não surpreendentemente, não aprovaram a ligação, e rapidamente a mandaram para o convento das Visitandinas em Avignon, a fim de manter as duas separadas. Ela seguiu a namorada e entrou no convento como noviça. A fim de fugir com seu novo amor, ela roubou o corpo de uma freira morta, colocou-o na cama da namorada e incendiou o convento para cobrir a fuga.
Seu caso durou três meses antes que a jovem voltasse envergonhada para casa, pois não conseguia viver no ritmo acelerado de La Maupin. Um tribunal do Parlamento de Aix julgou La Maupin à revelia e condenou-a à morte na fogueira por seus crimes, que incluíam o sequestro de uma noviça, roubo de um corpo, incêndio criminoso e por não comparecer perante o tribunal. A condenação, curiosamente, era para um tal "sieur" d'Aubigny, talvez para esconder o que era considerado um dos aspectos mais delicados de todo o caso, a natureza homossexual de seu relacionamento com a jovem.
Após sua condenação pelo tribunal, La Maupin fugiu de Marselha para Paris, uma viagem que levaria vários meses. Em Villeperdue, ainda usando roupas masculinas e na companhia de vários jovens escudeiros em uma pousada, foi insultada por um jovem nobre e acabaram duelando. Ela acabou varando seu ombro com a lâmina e retirou-se para seu quarto.
No dia seguinte, quando quis saber qual era o estado do jovem, descobriu que era Louis-Joseph d'Albert Luynes, filho do duque de Luynes. Mais tarde, um dos amigos de d'Albert foi pedir desculpas e ela disse que iria dar sua resposta em pessoa. Naquela noite, vestida de mulher, La Maupin terminou em sua cama. Se tornaram amantes por um certo tempo e, depois, amigos de longa data.
Depois que o conde d'Albert se recuperou e teve que retornar à sua unidade militar, La Maupin continuou sua jornada e conheceu Gabriel-Vincent Thévenard, outro cantor, e começou um novo romance com ele. Eles continuaram juntos em direção a Paris, na esperança de se juntar à Ópera de Paris. Tão logo chegou a cidade-luz, contatou o Conde d'Armagnac e pediu ajuda contra a sentença que pairava sobre ela. O antigo amante persuadiu o rei a conceder-lhe perdão e permitir que ela cantasse com a Ópera.
A Ópera de Paris acabou contratando La Maupin, mas sua carreira operística demorou algum tempo a florescer. Assim ela tinha uma segunda carreira em Paris, como duelista profissional. Treinada em armas quando criança e depois do aperfeiçoamento de suas habilidades em Marselha e na estrada, La Maupin teve muito sucesso como duelista.
Ela se apresentava regularmente com a Ópera, primeiro cantando como soprano, e mais tarde em sua faixa de contralto mais natural. No espaço de poucos meses, a mulher conhecida em Marselha apenas como "La Maupin" passou de uma performer de rua completamente amadora à atriz principal da Ópera mais respeitada do mundo, interpretando papéis clássicos como Pallas Athena em Cadmus et Hermione. Certa vez, o Marquês de Dangeau escreveu em seu diário que La Maupin tinha a voz mais bonita do mundo.
E devido a essa bela voz, sua habilidade de atuação (dizem que decorava a fala com apenas uma leitura) e seu traje andrógino, ela se tornou bastante popular entre o público, embora seu relacionamento com seus colegas atores e atrizes fosse às vezes bastante tempestuoso. Seu temperamento inflamado fez com que desse uma surra no cantor Louis Gaulard Dumesny depois que ele importunou as mulheres da trupe.
Depois de um episódio onde beijou uma jovem na boca durante um baile real, foi desafiada por três pretendentes da jovem que ela beijou e após vencer os três, fugiu para Bruxelas até a crise passar.Ali se tornou, por um tempo, a amante de Maximilian Emanuel, o elector da Baviera (um dos príncipes alemães do Sacro Império Romano e governador dos Países Baixos espanhóis), mas ele acabou por se cansar dela e foi substituída por uma condessa. Maximilian mandou o marido da condessa com 40 mil francos e ordens para que saísse de Bruxelas. Ela jogou o dinheiro no rosto do conde declarando que era um presente digno de um corno como o próprio conde.
Ela, no entanto, deixou Bruxelas retornando a Paris e foi neste momento que encontrou o marido depois de muitos anos. Um pouco de respeitabilidade teria lhe servido bem naquele momento. Em algum momento, enquanto estava em Paris, ela acabou se reconciliando com ele. Dizem que viveram juntos em perfeita harmonia por vários anos, até a sua morte.
O escritor e poeta Theophile Gautier emprestou seu nome e algumas de suas características para a heroína de seu romance Mademoiselle de Maupin, mas de muitas maneiras seu caráter era apenas uma pálida imitação da original. A verdadeira Maupin era uma criatura complexa que sabia como usar seus amigos e contatos influentes para conseguir o que queria ou para escapar do perigo, mas também era durona e autoconfiante. Ela parece ter desejado o centro do palco, revelando tanto a fama quanto a infâmia. Tinha um temperamento ardente e apaixonado e sobretudo uma sofreguidão pela vida.
Depois de se reconciliar com o marido "arranjado", ela retomou sua carreira como atração principal da Ópera de Paris. À partir dai pouco se sabe sobre a mulher de vida tão intensa e tempestuosa.
Muitos artigos, que falam sobre ela, justificam, de forma poética, toda essa sua impetuosidade e pujança porque, de alguma forma, ela sabia que iria morrer cedo. Mas é bom lembrar que no final do século XVII a expectativa de vida rondava os 37 anos.
A mais fidedigna versão da vida real de um protagonista sacado de um romance de Dumas ou Sabatini morreu em 1707 de causas desconhecidas, dois anos depois que parou de cantar. Ela tinha 37 anos de idade.
Fonte: Daily Dot.
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