Cotidiano I

Seu Temístocles é coisa nossa! Chamei o Pedrinho Carioca pra sair sábado à noite e ele me apareceu acompanhado de um velho. - "Esse daqui é o Seu Temístocles, meu tio avô. Ele vai sair com a gente, não quer ficar sozinho em casa."

O velho se sentou no banco de trás do carro. Ele trazia um jornal debaixo do braço e ficava dando umas pigarreadas:

- "Arrrannnmmm.. Garotos... rrruannn... Quando vocês dois comem as meninas... rrraaann... Tão usando camisinha?"
- "Claro, Seu Temístocles."
- "Ahhamm.. rumm... Camisinha é negócio de frouxo... ruaann... AIDS... ruannn... éÉ coisa que o Ministério da Saúde inventa pra vocês foderem menos.... raaarunn.. O governo não quer que você foda, ele te quer em frente da TV."

Seu Temístocles pôs a cabeça para fora da janela:

- "Ráaann... A fooooda libeeertaaaaaaaa! Ahnn... ruaaann..."

Depois de gritar ele engoliu o catarro, abriu o jornal e ficou calado.

- "Ô seu Temístocles, explica mais esse lance da AIDS."
- "Fica quieto, menino. Ruáann... Tô lendo meu jornal."

O velho era experiente, sabia dar conselhos. Eu e o Pedrinho Carioca abrimos nossas carteiras e jogamos as camisinhas pela janela. Decidimos que já era hora de aproveitarmos a noite e rumamos para um bar da moda. Chegando lá, fomos buscar bebidas. Seu Temístocles preferiu circular pelo lugar e acabou descobrindo a cabine do DJ.

- "- "Ráaaun... O que você faz aqui, garoto? rannn..."
- "Eu toco as músicas e fico fazendo umas caretas. Sou descontraído, a vida é uma festa."
- "Chega pra lá... ruááá..."

O DJ cedeu o lugar pro Seu Temístocles, que abaixou o som e começou a falar no microfone.

- "- "Rannnn... Alô... Jovens... rann... Eu tenho essa pedra no rim... ruuaan... É do tamanho de uma laranja... raaáánnn..."

Os jovens prestaram atenção. O DJ decidiu pôr uma batida techno [ pá, pow, pá, pá ] por trás das falas do Seu Temístocles, que continuava sério, ainda com o jornal debaixo do braço:

- "E raaann [ pá, pow ] eu tenho um problema... [ pá, pá ] raann... De hemorróidas [ pá, pow ]... Ás vezes... raaannn [ pá, pá, pá ] Eu cago sangue... ráaannn... [ pá, pow ] ráann... Eu guardo... rannnn [ pow, pow ] O meu apêndice... ruaaaaáa [ pow, pá ]... Num potinho de formol... rraaaann [ pá rá pá pá ]"

Seu Temístocles largou o microfone e desceu da cabine. Ninguém mais falava ou arriscava ensaiar uns passinhos de dança; todos no bar estavam absolutamente deprimidos com aquela cena. O velhinho se sentou numa cadeira e dormiu. Alguém foi e usou a cabeça dele como apoio para copo. O dono do bar veio falar com a gente:

- "Eu quero contratar esse véio."
- "O quê? Você gostou daquela merda?"
- "Não, não. É que tudo isso foi tão depressivo que a minha venda de bebidas disparou."
- "Hummm... Ei, a minha avó tem hanseníase."
- "Ótimo, formaremos um dueto..."

Texto de Pedro Ivo...