A odisseia de Angelo

Uma das histórias mais marcantes e que me causaram lágrimas quando lia e escrevia foi o calvário vivido por Valentina, um exemplo vivo da barbárie do genocídio de Ruanda. Ontem descobri outras destas histórias pungentes: há dezesseis anos, Angelo foi resgatado de uma vala comum por um legionário francês, esse foi um dos muitos desafios aos que teve que enfrentar. Desde então o fotógrafo Christophe Calais tem documentado sua comovente história que mostro na sequência de imagens:

O ano é 1994, os milicianos hutus responsáveis pelo Genocídio de Ruanda fogem para o Zaire, seguidos por civis hutus.

Culpados ou não por terem participado na tentativa de extermínio dos tutsi, centenas de milhares de ruandeses vagam pelas estradas, enfrentando à fome e as doenças. Em 26 de julho desse ano, um menino está a ponto de ser enterrado vivo em uma vala comum, mas no último momento é resgatado pelo tenente Da Silva, um legionário francês.

Foi nesta vala entre uma pilha de centenas de cadáveres vítimas do cólera, onde Angelo foi salvo por este soldado, que fazia parte da "Operação Turquesa".

Enquanto o mundo inteiro permanece alheio a esta barbárie -uma tragédia que provocou quase 1 milhão de mortos, 11 % da população total do país-, o legionário leva Angelo ao hospital militar próximo do aeroporto de Goma, onde recebe os primeiros cuidados médicos. Ali o militar e sua família tentam adotar o menino, mas organizações não governamentais conseguem localizar seu pai.

É assim que Angelo volta a um campo de refugiados do Zaire, onde pai e filho viverão dois anos sob o cuidado das irmãs espanholas do Sagrado Coração.

Em 1996 é declarada a guerra civil, e Angelo e seu pai Leonard com outros 500.000 refugiados são obrigados a voltar para Ruanda.

Depois de caminhar 150 km durante três dias conseguem chegar a sua aldeia, onde Angelo se reencontra com seus entes queridos.

Após dois anos de separação, por fim a família unida sorri. Da esquerda para a direita: Leonard, o pai; Maria, a mãe; Angelo, Laurence sua irmã e seu irmão Jean-Paul. Mas esta felicidade dura pouco, o pai é acusado por seus próprios vizinhos de ter participado no genocídio e é condenado a 25 anos de prisão. Foram necessários cinco anos até que Angelo conseguisse ver o pai novamente.

Anos onde a vida continua. Angelo vai à escola pela manhã e ainda que se esforce não é um bom aluno e tem muita dificuldade para aprender.

A tarde ajuda na rústica lavoura após comer o que é sua única refeição diária.

É um apaixonado por seu tênis, mas não esquece o momento que voltou de uma morte segura, a cicatriz em seu rosto não lhe permite esquecer.

Em agosto de 2010, o fotógrafo Christophe Calais voltou a encontrar-se com Angelo, que agora tem 24 anos. Um jovem forte com um olhar inquietante que oculta sua atitude despreocupada. Exceto seu pai Leonard, que segue ainda preso, toda a família vive no pico de uma colina em Mbogo.

Angelo já tem uma filha chamada Janine, com sua namorada Nadia, com a qual viveu em uma casa alugada até que se separaram três meses mais tarde.

Dezesseis anos após ser resgatado de uma vala comum, Angelo sofreu bem mais que a maioria das pessoas, enfrentou a uma enorme dor emocional, mas que soube superar com galhardia.