O preço de um produto não revela nada sobre seu custo. Por exemplo, a Wikipédia é gratuita e os livros do Paulo Coelho, não, e... enfim, eu prefiro a Wikipédia, além de que é um produto que requereu muitíssimo mais esforço colaborativo: segundo os cálculos de Martin Wattenberg, um pesquisador e cientista computacional da IBM, a Wikipédia é o resultado de 100 milhões de horas de trabalho. Bacana né? |
O problema é que o preço sim afeta as nossas emoções e desvirtua nosso julgamento a respeito do valor verdadeiro das coisas. Um exemplo realmente extravagante é o caso dos miúdos de galinha, um alimento que antigamente era bem barato e designado aos pobres; eis que não mais que de repente se converteu em uma delicatessen para ricos: os galináceos seguem sendo o mesmo, mas a percepção do consumidor, não. Ironicamente hoje o coração de frango custa mais do que o peito, que deveria ser a parte nobre.
Os neurocientistas também estudaram a forma em que nosso cérebro toma a decisão sobre o que estamos dispostos a pagar por um produto. Quando as pessoas contemplam produtos de marcas de luxo como Gucci ou Louis Vuitton acompanhados de preços orbitantes, o núcleo accumbens e o cíngulo anterior são ativados, revelando a combinação entre o prazer da gratificação antecipada e o conflito por se permitir um luxo tão caro.
No entanto, quando os consumidores contemplam os mesmos produtos com um desconto significativo, então o sinal de conflito diminui enquanto aumenta a atividade da gratificação.
Em um estudo semelhante sobre o preço do vinho realizado pela Universidade de Stanford e Instituto Tecnológico da Califórnia reflete os mesmos resultados. Solicitaram a 20 voluntários que qualificassem seu grau de prazer em relação a vinhos de preços variados enquanto eram submetidos a um estudo de ressonância magnética funcional.
Dois dos vinhos foram apresentados duas vezes, uma com um custo elevado e a outra com um preço normal. Quando o vinho caro foi servido, detectaram uma grande atividade no córtex orbitofrontal medial, a zona onde percebemos o agrado; isto indica que o maior preço de um produto intensifica nosso prazer, tal e qual assinalou o cientista Jonah Richard Lehrer em seu livro How We Decide:
"Ao realizar o teste com uma máquina de ressonância magnética funcional -o vinho era tomado mediante uma rede de tubos de plástico-, os cientistas viram como respondia o cérebro dos voluntários aos diferentes vinhos. Ainda que durante o experimento ativavam-se diversas regiões cerebrais, só uma parecia reagir ante o preço do vinho, mais do que do vinho propriamente dito: o córtex pré-frontal. Pelo geral, os vinhos mais caros faziam com que certas partes desta área se excitassem mais".
Quando os pesquisadores repetiram o mesmo experimento com membros de um clube vinícola da Universidade de Stanford, obtiveram também os mesmos resultados. A questão, pois, é que o preço das coisas, conquanto nos atrai, não descreve em absoluto o valor intrínseco das coisas, ainda que possa oferecer algumas pistas sobre sua disponibilidade, como vem acontecendo com alguns carros compactos que estão sendo vendidos como ágio pela alta demanda, como mostra esta matéria indicada pelo amigo Caiopa.
Porque o preço das coisas impõe-se por uma mistura de oferta e demanda, sim, mas também por dinâmicas psicológicas muito intrincadas. Sem contar o efeito de ancoragem, muito bem esclarecido por Dan Ariely, quando propôs a seus alunos da Sloan School of Business do MIT fazer uma leitura de poesia, mas não sabia quanto ia custar, tal e qual explica o editor da Wired Chris Anderson em seu livro Free:
"Dan entregou um questionário a todos os alunos e perguntou à metade deles se estavam dispostos a pagar 10 dólares para escutá-lo recitar, e à outra metade perguntou se estavam dispostos a escutar se ele pagasse 10 dólares à cada um. Depois fez a mesma pergunta a todos: Quanto pagariam por escutar outras versões do poema e se por acaso participariam da recitação se fosse livre?
Isto é o que os economistas condutuais denominam como 'âncora', que calibra o que o consumidor pensa que é um preço justo e pode ter um efeito decisivo sobre o que pagará em última instância. Neste caso, os alunos que foram previamente questionados se pagariam 10 dólares, estavam dispostos a pagar bem mais do que os alunos que foram induzidos a pensar que Dan pagaria para que ouvissem o poema. Ademais, apenas 8% do segundo grupo disse que participaria da recitação livre contra 35% do primeiro."
Ou o que é o mesmo: o simples fato de Dan sugerir uma cobrança, fez o primeiro grupo valorizar o poema sobremaneira. Ao contrário, o outro grupo pensou que, como poderiam receber para ouvir, o poema era ruim, na rápida associação que fazemos que tudo que é mais caro é melhor, e nem sempre é assim. Já contei esta história em outro artigo, mas é um bom momento de recordar: quando criança os presentes que eu mais detestava eram as camisas polo do jacarezinho, um símbolo de pobreza e mau gosto então, hoje é símbolo de status e o produto é o mesmo. Na atualidade a Apple baseia grande parte de seu marketing no preço alto e na sensação de exclusividade. Muitos custam a entender (ou jamais vão) como existem pessoas que arrancam os cabelos para pagar, muitas vezes em prestações, por algo evidentemente sobrevalorizado, mas é algo que está, ao que parece, na condição humana de pertencer a um grupo diferente e exclusivista. Como podemos ver os preços, nada ou quase nada nos dizem sobre o valor real das coisas.
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Comentários
Ordem do post alterada.
Escrevi INTENS duas vezes. Burro!
Eu sempre procuro por produtos baratos em coisas que não me despertam interesse, como roupas, por exemplo. Pra mim uma camiseta simples, jeans barato e um tênis all star estão de bom tamanho. Não ligo pra marcas e grifes.
Já quando se trata dos intens de meu maior interesse, como intens de informática, costumo ir além do que normalmente pagaria, objetivando uma maior qualidade.
Enfim, é uma gangorra, o importante é caber tudo no fim do mês. hehehehehehehe.
Luisão, obrigada, agora consegui entender bem.
Eu também tenho essa mania de decorar números. Peguei quando aprendi a ler e sempre perdia os marca-páginas dos livros... era mais fácil decorar em que página eu havia parado. Só serve pra números, no entanto, pra nomes eu sou uma negação, mal e mal lembro do meu.
E essa conversa toda só me lembrou de uma coisa... Alguém aí não tem um Galaxy s3 ou s4 ou um Iphone 4 ou 5 pra doar não? Pode ser também um Nokia 920. Tô "precisando"...
Ainda se surpreende?
8O :fool: V
Dê uma bonbonnière a sua namorada, uma e 25 reais... depois dÊ uma de 250, que vem com rosas que fala "me coma por inteiro, linda"....
A mesma questão pode ser aplicada a obras de arte cujo valor é duvidoso para muitos, como as deste post: http://www.mdig.com.br/index.php?itemid=27894
Já pra mim o grande barato é comprar pagando pouco.
Na pressa cometi um erro ao escrever. Corrigi e acho que está mais fácil de entender agora. O efeito de ancoragem é a mania que a gente tem de quase sempre se basear em uma informação existente na hora de tomar uma decisão, mesmo que esta informação ou parte dela não seja correta. No caso da experiência, Dan Ariely fez com que os alunos acreditassem que, pagando para ouvi-lo, o poema não era grande coisa e vice e versa. Isto é muito usado no marketing. Muitas lojas majoram o preço de um determinado produto em destaque na vitrine, obviamente não vendem, mas dentro de alguns dias oferecem um desconto excepcional no mesmo produto fazendo o cliente acreditar, através do efeito ancoragem, que ele está fazendo um bom negócio, quando em realidade está pagando o preço real.
No ano passado cai numa esparrela dessas: sempre que entrava em um hipermercado que tem próximo de casa, via uma cadeira do papai com um cartaz indicando a promoção. De tanto ver já sabia o preço de cor -junte-se ao fato a mania quase doentia que tenho de decorar números-, até que baixaram o preço e cai como um pato, comprei sem realmente estar precisando. Alguns dias mais tarde vi em outra loja que havia inclusive pagado mais pelo trombolho que agora está lá no quarto pegando pó.
Rogério, não disse que os Apple são ruins, senão que são caros, sobrevalorizados, custando mais do que o dobro de produtos de igual qualidade. Insistiram tanto no marketing exclusivista que foram superados pela Samsung.
Abraços fraternos!
na verdade oq é mais caro geralmente é melhor sim. O que acontece é q aqui no nosso Brasil, nós pagamos muito, muito, muito mais caro pelas coisas... já comprei roupas de marca e roupas baratas, e a diferença existe sim...qualidade, acabamento, corte, etc. Não uso apple, mas trabalho com informática e devo admitir, os computadores deles são bons...o iphone é bom.. assim como outros tb são. Agora compre um "Hiphone" xing ling pra ver qto tempo vai conseguir usar .... o problema é q pagamos muito caro devido aos impostos... quero ver com essa lei ai, quem comprar um carro vai ver o preço dos impostos na NF....
Pode explicar o efeito âncora melhor? Pelo que eu entendi, pessoas que achavam que receberiam pra ouvir o poema estariam dispostas a pagar mais pra ouvir o mesmo poema? Entendi direito?
Se sim, qual o sentido disso? E qual, exatamente, é a relação disso com o texto?
De toda forma, algumas vezes um preço mais alto corresponde a produtos ou serviços melhores. Nem sempre é justo... caro ou barato, o preço deve ser "justo", correspondendo ao produto em si e não apenas à marca. Se não, é sacanagem.
''Por exemplo, a Wikipédia é gratuita e os livros do Paulo Coelho, não, e... enfim''
Hehe :roll:
"É algo que está, ao que parece, na condição humana de pertencer a um grupo diferente e exclusivista."
Tomo como exemplo características – simples e até, para muitos, estranhas – que alguns famosos possuem e que são copiadas por seus fãs, como penteados/cortes de cabelo e modo de se vestir. O desejo de querer fazer parte daquilo que uma pessoa considera como "elite", mais que uma motivação, age como estímulo imperativo para que a mesma, com uma percepção alterada de um determinado item (produto, característica ou hábito), faça o possível para adquiri-lo.