A perseguição da felicidade é talvez o maior clichê cultural que nos espreita: as imagens de sorrisos desbordados que perambulam em redes sociais, os grandes hits musicais desenhados para celebrá-la, os épicos finais felizes de Hollywood, livros de auto-ajuda, seitas místicas esotéricas e palestras superacionais orientadas a te ajudar a atingir esta experiência. A filosofia do "be happy" frivoliza a felicidade, pressionando-nos e exigindo que documentemos e compartilhemos nossos momentos felizes. |
Na Internet cada vez são mais populares os conselhos ou atalhos para ser feliz –inclusive aqui publicamos artigos como "21 hábitos das pessoas realmente felizes"-. Sobram exemplos que temos desta busca em massa aproveitada habilmente pelo marketing sob a promessa de que, se consumir, vai atingir um estado pleno de felicidade. Mas, o que é a felicidade? Existe mesmo? Em caso afirmativo é algo que pode "ser conquistado"?
Dissertar sobre a provável natureza da felicidade seria tarefa longa, polêmica e inevitavelmente imprecisa -talvez por que é desenhada para ser vivida e não para ser descrita ou demonstrada-. Independentemente disso, a verdade é que esta ansiedade cultural por ser feliz resulta nefasta, e se em verdade existe jamais deveria ser considerada como uma obrigação, como um critério para determinar a riqueza de uma existência em particular e, nem sequer, creio, deveríamos postular como um objetivo de vida.
3 casos para refletir um pouco
Lembro de um estudo realizado por um psicólogo da Universidade de Stanford, que comprovou que contemplar a felicidade alheia no Facebook nos deprime. Cito este exemplo por que acho que ilustra um par de aspectos que distinguem esta filosofia de vida pop, a qual poderíamos denominar como "be happy".
Por um lado, ficamos sabendo que a felicidade deve, idealmente, ser demonstrada -é básico documentar seus momentos aparentemente felizes e compartilhá-los. Achamos que ao ver uma pessoa constantemente sorridente, por exemplo uma celebridade nas revistas de entretenimento, essa pessoa não só é realmente feliz, senão que o é de maneira consistente. Então, ao ver no Facebook as fotos de meus "amigos" irradiando felicidade, tendo a pensar que, como talvez eu nesse momento não me encontro na mesma frequência, eles são mais felizes do que eu, e isso me deprime.
Outro caso interessante é a campanha #100HappyDays, que desafia às pessoas a viver diariamente, durante cem dias, um momento feliz e publicá-lo em uma rede social a prova, ou o detonador, desse momento. Conquanto esta iniciativa apele para que os atuais ritmos de vida não permitem que tenhamos tempo para viver momentos felizes, pois não conseguimos estar jamais no aqui e agora -uma reflexão que parece apropriada-, o frívolo convite a experimentar e documentar cem dias de felicidade pode ser listado como patético. Por que tenho que acumular "happy points" durante pouco mais de três meses e demonstrar em minhas redes sociais para que eu mesmo creia? Que acontece se em um dia simplesmente não estiver animado para viver momentos felizes e preferir, por exemplo, me entregar à nutritiva elegância da melancolia ou então da deselegante e libertadora vontade de mandar alguém à merda? Perco meus happy points? E se escolho guardar alguns de meus instantes de felicidade em um jardim secreto e não ventilá-los em meu Twitter, então fracassei?
O terceiro e último exemplo que gostaria de citar é a aplicação Jetpac, por verdade criada para comemorar o "Dia Internacional da Felicidade". Aplicação esta que determina que países são os mais felizes de acordo ao tamanho dos sorrisos dos retratos que usuários de cada país publicam em seu Instagram. Então os que mais sorriem, e os que sorriem largado, automaticamente obtêm a distinção de "os mais felizes".
Como podemos ver, os três casos que repassamos têm como fio condutor a necessidade de demonstrar a felicidade ante outros. Isto, no melhor dos cenários, nos remete a que para avaliar nossa experiência primeiro temos que certificá-la ante uma comunidade externa, e então sim crê-la. Mas também poderia remeter a uma espécie de concorrência para ver quem é mais feliz ou a uma angústia ante a natureza passageira de dito estado, o que nos exige imortalizá-la rapidamente em uma fotografia.
Custa-me achar que a felicidade é um estado externo, acessível e contemplável. Ademais, parece que em todo caso é uma experiência que para ser encontrada não deve ser buscada, senão simplesmente resulta de um conjunto de ações ou atitudes que adotamos de forma acertada e entre cujos benefícios se incluem momentos felizes.
Pessoalmente parece-me bem mais atraente essa sóbria calma que alguns chamam de "paz interior" -algo como contemplar uma paisagem, em silêncio, e degustar imperturbável o reflexo de todo o universo-. E sinceramente não poderia conceber uma dinâmica na qual eu documentasse e compartilhasse esses instantes nos quais sinto a tranquilidade comigo, com meu meio, e com a interação entre ambos.
Acho que a felicidade corresponde mais a um estado efêmero, que por momentos sobe e, como tal, terá que baixar. De fato Dostoievsky advertia que a felicidade é isso que experimentamos depois de um encontro com o mais profundo da infelicidade, enquanto Jung afirmava que, sem momentos de tristeza, a felicidade perde qualquer sentido. Mas em todo caso, para além de qual seja sua opinião a respeito, fica aqui o convite para que não sinta a obrigação de ser feliz, a não precisar de uma foto que documente seu momento feliz para considerá-lo genuíno, e a refletir sobre as maravilhas de outros estados, por exemplo a melancolia ou, por que não, a tristeza.
Enfim, sorria e, se conseguir, não esqueça de capturar o momento.
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Comentários
Eu tenho uma regra básica e uso sempre (aprendi com meu velho); Quando estou feliz procuro demonstrar pra (e somente) quem gosto. Quando estou triste, rio na sala e choro no banheiro. Levar mágoa aos outros só piora, dizem que muitos se espelham em outras pessoas então levar mágoas aos outros piora tudo.
Curiosamente no dia que meu pai partiu foi justamente isso que disse ao meu irmão. "Deixe pra desmoronar depois, aqui e agora, não. De jeito nenhum."
Ele entendeu.
Existe uma certa responsabilidade nesses dois extremos. Nem tudo é cor-de-rosa o tempo todo.
Adorei o assunto!
Também não gosto de ficar pelo Facebook. Não porque me deprima ver a felicidade alheia, mas por acreditar que a maioria não é plenamente feliz, forçando um estado constante de alegria que eu acredito não existir. Felicidade na minha humilde concepção é formada de momentos agradáveis e os meus eu não tenho a mínima vontade de expor no Facebook. Como vivo afirmando para a minha amada mãe, a qual é o oposto de mim neste aspecto, eu sou feliz para MIM, o que reflete nas pessoas que me querem bem e não para os meus "amigos" de Facebook.
"A felicidade torna-se mais distante quando você começa a procurar por ela."
Para ser feliz na maior parte do tempo, é preciso ter método também.
Fui dar uma espiadinha no #100HappyDays. Não serve para mim daquela forma mas a ideia é boa não para mostrar aos outros, e sim como um exercício. Para anotar as coisas e momentos que nos trazem prazer e tentar repetir esses momentos, valorizando-os.
Conheço tanta gente que só se queixa, vive deprimida falando das mesmas tristezas sempre ...
Penso que nem notam os momentos bons que acontecem na vida diariamente.
Coisa idiota, esse tal de "100 Happy Days"....!!!
É coisa de gente que - dificilmente - consegue ser feliz....
Naturalmente...
:-/
Deus não prometeu felicidade neste mundo.
Seremos felizes quando formos para o céu, isto se merecermos ir para o céu.
Felicidade:
Um médico trabalhando no Brasil central em uma tribo acabou por fazer amizade com um dos índios e esse o auxiliava como guia. Certa vez, após um dia de trabalho sentaram-se a beira de um rio e o médico contemplativo vendo tanta beleza perguntou ao seu amigo índio;
_ Rapawe, você é feliz?
_ Sim!
_ E você sabe o que é felicidade?
_ Não!
E você? Sabe o que significa “felicidade”?
..."FELICIDADE É PODER ESTAR COM QUEM VOCÊ GOSTA EM ALGUM LUGAR..."
Sinto que raramente tentamos ser felizes. Perdemos muito tempo e gastamos demasiadas energias a evitar todo o tipo de infelicidades.
:D
Cada um sabe a medida da sua felicidade.
Mas no facebook, muitas vezes, a aparência é para caber dentro da medida de felicidade do outro. Que é pra caber dentro da medida de felicidade do outro, e do outro...
E depois a gente vê os mesmos comentando: Não poste a sua felicidade pq a inveja também tem facebook. ^^
A felicidade é isso aí que está escrito. E são momentos que devem ser valorizados.
Eu só acho que é perigoso flertar com a tristeza. Ela deve vir, fazer o que precisa e ir embora.
Obrigada, então.
Preciso de epifanias para ter um real entendimento das coisas.
Se eu ficar lendo esse tipo de post, não faço nada. Farei o que quiser. Eu enchi meu próprio saco.
o discípulo disse ao mestre que estava muito triste e sem esperanças, e o mestre respondeu: "não se preocupe, isso passa". Após um tempo o discípulo volta extremamente alegre e o mestre diz: "isto também passa" . Desde os clássicos da Disney q somos bombardeados com a ideia do "felizes para sempre". A ideia da felicidade ligada ao material tb é predominante, só seremos felizes se tivermos muitas coisas. O sentir-se seguro tb é algo q influencia muito ou uma perspectiva positiva a longo prazo, etc. O viver em grandes grupos é positiva e negativa, pois inevitavelmente nos comparamos com os outros indivíduos. enfim, é um tema muito extenso, mas muito interessante.
Excelente post, pois acho um tema fascinante, principalmente, em termos filosóficos.
Exemplo brilhante, verossímil e abrangente é do prof Clóvis de Barros Filho que o aborda com uma "clareza cristalina" ! Vale a pena assistir aos vídeos:
Sobre ser feliz:
http://www.youtube.com/watch?v=UXBF1ZkdIQI
Pessoas do bem não acordam cantando:
http://www.youtube.com/watch?v=AVQL-fLT0Ac
Sobre a angústia de viver:
http://www.youtube.com/watch?v=n0gB7XY0tzU
Felicidade é transitória. Assim que chegar no cume dessa montanha vai ver outra e pensar "Lá vou eu..."
Passei duas horas debatendo com meu filho sobre o que é felicidade. É conhecimento? Posse? Amor?
Nada. É plenitude. Sabe que vai sofre e mesmo assim segue em frente.
Gente feliz demais parece tão falso.
Felicidade é momento e não me interesso em registrar os meus para o Facebook.
Felicidade é apenas um estado de espírito, e "viver para os outros" é um ótimo passo para se distanciar de tal estado.