Nos últimos anos, devido aos recorrentes casos de corrupção que envolvem seus dirigentes, o futebol parece ter sido raptado pelas corporações e pelo poder. Nesse sentido é importante recordar atos de dignidade no esporte, como aquela história dos jogadores do Dinamo de Kiev, nos anos 40, que disputaram uma partida contra os alemães sabendo que se ganhassem iriam morrer e, no entanto, decidiram vencer. Alguns anos antes, um outro time desgostou Hitler: a seleção peruana das Olimpíadas de 1936. |
Os Jogos Olímpicos de 1936 foram celebrados em Berlim, Alemanha, entre 1º e 16 de agosto. A escolha da sede fora realizada em 1931, dois anos antes da chegada dos nazistas ao poder. Ainda que em um primeiro momento alguns países esboçaram uma tentativa de boicotar os Jogos, finalmente optaram por participar.
Apenas a Espanha, com o governo da Segunda República, boicotou as Olímpiadas, além de organizar uma competição paralela, a Olimpíada Popular de Barcelona, que foi suspensa por causa da guerra.
Participaram dos Jogos de 1936 quase 4.000 atletas de 49 países em 19 disciplinas esportivas e 129 especialidades. Para o regime alemão era uma forma de mostrar a magnificência do nazismo e para evitar criar uma má impressão diante do mundo retiraram das ruas todos os cartazes anti-semitas.
Os Jogos Olímpicos tiveram vários episódios controversos, mas um fato que merece ser destacado é a partida de futebol entre as seleções de Peru e Áustria pelas quartas de final. A seleção sul-americana acabara de golear por 7-3 a Finlândia, e agora iria enfrenta a seleção do país natal de Adolf Hitler no Estádio Hertha Platz.
A partida aconteceu em 8 de agosto e até os primeiros 75 minutos de jogo os austríacos ganhavam por 2-0. No entanto, a seleção peruana reagiu nos últimos 15 minutos e conseguiu empatar a partida com gols de Jorge Alcalde e Alejandro Villanueva. Naquele momento, um grupo de torcedores peruanos invadiu o campo para comemorar de perto com a sua equipe.
Durante o tempo suplementar o árbitro anulou três (três!) gols peruanos, mesmo assim o Peru impôs-se por 4 a 2 com dois gols do atacante "Lolo" Fernández. Esta humilhação da seleção austríaca por parte do "Rodillo Negro" -como era conhecido o ataque peruano- não podia ser permitido nos Jogos planejados pelo III Reich para mostrar a superioridade da raça ariana.
Assim, os alemães não tiveram melhor ideia do que apresentar um protesto ante o Tribunal de Apelações alegando que a presença dos torcedores peruanos no campo tinha intimidado os jogadores austríacos, chegando a dizer que um deles tinha sacado um revólver para ameaçar o time. Também argumentaram que o estádio não tinha as medidas necessárias para jogar uma partida de futebol.
O Tribunal, composto exclusivamente por europeus, convocou uma reunião em 10 de agosto às 10 horas, mas a delegação peruana não chegou a tempo porque foi atrasada por um desfile alemão que acontecia nas ruas. Com apoio do Comitê Olímpico e da FIFA, resolveram suspender a partida e ordenar que jogassem novamente a portas fechadas.
O Peru negou-se a repetir o jogo por considerá-lo um roubo. Ademais, há que ter em conta que jogar às portas fechadas podia facilitar uma nova fraude. Toda a delegação olímpica peruana, composta por 59 atletas, apoiou a decisão da seleção de futebol e se retiraram dos Jogos em 12 de agosto. A delegação colombiana somou-se ao protesto em um ato de solidariedade latino-americano e também se retirou. As delegações da Argentina, Chile, Uruguai e México expressaram sua solidariedade com o Peru, ainda que sem abandonar a competição.
Em Lima, a decisão do Tribunal de Apelações foi recebida como um insulto e dezenas de pessoas se mobilizaram ante o Consulado Alemão atacando-o com pedras. A chegada da delegação ao Porto de Callao foi recebida por uma multidão que ovacionou os atletas como heróis. Graças a estas manobras, a seleção austríaca chegou até a final onde foi derrotada pela Itália fascista de Benito Mussolini, que já tinha ganhado a Copa do Mundo da Itália de 1934 e voltaria o fazê-lo na França em 1938.
A seleção peruana de futebol teve nas Olimpíadas de 1936 um ato de dignidade ao negar-se a ser partícipe daquela fraude por ter humilhado no campo o país natal do ditador Adolf Hitler. Michael Dasso, membro do Comitê Olímpico Peruano, na época declarou:
- "Não temos fé no esporte europeu. Viemos aqui congraçar nos campos, quadras e pistas e encontramos um punhado de comerciantes."
Tendo em conta os poderosos interesses econômicos que podemos observar nas últimas Copas do Mundo, parece que a frase conserva plena vigência.
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