O compadre e a enxada.

Algun tempo atrás ouvi uma estória bem interessante da gente da minha terra. Um causo que é contado nos intervalos das rodas de viola, coisa muito comum nessa terra linda do cerrado onde há sempre um contador de estórias no meio da turma.

Eram dois meninos que foram criados juntos, inseparáveis, amigos foram por toda a vida. João filho de peão casou cedo com Maria e se encostou num canto da fazenda de seu Messias, pai de Sebastião(Tiãozinho para os íntimos), homem bom e justo que ensinou ao filho como lidar com a fazenda administrando-a e sendo justo e cuidadoso com a peãozada. Sebastião também casou com uma boa moça que dava aulas na fazenda.

Maria reclamava muito de João. Ele era preguiça só. Na pequena casa não havia nada. Um fogão á lenha, algumas cadeiras velhas, uma mesa de madeira tosca e poucas vasilhas guardadas na prateleira forrada com pano de prato que ela conservava bem branquinha..

Era final de agosto, daqui a pouco acabaria a seca e viria o inverno com as chuvas tão esperadas.
- "Puxa o capoeirão está entrando na casa. Ta precisano capinar", pensou Maria. "Qual o quê. Fazê esse priguiçoso trabaiá é que são elas, eita vida".

- "Jão! Ô Jão! Cadê ocê ôme! Larga mão de sê priguiçoso! Vai carpinar pelo menos a entrada da casa. Daqui pouco vem a chuvarada e as cobras vêm pica nóis sô".

João que dormia atrás do resto do paiol pensou:
- "Ê muié ruim.Sisqueceu que a inxada quebou o cabo comido pelo cupim? Ara"

Maria tanto insistiu nos berros que espantou as poucas galinhas obrigando João a levantar-se com todo o mau humor característico de quem se sente incomodado.
- "Quecequé muié? Chega de leréia. Já to aqui".

- "Carpina a beirada do terreiro sô".

- "Ta bão... ta bão. Cá sua língua?"

- "Larga mão de sê besta. Num ta veno que língua num tem corte?"

- "Tê num tem, mais que corta, isso corta".

- "Cadê suas inxada?"

- "Quebro tudo".

- "Busca outra no cumpadre Tião. Ele tem muita".

Sem saída, João saiu em direção á casa do amigo e mal caminhou alguns passos e pôs-se a pensar:
- "Ara. Ele vai me preguntá pela inxada que me deu no úrtimo roçado em juio... vô falá que tava sem corte".

- "Ai, ai, ai. Ele vai falá que me deu o amolador também e uma inxada pra Maria fazê a orta... bão, ai eu falo prele que a Maria prestô pro pai".

E assim João continuou andando e matutuando no que o compadre diria. João sabia que o amigo era muito organizado e zeloso com as suas coisas, razão pela qual sua casa exalava prosperidade.

Tanto no casamento de João como no de Sebastião, Seu Messias presenteara os dois com igual pedaço de terra, pois como foram criados como irmãos, achou justo dar a um o mesmo que o outro.

- "Bão, o Tião teve mais sorte. A muié dele é professora e a minha só azucrina... mas pensando bem, bem mesmo, Maria é quem planta o pouco que a gente colhe. Seguiu o Caminho.

Já transpondo o morro que separava as duas propriedades, podia ver ao longe a casa do amigo. Que beleza. Quanta coisa bonita eles tinham.

-"Ara, vou chegar e fala prele que perciso da inxada e pronto. No paiol dele tem muita mesmo. Farta num vai fazê."

- "Ele vai me oiá e vai preguntá causa queu não cuida das minhas..."
E com estas reminiscências foi se chegando na casa do cumpadre que ao vê-lo chegar saiu feliz ao seu encontro. Antes que Sebastião tivesse chance de dizer qualquer coisa, ainda com os braços estendidos em direção a João, esse o olhou com cara muito feia e disse:

- "Cumpadre, ocê pega a sua inxada e infia no toba. Eu num perciso dela mesmo.

Virou-se e saiu apressado como sua preguiça permitia. Sebastião mudo pela surpresa e pelo que havia acabado de ouvir do amigo, balançou a cabeça e pensou:
- "Preciso ver o João mais vezes. Acho que ele continua doente. Amanhã mando alguns empregados para limpar sua roça. Coitado..."