Pode parecer uma obviedade, sem nenhuma sombra de dúvida, afirmar que o mundo nem sempre foi o que é hoje. As sociedades do passado transformaram-se, para o bem e para o mal, em muitos aspectos, e a criação coletiva de uma sociedade global não é a exceção. Ainda que sobre alguns aspectos do mundo de nossos dias seja inspirador, o fluxo de informação e a troca desta em velocidades antes inimagináveis pode nos dar a sensação de que chegamos a um ponto de estase e impotência, onde poucas coisas de nosso meio podem mudar. Mas não é bem assim! |
Em suma, somos o resultado de um bombardeio constante de meios publicitários que nos dizem o que desejar e como comprar, porque há poderosos interesses econômicos em que as coisas sejam tais quais são.
O problema é que vivemos em um mundo conformista quando permitimos que um punhado de marcas dirija o curso de nossas vidas através da disposição do rendimento; quando assentimos que o governo utilize o terror para afiançar sua autoridade; quando possibilitamos que a alteridade se dilua em favor de uma asséptica homologação de todas as formas de vida através da correção política do discurso. Assim, todos perdemos se aceitarmos, como uma segunda natureza, as ilusões corporativas do mundo atual.
Com frequência pensamos que as ilusões são coisas que não existem ou que não podem existir, mas neste caso se tratam desses "crimes perfeitos" que Baudrillard nos ensinou a identificar: ficções operacionais que regem o mundo e os destinos políticos através da propagação estratégica de mentiras e verdades veladas.
A especulação financeira utiliza modelos matemáticos que em realidade não estão respaldados fisicamente, por exemplo, Tio Bill e os outros 9 homens mais ricos do mundo não poderiam retirar em numerário suas fortunas dos bancos simplesmente porque não existe tanto dinheiro impresso; os governos presumem um arsenal militar centenas de vezes maior que o necessário para varrer toda a população do mundo, enquanto, às vezes, a indústria do entretenimento toma a forma de um norte moral para a juventude.
As ilusões são aspectos da realidade que parecem fixadas para sempre, como se fossem talhadas em pedra; seu grande triunfo sobre a mente é dar a sensação de que são naturais, de maneira que questioná-las é difícil, mas não impossível.
1. A ilusão da lei
Seguir a lei é considerada uma obrigação moral, apesar de que os governantes com frequência dêem amostras de serem os maiores corruptores das leis que juram defender. A balança da justiça inclina-se sempre em favor de quem têm suficiente dinheiro para tirar a venda dos olhos da justiça.
As crianças precisam de leis e limites para aprender até onde podem expor seu desejo, de maneira que aprendem a conviver e criar consenso com os demais para realizá-lo. Mas são poucos os países, se talvez exista algum, onde as pessoas podem dizer que a lei representa efetivamente sua vontade, e onde dita lei é seguida ao pé da letra.
Os governantes da antiguidade criaram sistemas de governo baseados na exemplaridade da conduta individual; a excelência divina era um modelo a seguir para os governados. Os governantes de hoje fazem uso da força bruta (ou de novas leis criadas à toque de caixa) para fazer valer uma autoridade que suas ações não respaldam. Só como exemplo, se você se comportasse como muitos dos governos (e governantes) atuais, você estaria preso.
2. A ilusão de felicidade e prosperidade
A cosmética costumava ser a arte de representar no corpo os atributos divinos, através de uma busca espiritual. A cosmética, hoje em dia, pode ser resumida no acúmulo incontrolável de objetos e acessórios. Os shoppings são catedrais onde os fetiches sagrados são venerados e cobiçados e o sistema se nutre desta fome de novidades, sem a qual seria impossível manter funcionando o sistema de compras à prazo.
O sistema financeiro está construído de maneira que a infinita riqueza de alguns se mantenha através do endividamento da maioria: enquanto tenhamos coisas novas e brilhantes (espelho de índio) seguiremos crendo em nossa própria prosperidade. Uma dimensão onde a abundância real de saúde, equidade e relações saudáveis entre as pessoas seja a regra nos parece utópica, e ao contrário nos parece natural que populações inteiras do globo fiquem estancadas no subdesenvolvimento para financiar nossa prosperidade, que pessoas trabalhem em estado de escravidão para que outros possam ostentar celulares e gadgets de luxo.
3. A ilusão de livre escolha e liberdade
A liberdade de nossos dias está dividida em opções de consumo: você é "livre" para escolher sua operadora de celular, o restaurante onde come, o prazo de compras a crédito, seu destino de férias. No entanto, seguimos sendo escravos do sistema na medida em que devemos continuar pagando muito caro por um celular e seu plano abusivo, pelo lanche gordurento, para ter crédito na praça e diversões processadas e "empacotadas" previamente.
Em política acontece o mesmo: a democracia partidária, sequestrada por interesses econômicos, divide-se artificialmente em facções que em aparência se opõem, mas que na prática protegem suas mordomias mutuamente. Cada partido, sem importar sua cor, representa um pensamento político arcaico e corrupto para permanecer no poder. Pese que já tenhamos algns pocuos que responderiam sim, pergunte a qualquer político se ele aceitaria diminuir seu salário em prol de seu país.
4. A ilusão da verdade
Os meios de comunicação nos acostumaram a uma busca impura da "verdade", apresentando opiniões de "especialistas" -geralmente alinhados com uma agenda- em toda a classe de tópicos. A profundidade é que se a TV declara que algo é verdade, então a opinião contrária é dissidência. Outra mentira do sistema é a superabundância de certezas, números, análises e relatórios que nos fazem sentir que compreendemos, mas que evitam que nos envolvamos.
A verdade, ou sua busca honesta, deve propor corretamente as perguntas antes de oferecer respostas apressadas e por atacado.
A ordem social depende de um consenso, não importa quão artificial seja este. Manter-nos informados sobre as vidas de celebridades ou exibir reality shows, que em essência são um lixo cultural, é a maneira que o sistema encontra para que não prestemos atenção aos verdadeiros problemas, nem nos envolvamos nas soluções.
5. A ilusão do tempo
"Tempo é dinheiro", verdade? Falso: o tempo é a experiência de sua vida, que pode ser definida como uma manifestação sempre evolutiva do agora. Confundimos horários com tempo, e confundimos nossa vida com os horários. Fomos treinados desde pequenos para basear nossa experiência subjetiva do mundo em calendários e relógios, sempre pensando no que não fizemos no passado e o que ainda temos para fazer no futuro. Ninguém parece se preocupar, não existe uma verdadeira educação sobre que fazer com o momento presente.
O sistema beneficia-se dessa indeterminação, pintando-nos panoramas formosos ou terríveis do futuro, para manter-nos perpetuamente defasados com respeito ao devir: interessa-lhes que sejamos máquinas produtivas e bem comportadas, que produzam sem questionar. Em contrapartida o sistema se dispõe a nos dar algumas pequenas mordomias para compensar o tempo que perdemos trabalhando. Afinal não podem nos vender o que não queremos comprar.
Não compramos as coisas que precisamos (e as que não precisamos) com dinheiro, senão com o tempo de nossas vidas, que passamos ganhando esse dinheiro. Esse tempo é vida e, portanto, não tem preço.
6. O apartheid social
O termo "separateness" em inglês não tem bons equivalentes em português ("separatividade", talvez); a palavra afrikaans para "separateness", no entanto, é "apartheid", e seu significado é universal. Trata-se da estratégia militar por excelência: "divida e vencerá", mas a um nível social. A ilusão do apartheid social é um dos triunfos mais sofisticados do sistema, pois nos faz achar que estamos em concorrência com nossos semelhantes, e inclusive contra a natureza, transformando a vida em uma contínua batalha.
Pense por um momento em seu pior inimigo, em seu concorrente acérrimo, na pessoa que você mais detesta: lamento que tenha que se inteirar disto em uma página da internet, mas você precisa dessa pessoa não só para conhecer sua própria medida como ser humano -a ilusão do apartheid é, sobretudo, uma mentira do ego para inflar a si mesmo- senão que também para criar uma comunidade global onde a alteridade radical não seja uma utopia: um pensamento onde caibam todos que se permitam imaginar um planeta onde a vida humana não esteja em conflito consigo mesmo nem com a natureza. Enfrentar esse desafio (basicamente, assegurar as condições de sobrevivência humana) é tarefa de todos, e não vai se resolver sozinha. Não mesmo!
6. A imparcialidade da imprensa
Fala-se muito que a imprensa é imparcial. Jamais foi. Talvez um dia, em seus primeiros momentos, tenha pretendido ser e para isso até criaram algumas regras, que no tempo presente são solenemente ignoradas, mesmo pelos mais íntegros e respeitados jornalistas, simplesmente porque são homens e tem lá suas preferências.
Repete-se também ad nauseam que jornalismo e política são um reflexo da sociedade em que vivemos. Talvez a segunda opção corresponda à realidade, mas a primeira opção é polêmica, ao menos parcialmente.
As empresas midiáticas, quando não pertencem diretamente a algum dos membros da casta financeira, têm sua redação formada não por portadores das notícias senão que por "donos da verdade".
Ocorreu que em sua tarefa diária de construir notícias em um processo que supunha incluir, excluir e hierarquizar certos fatos nas agendas de informação, decidiu que isto deveria ser feito não só em função de critérios de noticiabilidade, senão também (e mais) a partir de estratégias orientadas ao lucro de metas político-econômicas particulares.
Simplesmente decidiram que era mais rentável o "anunciante" que o leitor. Hoje, de pires na mão, no país, correm atrás do leitor, mas estão francamente desacreditadas. E o circo está sendo fechado pela Internet que presenteia a imprensa alternativa gratuita. Deu no que deu!
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