Ano 1959, Lyudmila Trut inicia uma série de viagens por toda a Sibéria. Cada parada significa a visita a um novo criadouro de raposas, ainda que não busca peles, busca um lugar onde dar início a um insólito plano: criar um animal doméstico tão dócil quanto o cão mais agressivo e tão astuto quanto a raposa prateada da Sibéria. Quando tudo começou Lyudmila trabalhava como ajudante do geneticista Dmitry Belyaev. |
A base de Dmitry era que os seres humanos na antiguidade tinham escolhido os lobos e outros animais, geração pós geração, pela docilidade. Ele dizia que sua seleção artificial saltaria esse caminho evolutivo para a domesticação.
O geneticista explicava que podia ir além. Se até esse momento os cães eram o exemplo mais claro da domesticação dos animais pelo homem, ele ia iniciar um processo de criação de uma população de raposas domésticas.
Na década de 1950 realizar este tipo de ideias era um trabalho perigoso, e não só porque as raposas mordem e podem ser extremamente violentas. Em 1948 a União Soviética proscreveu a pesquisa genética. Um engenheiro agrônomo, Trofim Lysenko, tinha conseguido seu propósito em sua luta contra a agricultura genética.
Segundo explicou Lyudmila em seu trabalho "How To Tame A Fox", com Stalin como aliado Lysenko lançou uma cruzada para desacreditar o trabalho da genética, em parte porque a prova da teoria genética da evolução o exporia como uma fraude, dizia ela.
Aquilo fez com que muitos perdessem seus empregos e outros fossem presos ou inclusive assassinados, como aconteceu ao próprio irmão de Dmitry. Por esta razão o geneticista encobria seus experimentos sobre a domesticação sob o pretexto de melhorar o negócio da criação de peles.
Obviamente o trabalho era bem diferente. Os pesquisadores começaram a realizar testes sobre o temperamento de umas 100 raposas prateadas de Sibéria ao ano. Aproximadamente uma dúzia delas, as ligeiramente mais tranquilos que a maioria, foram criados anualmente.
Os primeiros resultados mostravam que algumas destas raposas eram um pouco mais "aceitáveis" que outras (segundo o julgamento do pesquisador). Essa pequena diferença convenceu Dmitry a continuar com o experimento. Foi então quando recrutou Lyudmila para realizar um programa de criação maior.
Após escolher uma granja em Novosibirsk, Lyudmila levou uma dúzia de raposas prateados mais tranquilas do projeto preliminar. Depois escolheu 10% das raposas mais tranquilas na granja de criação, tanto para aumentar o número de animais como para aumentar a diversidade genética. De fato, e como contraposição, Lyudmila começou a criar raposas agressivas para comparar com as domesticadas.
Selecionava àqueles mais dóceis segundo a forma em que respondiam quando abria a jaula. As mais amistosas eram escolhidas e salvas de uma morte segura para se transformar em trajes de frio. Assim foram passando gerações, supostamente cada vez mais dóceis e domesticadas. De cada nova geração tornavam a selecionar 10% para a seguinte. Segundo Lyudmila:
- "A descendência que exibia as respostas agressivas e o medo foi eliminada da população experimental em apenas duas ou três gerações de seleção."
Chegados à quarta geração começaram a acontecer fatos inesperados. De repente, tinham ante si a primeira raposa que mexia o rabo quando tinha contato com um ser humano e inclusive era capaz de lamber. Depois apareceu a primeira com as orelhas caídas, com o qual conseguiam duas das grandes características dos animais domesticados. Segundo explica Lyudmila em seu trabalho:
- "Foi um processo surpreendentemente rápido onde comprimimos em poucas décadas um processo que naturalmente dura dezenas de milhares de anos. Passaram os anos e em 2005 tínhamos uma população de raposas domesticadas geneticamente, a única que há no mundo, só tinham passado 50 gerações."
Dmitry morreu em 1985 e desde então Lyudmila liderou o projeto. Em seu trabalho explica que não só existiram mudanças físicas ou de comportamento, também afetou à neuroquímica do cérebro dos raposas, todas com níveis mais altos de serotonina -um dos possíveis inibidores da conduta agressiva dos animais-.
Ela manteve o sonho de Dmitry por décadas. O trabalho demonstrou que esta seleção por si só também pode produzir uma série completa de outras mudanças, como rabos encaracoladas, orelhas caídas ou traços faciais juvenis, que se denominaram como síndrome da domesticação. De fato, com a ajuda da geneticista Anna Kukekova, Lyudmila está buscando os genes implicados neste processo.
Ademais, o projeto vende alguns dos raposas como animais de estimação para arrecadar dinheiro, ainda que poderia ser argumentado que não estão totalmente domesticadas. As raposas mexem seus rabos e inclusive esfregam o ventre e chegam mesmo a ganir, mas a própria Lyudmila diz que ainda não seguem ordens como os cães. Mas isso já é o bastante para que os animais façam um grande sucesso entre os endinheirados que as compram.
Seja como for, é bastante incrível. O que os seres humanos da Idade de Pedra precisaram de centenas ou milhares de anos -para domesticar os lobos-, este insólito experimento vai a caminho de conseguir em pouco mais de meio século.
Fonte: SciAm.
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