Diz se popular e sarcasticamente que, na atualidade, "se a imprensa decidisse contratar comentaristas econômico de FB, o problema de desemprego estaria resolvido". É incomensurável a quantidade de especialistas que se aventuram a explicar qualquer coisa nas redes sociais, até mesmo o porquê cabrita caga bolinha. Lógico, todos temos opinião. Algumas são opiniões de bar, mas nosso cérebro não só gosta de dar opiniões de bar com a segurança de um filósofo, senão que gosta de opinar sobre coisas mais complexas, como se soubéssemos de tudo. |
A Morte de Sócrates, de 1787, do pintor francês Jacques-Louis David. Via: Wikimedia
A realidade reside no fato de que nosso cérebro não gosta de admitir que não sabe algo. Nem tanto porque os demais possam pensar que somos ignorantes, salvo porque nosso cérebro não fica feliz com a incerteza.
Temos verdadeiro terror às incertezas. De fato, os mitos e lendas, bem como muitas outras crenças, surgiram como explicação de algum fenômeno que presenciamos, mas sobre o qual nosso limitado conhecimento não conhecia a resposta. Então, temos a capacidade de imaginar alguma história que outorgue coerência à situação em particular.
Assim, as opiniões de bar, a maioria inofensivas, servem de catarse para debater sobre uma partida de futebol, por exemplo, mas quando nos convertemos em "opinólogos", damos opiniões e qualificações sobre questões labirínticas com respostas que poderiam ser incorretas ou incompletas. Ai é quando enfrentamos à crítica externa (ou o escárnio), pois nossa imaginação se transformou em uma farsa e corremos o risco de ser catalogados como tontos.
O cérebro nos trai
O cérebro ama a certeza; então, busca sempre o bem ou o mal, o preto ou o branco, o certo ou o errado; em essência, buscamos a comodidade do sim e do não expressando a dualidade presente em tudo o que existe no universo.
Dessa forma, as forças fundamentais, opostas e ao mesmo tempo complementares, que se encontram em todas as coisas reforçam a ideia de que cada ser, objeto ou pensamento possui um complemento e, portanto, não existe um estado puro nem também não em absoluta quietude, senão que tudo permanece em contínua transformação.
Talvez por isso os fanáticos -de teorias econômicas, de política, religião, de clubes de futebol ou qualquer coisa que seja- são tão fechados em suas declarações, não querem mudar de tema, mas também não estão dispostos a mudar de opinião. É muito estranho encontrar alguém que admita que gosta de algumas propostas da direita e também algumas propostas da esquerda, como se "misturar" conceitos fundamentais das ideologias causasse algum dano à coerência do mundo. Estamos o tempo todo no jogo do tudo ou nada.
No entanto, se a única constante é a mudança, parece verdadeira a frase de Robert Burton, que afirmou que em nossa necessidade de ter razão subjaz, de fato, na necessidade de nos sentirmos bem. Então, tendemos à propensão à certeza para satisfazer nosso bem-estar, podendo inclusive enviesar nosso pensamento.
O razoamento que significaria reconhecer ignorância sobre um tema em particular e nos permitiria buscar ajuda em outros especialistas pode ser dominado pelo sentimento egoísta de ter bem-estar proporcionado pela certeza do conhecimento, e, se não, somos capazes de imaginar as respostas e inclusive, quando elas nos levam a um resultado negativo, inventar desculpas para justificar o motivo absolutamente lógico pelo qual tomamos determinada ação.
Formar ou deformar
Os sentimentos que nos dominam podem influir na formação ou deformação de nossos pensamentos e, portanto, de nossas opiniões. Dizer não posso ou não sei não nos torna débeis nem fracassados. Reconhecer as limitações nos faz mais humanos, todos somos vulneráveis aos problemas e às necessidades e, inclusive, a sensação de segurança nos demais pode influenciar positivamente quando encontra uma pessoa humilde que reconhece suas próprias limitações e é capaz de pedir colaboração de outros especialistas.
Não admitir nosso desconhecimento é, em si próprio, a maior demonstração de ignorância. O desconhecimento é inevitável, não podemos saber sobre tudo. Isso não só é impossível senão que, ademais, nos outorga a maravilhosa possibilidade de seguir aprendendo; mas a ignorância é daninha, pois arraiga em não assumir a falta de conhecimentos e, em consequência, se negar a aprender.
Os especialistas de redes sociais
Dias atrás, um sujeito irado por suas próprias opiniões equivocadas -estágio da negação- comentou uma grande bobagem em um status de Facebook -ademais com 3 pedras na mão-. Educadamente respondi que estava errado e de forma desdenhosa ele não teve melhor ideia de dizer que eu era um leigo. Foi quando tive que dar a "carteirada", já que o assunto em questão era intrínseco a minha formação acadêmica e profissão. Não adiantou muito, ele continuou com a mesma cantilena sem nenhum senso de realidade.
Certamente por isso o reconhecimento de algo que não sabemos seja a única possibilidade de aprendizagem diária que temos; mas algumas pessoas simplesmente se fecham em copas e não admitem de forma alguma que suas agendas e opiniões podem estar equivocadas e, o pior, querem empurrar goela abaixo daqueles que não compactuam de suas mesmas convicções.
Há que ter muito cuidado com a arte de encobrir a ignorância, pois ela anda unha e carne com a mentira, e inclusive em alguns casos se parecem muito. Saber ou não saber parece ser a questão, e como não sabemos tudo, alguns tentam aparentar ciência com opiniões e argumentos que são verdadeiras obras de arte na sonegação da ignorância e da boçalidade.
Pessoalmente, quando me deparo com um desses especialistas que presume ser um sabichão, saúdo com respeito e dou a volta para sair correndo, porque simplesmente não vale a pena perder tempo com coitados assim.
Amígdala, a explicação científica
Tanto nossa natureza como nossas disposições aprendidas nos impulsionam a achar que temos razão, tanto se falarmos a verdade quanto se não. Como sugeriu uma pesquisa neurocientífica, realizada por Ming Hsu em 2005, a incerteza é evitada a todo custo para preservar nossa felicidade. Até ao ponto de que uma pequena dose de ambiguidade é suficiente para incrementar a atividade das estruturas das amígdalas do cérebro, que são as responsáveis por desempenhar o papel mais importante em nossa resposta em frente ao medo. Tal e qual explica David DiSalvo em seu livro "What Makes Your Brain Happy And Why You Should Do The Opposite":
"Cada uma das amígdalas é um feixe de células nervosas que se assentam sobre seu correspondente lóbulo temporal de cada lado do cérebro. A informação chega às amígdalas de múltiplas fontes. Elas então filtram a informação para determinar seu correspondente nível de medo e mobilizar a resposta adequada.
Ao mesmo tempo o cérebro mostra uma menor atividade no corpo estriado, a parte do cérebro encarregada de nossa resposta a um estímulo gratificante. À medida que o nível de ambiguidade é incrementado, também continua aumentando a atividade das amígdalas, e diminuindo a do corpo estriado.
Julgamentos binários
Em consequência disso tudo, adoramos os julgamentos binários, as proposições maniqueístas, o tudo ou nada. Preferimos "isso é verdadeiro" ou "isso é falso" ignorando se a parte factual dessa afirmação seja verdadeira, mas suas supostas vantagens não são reais.
Dessa forma, como já citamos acima, é raro encontrar a alguém que admita que algumas propostas das ideologias de direita pareçam boas, bem como outras de esquerdas. Não. Ou tudo, ou nada. Julgamentos binários. Isso constitui um grande argumento para desconfiar dos debates em geral, e dos debates entre adversários em particular.
Em minha opinião, os debates com os demais sempre foram uma forma de medir a temperatura moral e intelectual do outro, bem como avaliar até que ponto compartilhamos um ponto de vista do mundo; isto é, um debate é uma forma de socialização, não uma batalha em que o melhor vence, não de obtenção de conhecimentos. Para isso, nada como a leitura de um bom punhado de estudos ou ensaios, favoráveis e contrários, sobre o tema que é objeto de discussão.
Resumindo, aprender a dizer "não sei!" é um dos grandes favores que podemos fazer a nós mesmos. Aceitar nossa ignorância -e todos somos efetivamente ignorantes em algum assunto- dá a oportunidade única de estarmos sempre aprendendo e sermos "permeáveis" ao que podem nos mostrar os demais.
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