Ser imbecil é tendência. Tanto que se transformou em um modelo de negócio e cada programa de TV, seja matutino, vespertino ou noturno, convoca seu próprio "especialista" para que o respeitável possa desengolir suas pedantices. Vivemos uma época em que os idiotas se transformaram em um tipo de buraco negro: assim que aparece um, seja na mídia ou nas redes sociais, a atenção começa a girar ao seu redor até que termina engolindo tudo e todos. |
A astrofotografia que a NASA não quer que você veja. Via: Anônimo
Este horizonte de acontecimentos poderia ser chamado de o "horizonte da idiotice", o ponto a partir do qual já não passa a "luz", entendida esta como a mínima manifestação de inteligência. E o pior é que este exército de idiotas consome uma grande quantidade de recursos. Se calculássemos o tempo que dedicamos aos imbecis em termos de PIB nos depararíamos com um setor tão importante como o turismo. E se fizéssemos em termos de produção elétrica, com a energia que empregamos em discutir com os idiotas poderiam iluminar várias cidades.
A verdade é que a capacidade de alguns seres humanos para se fazer de idiota não tem limites. Quando você pensa que cruzou a última fronteira, eles despencam para o abismo.
O bonito da imbecilidade contemporânea é que em muitos casos é eleita e voluntária. Porque não é a mesma coisa estar equivocado -todos estamos várias vezes ao dia- do que ser idiota. Nem é o mesmo ser idiota por acidente que sê-lo por vocação. O idiota da moda é um idiota convencido de que dizer idiotices lhe faz parecer inteligente. Parece contraditório, mas é que a dissonância é a ração da qual se alimenta seu cérebro.
Não importa que todas as provas sejam contrárias, ao invés disso, quanto mais evidente seja o disparate maior será seu confinamento na imbecilidade e seu júbilo interno. Faz algumas semanas, por exemplo, dezenas de supremacistas brancos fizeram testes genéticos para descobrir, incrédulos, que uma boa parte de seus ancestrais eram africanos. A resposta, a típica: primeiro a negação e depois a convicção de que há uma conspiração de geneticistas contra a verdade oculta de sua pureza.
Americanos vendo o grande eclipse solar de 2017. Via: Time
Isso se explica porque todo imbecil leva dentro de si, ademais, um conspiranoico. Para ele é mais fácil aceitar que 99% dos seres humanos dirigem na contramão do que pensar que ele é o kamikaze.
Em 2015, o líder americano Tony Perkins atribuiu as inundações nas Bahamas a um castigo de Deus "pelo aborto e o casamento homossexual". Só um ano depois ele mesmo perdeu sua casa nas inundações da Louisiana sem que desta vez o fato lhe parecesse um "sinal".
Algo parecido aconteceu recentemente ao jornalista Rush Limbaugh, que acusou os meios de comunicação de estarem inventando as notícias do furacão Irma para criar comoção com a mudança climática, horas antes de ser evacuado de sua casa em Palm Beach pelo temporal.
Mas não tem problema, porque na cabeça do idiota tudo encaixa, e quando não encaixa ele reordena para voltar a adquirir sentido. Assim, por exemplo, podem achar que os americanos nunca pisaram à Lua, mas ao mesmo tempo pensam que ocultam a existência da base extraterrestre que encontraram lá. Ou que todos os aviões de passageiros têm em seu interior depósitos de substâncias químicas para aspergir à população sem que às companhias se importem em perder o lugar que poderiam comercializar em forma de assentos.
Em ocasiões, as convicções do idiota são tão firmes que se atrevem a desafiar todo mundo para demonstrar que estão com a razão. Em 2011, um feiticeiro de uma tribo ao norte de Gana assegurou ter criado uma poção a prova de balas e após untar-se com ela durante duas semanas desafiou seus amigos a fazer um teste. O tipo morreu crivado de projéteis e ganhou o prêmio Darwin daquele ano.
Esse não foi o único caso de alguém que morreu em plena contradição, mas convencido de que a razão lhe acompanhava. Em julho de 2016, o cético anti-câncer Bill Henderson morreu por causa de um tumor maligno. Alguns anos antes, em 2012, a fanática defensora dos partos caseiros, Caroline Lovell, faleceu enquanto dava à luz em sua casa, e Christine Maggiore, uma das negacionistas da existência do HIV, morreu de AIDS em 2008. No plano coletivo, em 2014, um congresso de defensores da comercialização e consumo de leite não pasteurizado nos Estados Unidos terminou com dezenas de doentes e um morto pelo ataque de uma bactéria encontrada no leite... cru.
Mas se há um exemplo de dissonância selvagem é o dos terraplanistas, um dos grupos de idiotas que mais barulhos fazem ultimamente, inclusive em nosso país. Alguns divulgadores esforçaram-se em demonstrar com argumentos a esfericidade da Terra, seja pelas diferenças do firmamento nos dois hemisférios ou os movimentos de rotação e translação do planeta. Mas nada funciona.
Cada argumento é respondido com uma elaborada rede de carambolas que forma seu próprio sistema ptolomaico. Ninguém aponta o verdadeiro calcanhar de Aquiles do terraplanismo: se a Terra é plana, por que nenhum deles viajou até os confins da Terra para mostrar o aspecto daquele lugar?
Fotograma do filme "Idiocracia". Via: Youtube
Sem dúvida seria um espetáculo digno de um documentário da Nat Geo e como dizia meu grande e bronco amigo 100Nossão, editor do MDig que nos deixou no ano passado:
- "Se existisse um fim do mundo onde o abismo engolisse o mar, a Red Bull já teria organizado ali alguma competição de surfistas terraplanistas para postar no canal da GoPro no Youtube."
Tenho pensado sobre este assunto e acho que talvez o abismo engula os terraplanistas e por isso já não voltam. Essa seria a explicação mais simples à ausência de depoimentos. Mas que as mães dos terraplanistas não se assustem, pois possivelmente eles não morrem triturados ou afogados na cachoeira que cai no vazio. Simplesmente cruzam o "horizonte da idiotice", dão uma volta e passam à parte de baixo do planeta onde tudo está de cabeça para baixo e são eles os que têm razão e todos os demais não sabemos nada. E ali passam seus dias tão felizes, no paraíso dos idiotas!
Nota: não seria muito inteligente sentir-se aludido com este artigo.
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Comentários
Belo texto. sinto basicamente o mesmo que você com relação à proliferação da idiotice.
e sim, os terraplanistas estão ocupando um lugar de destaque na minha descrença com o ser humano. é tão absurdo que não dá pra aceitar.
acreditar que agencias governamentais (wrong, na verdade a nasa) ocultam de 7 BILHÕES DE PESSOAS mundo afora que o mundo é plano e não esférico é de dar nó no cérebro.
você não sabe apreciar uma boa ironia...
Como dizia Bukowski "O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, e as pessoas idiotas estão cheias de certezas."