- "Tenho 73 anos, e praticamente desde que me lembro sinto o desejo de viver com apenas uma perna. Com quatro anos já desejava ser um amputado". Quem fala é Dan, um engenheiro que vive em Wyoming, nos Estados Unidos, depois de passar por outros seis estados do país além de morar em Alsacia e Grenoble, na França. Ele conservou sua perna esquerda saudável até os 65 anos. |
Esta sensação tem um nome próprio: apotemnofilia ou desordem de identidade da integridade corporal (TIIC). Como Dan, há muitos mais casos no mundo, ainda que não existam registros oficiais. Quem padece do transtorno tem o desejo irrefreável de amputar uma ou mais extremidades saudáveis de seu corpo. Sentem que não deveria estar ali, que não lhes pertence.
Algumas pessoas com esta síndrome também sentem desejos de contar com alguma deficiência sem que seja necessariamente a amputação de uma extremidade. Há os que ficam cegos ou surdos de propósito. Em alguns casos, se auto-lesionam , congelando a perna e indo a um pronto-socorro pedindo a amputação. Só conseguem em casos extremos: o código ético dos médicos impede que mutilem um membro são.
Lutando contra isso
Dan à esquerda junto a sua bike em 2003. À direita, fazendo montanhismo no verão de 2017. Ainda que hoje soe paradoxal, as preferências de Dan sempre foram dar longos passeios a pé e sair para andar de bike. Quando vivia na França também esquiava pelos Alpes.
Uma expressão habitual entre comunidades de pessoas TIIC é "fighting it" ("lutando contra isso"), em referência à etapa em que sentem esse desejo de amputação, mas ainda não realizaram.
- "Passei a maior parte de minha vida lutando contra isso eu também, queria saber se podia combater e se tinha alguém mais como eu. Já não acho que possa ser combatido, e não há razão para fazê-lo", conta Dan.
Ele recorda sentir inveja dos amputados desde a infância, e sua atração por mulheres amputadas começou na adolescência. Prefere-as assim, mas não é um requisito. Aqui cabe dizer que há uma categoria dedicada a isso no pornô: RAK. Agora está casado com uma mulher (sem amputações) que não aceitou muito bem o momento em que lhe contou sua velha aspiração de perder uma perna. Depois, tudo mudou.
- "Depois da cirurgia ela descobriu que eu estava mais feliz e era mais fácil nos darmos bem, agora temos uma relação maravilhosa."
Nem nos Estados Unidos nem na Europa encontrou um cirurgião que quisesse amputar uma perna saudável, de modo que teve que se ir até as Filipinas em 2005. Ali localizou um médico que se ofereceu para cortar sua perna por 30 mil reais. Dan ficou reticente ante a capacidade do tal cirurgião e pelo alto preço solicitado acabou descartando a ideia. Alguns anos depois descobriu outro médico, ainda que não queira dar mais detalhes:
- "Foi em um país asiático, melhor não dizer o nome."
A perna direita de Dan e a prótese que usa na esquerda.
Até conseguir amputar a perna foram muitos anos de doloroso silêncio sobre seu segredo.
- "Sentia-me imensamente envergonhado." Ninguém sabia. Ser um mutilado passou a ser uma aspiração reservada a seus sonhos, a sua intimidade. Desde 2000, quando tinha 56, seus desejos começaram a ficar bem mais intensos. Foi então quando começou a buscar casos como o seu na Internet, simplesmente para ver se estava só nesse anseio. Bingo!
- "Foi um enorme alívio ver que não estava só e comecei a participar de grupos de discussão sobre o tema e desde então modero um grupo privado do Yahoo no qual ainda hoje sigo participando periodicamente."
Em busca de um porquê
Algumas das imagens compartilhadas no grupo de pessoas com apotemnofilia. Nelas exibem as próteses e cotocos derivados da síndrome.
No processo de reflexão, Dan buscou ajuda médica. Indicaram-lhe um psicólogo que aconselhou anos de terapia. Depois passou a outro especializado em psicologia comportamental.
- "Acho que não tinha nem ideia de por onde começar comigo". Finalmente encontrou um terapeuta que considerou mais afim e com uma melhor aproximação de seu caso. Com ele fez três anos de terapia. Não adiantou de muita coisa, acabou viajando a Ásia para voltar sem a perna esquerda.
Durante esses anos, antes e após encontrar essa comunidade on-line que lhe serviu de terapia, Dan se perguntava pelos motivos psicológicos de sua obsessão.
- "Parecia que a questão psicológica era um tabu nestes grupos, e ninguém falava de nada. Bastava alguém puxar o assunto para o bate-papo esvaziar."
Entre cismas e dúvidas, Dan encontrou uma possível causa a sua desordem:
- "Talvez todos os TIIC tenhamos uma causa comum. Suspeito que a uma idade muito precoce, quando nossos cérebros ainda estavam se formando, tivemos a ideia de que não éramos aceitáveis para os demais" explica o homem. - "Buscamos formas de mudar nossa identidade para poder fugir disto. Muita gente com apotemnofilia parece que teve este tipo de experiência."
Sua hipótese veio do triênio com o terapeuta, especialista em desenvolvimento infantil. Foi assim que hipotetizou sobre o férreo controle de sua mãe e a rejeição de seu pai como possível origem.
O doutor Hyung-goo Kim, professor associado em genética molecular humana na Universidade de Augusta, acha que a desordem de identidade da integridade corporal tem um componente genético. Ele retirou amostras de DNA de 38 pacientes e seus familiares para identificar uma dúzia de variantes de DNA que está explorando para encontrar genes candidatos a ter alguma relação com o transtorno.
Mas o que provoca esta desordem? Segundo alguns especialistas: a angústia, ideias obsessivas para eliminar o membro, estresse, ansiedade, depressão, sentimento de incompreensão pelas pessoas em seu entorno. Em última instância, sensação de marginalização. No momento em que perdem o membro, tudo isso acaba e sentem alívio. A coisa é tão estranha que Dan, quando estava sozinho em casa, costumava flexionar a perna e ocultá-la dobrada, simulando ter um cotoco em lugar da perna completa.
São pessoas completamente saudáveis a nível mental
Dan, dantes da operação de 2009, com a perna flexionada e vendada para fingir a amputação.
Vice publicou em 2015 uma entrevista com John, um homem de 30 anos que sonhava desde os dezoito em amputar uma perna. Também terminou fazendo. O MDig narrou a vida de Jewel, uma mulher que conseguiu seu objetivo de ficar cega e também de David um australiano que, por detestar sua perna, cortou-a ele mesmo depois mantê-la por horas em um bacia de gelo.
Que recomenda Dan a quem sinta o mesmo transtorno? Sobretudo, que fale com a família, que não seja um tema secreto.
- "Poderiam aceitar ou não, há que se preparar para todas as possibilidades. Inclusive poderiam expulsar o 'maluco' de casa. Mas se alguém não está disposto a te aceitar como é, é melhor saber."
Também aconselha recorrer à terapia psicológica, ainda que com certos cuidados:
- "Há que se levar em conta que ninguém curou a TIIC, ainda que tenha quem ache que possa fazê-lo."
Depois de tudo isso e se ainda não mudar de ideia, Dan recomenda passar alguns meses com muletas e a perna engessada. E se continuar achando que é boa ideia, poupar para a cirurgia.
- "Em última instância, pense que o dinheiro poupado poderia ser destinado a outra coisa. Se a resposta for "não", corta fora e vá ser feliz!"
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Comentários
Americano imbecil...
São pessoas completamente doentes mentalmente. Tanto que é classificado como distúrbio.