Cada vez que uma criança pergunta "Por que as nuvens flutuam?" ou "Onde vai o sol quando desaparece?" está empreendendo um caminho duplo: 1) o pessoal, pelo qual vai formando sua própria ideia de como o mundo funciona; 2) o coletivo, o que a humanidade percorreu centenas de vezes até chegar a saber o que sabemos hoje. Durante esta etapa da vida a mente das crianças é uma janela aberta sem filtros, uma esponja, um observatório pelo qual a realidade se mostra com sua lógica mais crua e inesperada. |
Nesse sentido, dias atrás na praia vi minha afilhada de 6 anos perguntando ao pai "Quem fabrica as ondas?" Estas perguntas de criança que quase não fazem sentido explicar porque a gente dá como estabelecido. Meu compadre, um ogro, respondeu "É assim filha, ninguém fabrica!" e foi corrigido pela comadre com a clássica "É Papai do céu!". Ambos equivocados. As coisas não são assim e pronto! E nem tudo dever ser de responsabilidade da Criação. O certo seria dizer apenas "o vento". Para uma criança não é necessário dissertar sobre as variações de pressão, a pressão atmosférica ou a influência gravitacional.
Foi por isso que pensei que devia escrever sobre isto no MDig, pois as crianças baseiam sua realidade por meio de perguntas simples: Onde? Como? Por quê? E suas respectivas respostas, também, simples, mas o melhor é que sejam relacionadas com a realidade, porque é a partir disso que passam a construir os significados daquela que será a sua [realidade]. Segundo Jean Piaget, a criança sempre anseia por motivos e explicações, pois, para ela, não existe o acaso. O problema chega quando nós, adultos, não conseguimos responder a tais perguntas em função de conterem temáticas delicadas ou que sejam triviais.
A curiosidade, ao menos quanto a capacidade de explorar e buscar novos cenários, não é uma faculdade exclusivamente humana. Em experimentos com o verme Caenorhabditis elegans, os cientistas observaram que após se mover por seu meio mais próximo durante alguns minutos, ele muda de direção de maneira radical e se lança a navegar por novas áreas. E o mesmo fazem muitos outros animais, desde as borboletas até os ursos panda.
Os neurocientístas Ethan Bromberg-Martin e Okihide Hikosaka observaram que os macacos preferem um objeto que forneça informação a outro que lhes entregue comida, e que satisfazer sua curiosidade ativa os circuitos cerebrais da recompensa. A universalidade no mundo animal deste impulso exploratório aponta a possibilidade da existência de um valor adaptativo ao longo da evolução e que em geral teriam tido mais sucesso aqueles que se aventuraram a encontrar novas fontes de recursos em vez de seguir uma estratégia mais conservadora.
No caso dos humanos parece que além de explorar temos a necessidade de obter respostas mais concretas sobre o que nos rodeia. Quando um gato olha à lua é possível que fique intrigado, mas parece improvável que se pergunte por sua autêntica natureza ou que se proponha viajar algum dia até ela.
Nós somos os descendentes daqueles hominídeos que há um milhão de anos se fizeram as primeiras perguntas: "Por que o cocô é marrom?", "Quem jogou sal na água do mar?", "Por que o céu é azul?" e quando foram descobrindo cada uma de suas dúvidas certamente sentiram o aumento de dopamina produzida ao resolver um enigma e encaixar as peças do puzzle. Aquela coceirinha da curiosidade nos ajudou a fabricar ferramentas, a dominar a arte de fazer fogo e tratar de compreender o movimento dos astros no céu, até o ponto de desenvolver a tecnologia que nos permitiu sair de nosso planeta i ir à lua.
A impressão daquele passado cheio de perguntas sem respostas segue presente com especial vivacidade na mente das crianças, mas não precisam percorrer um longo caminho porque os pais tem as respostas. Né? Em seus numerosos experimentos, a pesquisadora Laura Schulz, que trabalha no departamento de Ciências Cognitivas e do Cérebro do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), descobriu que as crianças passam mais tempo com brinquedos em que eles mesmos têm que descobrir as regras que com aqueles que sabem diretamente como funcionam.
As crianças gostam de explorar, conhecer que estranhos mecanismos se encontram por trás de cada fenômeno que observam e fazer perguntas de forma insistente. Por que? Onde? Como? Para alguns pais, esta etapa dos "porquês" resulta um pouco chata e, às vezes, depois do cansaço de uma dura jornada de trabalho, tratam de resolver a questão com "Por que sim" ou "Papai do Céu" ou "Cala a boca pentelho".
Mas manter viva a capacidade de surpresa é o melhor presente que pode ser dado a uma criança. Basta escutá-los e ensinar-lhes a desfrutar com a arte de fazer perguntas. Muitos não se dão conta de que estão assistindo um momento único nas suas vidas, o período em que podem ver os pensamentos de seus filhos se formando ao vivo, com suas dúvidas, contradições e disparatados pontos de vista.
Quando meus dois filhos eram pequenos, eu comecei a anotar as perguntas que me faziam diariamente para que pudessem lê-las quando fossem maiores e desfrutassem dessa lembrança como desfrutamos dos instantes que folheamos um álbum de fotografias. Os dois hoje brigam pela posse do diário e eu não posso pensar em melhor presente para dar um filho do que manter essa faísca que acende o motor do conhecimento.
Afinal de contas, as respostas sobre os fatos concretos poderão ser encontradas em muitos lugares quando for maior, mas não chegará bem longe se nada do que lhe rodeia lhe intriga. Depois ficará a seu critério se fica com as respostas que podem ser colocadas a prova ou se, como acontece cada vez com mais frequência, antepõe suas convicções aos fatos. E isso sim é preocupante porque ressuscita assuntos tão estúpidos quanto a terra plana.
Nessa batalha que nossos preconceitos e distorções cognitivas estão ganhando por goleada, o que alguns decidiram chamar de "pós-verdade", o psicólogo Dan Kahan, da Universidade de Yale, descobriu que as pessoas que mantêm um nível de curiosidade científica maior são mais inclinados a abrir sua mente a novas ideias. Segundo seus experimentos, aqueles que desfrutam mais de um achado surpreendente estão mais abertos a novas informação, inclusive se vai contra suas convicções. Isto é, estão dispostos a mudar de opinião se forem convencidos por argumentos. Vale lembrar o que disse Immanuel Kant: "O sábio pode mudar de opinião. O idiota nunca."
Este é precisamente o ponto de partida psicológico de quem faz perguntas, uma admissão de que não sabe tudo e que talvez alguém lhe possa oferecer dados ou provas que mudem sua forma de ver o mundo. E é esse o motivo pelo qual o assombro e a curiosidade talvez sejam nossa última esperança de mudar o mundo.
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Comentários
A curiosidade criou as armas e a bomba atômica.
Tem uma resposta que serve pra tudo: pq deus quer!!!!
A ignorância é uma merda!!!