Mikhail Gorbachev, o oitavo e último líder da União Soviética, foi um reformista que abriu as portas para a revolução pacífica, mas representou o Partido Comunista até o fim. No entanto, o colapso da União Soviética trouxe perigosas turbulências econômicas que afetaram milhões de russos todos os dias. Em meados dos anos 90, ele precisava de dinheiro. E a Pizza Hut, que chegara na União Soviética pouco antes de terminar, viu uma oportunidade. |
O conceito obviamente explorou o valor de choque de ter um ex-líder mundial aparecendo. Mas o anúncio dizia respeito ao fato de que Gorbachev era muito mais popular fora da Rússia do que dentro dela. E esses sentimentos calorosos em relação a Gorbachev persistiram no Ocidente muito depois da dissolução da União Soviética. Em casa, Gorbachev era um pária. No exterior, ele era um estadista e toda uma celebridade, muito mais amado do que o bufão Yeltsin.
Mas é perigoso para os líderes sobreviverem a seus países. Independentemente de seguirem em frente ou ficarem obcecados em retornar ao poder, eles não podem escapar de seu papel como símbolos de um mundo que desapareceu, uma condição repleta de nostalgia e perigo.
Ninguém conheceu esse fardo como Gorbachev. Desde sua aposentadoria involuntária, ele tentou levantar dinheiro para causas importantes, tentou voltar à política russa e, notoriamente, segundo dica do amigo Rusmea, via Facebook, fez um anúncio para a Pizza Hut.
O anúncio seria uma nota de rodapé se não fosse por sua longa segunda vida on-line, onde é redescoberto a cada poucos anos. Há um inegável frisson voyeurista de ver um homem que já comandou uma superpotência vendendo pizza e cada vez que se repete, deixa para trás uma nova enxurrada de clickbait. Mas que diabos estão fazia o líder soviético em uma estranha propaganda de pizza com um monte de moscovitas discutindo sobre o fim do comunismo?
Para as pessoas que criaram o anúncio -os executivos, os agentes, os criativos- foi um marco profissional, mas para o próprio Gorbachev, a história do anúncio é uma tragédia: a tentativa de um homem de encontrar e financiar um lugar em um país que não queria mais nada com ele. Para o mundo, a morte da União Soviética foi um terremoto geopolítico. Para Gorbachev, foi uma aposentadoria forçada nas mãos de seu rival e sucessor como líder russo Boris Yeltsin.
Inicialmente, Yeltsin e Gorbachev evitaram conflitos diretos. Porém, poucos meses após o estabelecimento da Federação Russa, Gorbachev começou a criticar Yeltsin publicamente. Em retaliação, o presidente russo ordenou uma auditoria para determinar se a fundação de Gorbachev estava usando ilegalmente fundos do Partido Comunista. Em seguida, o Kremlin removeu sistematicamente as fontes de apoio da fundação, iniciou protestos para assediar a fundação e finalmente reduziu seu espaço de escritório.
Ademais, os anos de assédio presidencial haviam afetado as finanças de Gorbachev. Em 1991, os chefes das ex-repúblicas soviéticas haviam votado em conceder a Gorbachev uma pensão de 4.000 rublos por mês, mas não estava indexada à inflação. Em 1994 sua pensão valia menos de 10 reais por mês.
Gorbachev havia sofrido o mesmo destino que muitos aposentados soviéticos, que esperavam ansiosamente por aposentadorias generosas apenas para se verem forçados a se apressar para sobreviver à medida que a economia russa colapsava ao seu redor, encolhendo 30% entre 1991 e 1998.
Gorbachev estava determinado a permanecer na Rússia e lutar por reformas, a não levar uma vida de exílio bem compensada no exterior. Para fazer isso, ele precisaria de dinheiro para financiar seu centro, sua equipe e suas atividades... com urgência. Para manter sua visão e permanecer relevante em um mundo que se movia além dele, ele precisaria de muito dinheiro. Mais do que poderia juntar dando palestras. Mais do que qualquer um na Rússia poderia, ou queria, dar a ele.
A empresa americana tinha chegado a União Soviética pouco antes dela morrer, em parte graças às políticas de abertura de Gorbachev. Essa é uma das razões pelas quais o comercial poderia existir: ele foi filmado em uma pizzaria de Moscou, perto da Praça Vermelha, que foi aberta em 1990 como parte de um acordo da era soviética com a então controladora da rede, PepsiCo. Esse acordo, que foi aclamado como o "acordo do século", fracassou quando a União Soviética entrou em colapso, matando tanto a economia russa quanto a cadeia de suprimentos do restaurante. Da noite para o dia, a mussarela lituana se tornou uma importação cara de um país estrangeiro.
A ideia central do anúncio permaneceu estável durante todo o processo de negociação e filmagem. Não focaria em Gorbachev, mas em uma família russa comum que come na Pizza Hut. Isso Seria filmado no local, apresentando o maior número possível de visuais que gritavam "Rússia". Mas Gorbachev aceitaria?
Ainda que estivesse precisando de grana para ontem as negociações duraram meses. Sua esposa Raisa temia que o anúncio pudesse prejudicar ainda mais sua reputação. Por outro lado, apenas fontes internacionais poderiam fornecer os fundos que Gorbachev precisava. A quantia exata que Gorbachev recebeu pelo comercial nunca foi revelada, mas há rumores que foi o maior cachê da história.
Quando por fim Gorbachev concordou, ele impôs duas condições: aprovar o script e ele não iria comer pizza no filme. Foi criado um impasse, pois o pessoal do marketing considerava super importante que o homem fosse visto como um apreciador da pizza, mas o problema foi resolvido quando um assessor de Gorbachev sugeriu a presença de um parente, neste caso sua neta Anastasia Virganskaya, para comer a fatia.
Em uma pesquisa de 2018 realizada pelo respeitado Centro Levada -outro subproduto das reformas de Gorbachev-, 66% dos russos responderam que lamentavam o colapso da União Soviética. O mesmo acontece com Gorbachev. Sua ambição era aperfeiçoar o país, não acabar com ele.
No entanto, os russos parecem culpá-lo pela catástrofe. Uma pesquisa do mesmo instituto de 2017 descobriu que apenas 1% dos russos expressavam admiração por Gorbachev, 30% disseram não gostar dele e 13% disseram que a atitude geral deles era de nojo ou ódio. Yeltsin, que morreu em 2007, recebeu classificações quase idênticas. Como líder, os russos classificam Gorbachev bem abaixo do celerado Joseph Stalin.
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